MPF defende legalidade do uso de relatórios de inteligência financeira emitidos a pedido de autoridade policial

É constitucional a possibilidade de a autoridade policial ou o Ministério Público solicitar diretamente à Unidade de Inteligência Financeira (UIF) – antigo Coaf – e à Receita Federal informações para a instrução de investigações em curso. Esse é o entendimento do Ministério Público Federal (MPF) em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF) pela procedência de reclamação (Rcl 61.944) ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) contra decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). O colegiado invalidou relatórios de inteligência financeira solicitados por autoridade policial à UIF para instruir inquérito que apura possível crime de lavagem de dinheiro e sonegação fiscal por dirigentes da empresa Cerpa Cervejaria Paraense que resultou em prejuízo ao erário de cerca de R$ 600 milhões.

De acordo com a subprocuradora-geral da República Cláudia Sampaio Marques, que assina o parecer, a Sexta Turma do STJ entendeu que é ilegal a solicitação de forma direta à UIF, devendo a diligência ser precedida de autorização judicial. No entanto, segundo a representante do MPF, tal decisão viola o que foi decidido pelo STF ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 1.055.941/SP, representativo do Tema 990 da sistemática da repercussão geral. Ao definir as balizas para o compartilhamento dados fiscais e bancários com órgãos de persecução penal, a Corte fixou a tese de que é constitucional o compartilhamento direto dos dados tanto da UIF como da Receita Federal, sem necessidade de autorização judicial.

O MPF aponta no parecer que, no caso em análise, todas as cautelas apresentadas pelos ministros do STF foram observadas. Entre elas, a instauração de procedimento investigativo formal pela autoridade competente e a solicitação por meio da via oficial do Sistema Eletrônico de Intercâmbio (SEI-C). De acordo com os autos, a solicitação de informações à UIF foi posterior à instauração do inquérito policial.

Além disso, o procedimento investigatório foi instaurado a partir de requisição do Ministério Público, que instruiu o pedido com três autos de infração e de notificação fiscal contendo elementos que comprovavam a prática de 50 crimes de sonegação fiscal pelos dirigentes da empresa Cerpa Cervejaria Paraense. A partir desses dados, os pedidos de informação foram formalizados por meio do SEI-C, com a identificação da pessoa investigada, o que resultou nos RIFs 42.864 e 42.995, considerados ilícitos pela Sexta Turma do STJ.

Segundo o parecer do MPF, o exame dos relatórios mostra que a UIF limitou-se a compartilhar os dados que recebera das instituições bancárias, com evidências de movimentações atípicas, incompatíveis com o patrimônio e a atividade da empresa investigada. “Tendo em conta esses dados, a conclusão inafastável é a que a solicitação de informações a UIF atendeu a todas as exigências impostas por essa Suprema Corte no julgamento do RE nº 1.055.941/SP, não se podendo falar em ilegalidade ou em ofensa a direitos dos investigados”, sustenta Cláudia Sampaio Marques.

Para a subprocuradora-geral, não há fundamento razoável para se ter como ilícitos os Relatórios emitidos a pedido da autoridade competente para a persecução penal quando se tem como certo que a UIF não realiza atos de investigação nem acessa as informações bancárias das pessoas investigadas. “Os Relatórios de Inteligência Financeira, sejam os emitidos por iniciativa da própria UIF, sejam os emitidos a pedido da autoridade competente, retratam as informações que já estão no banco de dados da unidade de inteligência financeira, previamente repassados pelas instituições financeiras e bancárias”, enfatiza.

Sigilo – Em outro ponto do parecer, Sampaio Marques explica que a UIF não tem acesso à conta bancária das pessoas, não vê os extratos bancários, não tem o detalhamento das contas e das movimentações bancárias e não realiza diligências perante instituições financeiras para a obtenção de informações específicas, salvo para algum detalhamento de atividade atípica de lhe seja previamente repassada. “A sua atuação é limitada a receber informações que são repassadas pelos entes e setores obrigados por lei”, assinala, completando que essa limitação torna impossível agir com o objetivo de realizar investigações disfarçadas, o chamado fishing expedition. Ainda segundo ela, a configuração institucional da UIF, como órgão de inteligência financeira, é absolutamente incompatível com essas práticas ilícitas.

A subprocuradora-geral da República também destaca que as informações que integram o banco de dados da UIF, assim como as que são repassadas em seus relatórios, estão sujeitas ao sigilo de ponta a ponta. Ou seja, todas as pessoas que atuam nesse processo, sejam da própria UIF, sejam do Ministério Público, sejam da Polícia, estão obrigadas a manter o sigilo dos dados.

Combate ao crime – Cláudia Sampaio Marques ainda aponta que, além do relevante papel na prevenção e no combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, a UIF atende à obrigação assumida pelo Brasil como signatário de convenções das Nações Unidas e como membro do Grupo de Ação Financeira (Gafi), de dispor de uma unidade de inteligência financeira com jurisdição nacional e com autonomia operacional. De acordo com ela, o compartilhamento de informações da UIF por meio de solicitação de autoridades competentes é uma modalidade de disseminação de informações expressamente prevista em documento do Gafi.

Íntegra da manifestação

Foto: José Cruz/Agência Brasil

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