Como as igrejas podem tratar os dados pessoais de seus fiéis

por Enrico Gutierres Lourenço
Igrejas de um modo geral possuem a tendência de coletar dados pessoais de seus fiéis, funcionários, membros do ministério, tendo como finalidade a prática religiosa, como através do “caderno de oração”, meio em que são inseridas diversas informações pessoais.

A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD, confere especial atenção no tratamento de dados pessoais que se refiram a convicção religiosa, os quais devem ser protegidos com um rigor ainda maior, uma vez que são considerados sensíveis, ou seja, que podem causar danos ou discriminação do titular, caso sejam utilizados de forma indevida ou irregular.

Ponto de grande preocupação para as instituições religiosas é a utilização de fotos, vídeos e áudios de seus fiéis. Como todas as informações que possam identificar uma pessoa ou levar a sua identificação são considerados dados pessoais, torna-se indiscutível que a foto, os vídeos ou os áudios referentes a uma determinada pessoa física, são considerados dados pessoais.

Pois bem, a LGPD traz a obrigação que, para todo tratamento (utilização) de dados pessoais, as igrejas tenham uma base legal definida, ou seja, uma opção constante na legislação que possa tornar aquela determinada ação regular e legal.

A base legal mais empregada para casos de uso de fotos, vídeos e áudios de pessoas físicas, sem dúvida alguma, é o consentimento. Este nada mais é do que a coleta de uma autorização da pessoa sobre quem os dados se referem, onde ela autoriza que a instituição religiosa utilize tais informações para promoções e divulgações em seu site, suas redes sociais, informativos impressos, entre outras opções.

Ocorre que a utilização da base legal do consentimento requer atenção redobrada, vez que ele pode ser revogado a qualquer momento pelo titular dos dados. Em casos complexos, onde a instituição realizará alto investimento para produção de conteúdo, contendo dados pessoais de determinada pessoa, necessário se faz um documento mais bem elaborado, que deverá ser firmado entre a igreja e o titular dos dados, contendo o consentimento e prevendo situações envolvendo a revogação deste, bem como suas consequências.

De início, caso o fiel exerça seu direito de revogação do consentimento, isso só produz efeitos práticos daquele momento em diante, permanecendo intactos todos os tratamentos realizados com os dados pessoais até então. 

Agora, caso seja solicitada também a exclusão dos dados pessoais envolvidos nos tratamentos, consequentemente a instituição religiosa deverá atender o direito do titular, ou seja, operacionalizar a exclusão total desses dados, deletando os conteúdos já elaborados e utilizados.

Alguns entendem que melhor seria utilizar a base legal do legítimo interesse do controlador, onde a igreja estaria agindo conforme seus interesses. Ocorre que como os dados pessoais coletados e tratados pelas instituições, na grande maioria das vezes, acabará revelando as preferências religiosas daquela pessoa, estes são considerados dados pessoais sensíveis.

Tal fato acaba inviabilizando a utilização da base legal do legítimo interesse, vez que essa só pode ser usada no tratamento de dados pessoais comuns, e não para tratamento de dados pessoais sensíveis.

Existem entendimentos de que um contrato firmado entre o fiel e a igreja, prevendo o tratamento daqueles dados pessoais, de forma gratuita, seria até melhor que um simples Termo de Consentimento, vez que os dados tratados com base no contrato estariam se utilizando da base legal da execução de contrato.

Tal opção ainda é um tanto quanto incerta, vez que os contratos também podem ser rescindidos a qualquer momento. E se em um contrato para tratamento de dados, entre os fiéis e a igreja, estivesse prevista uma multa em caso de rescisão? Seria essa multa legal? Qual seria o entendimento do Poder Judiciário quanto a isso?

Só o tempo poderá trazer as respostas para as questões acima. O ideal é que sejam colocadas na mesa todas as opções e riscos envolvendo a utilização de fotos, vídeos e áudios dos fiéis, para que seja possível uma tomada de decisão de forma clara e precisa.

Enrico Gutierres Lourenço é advogado especialista em LGPD da Greve Pejon Sociedade de Advogados.

  • Sugestão do leitor
    Este artigo foi escrito gentilmente pelo advogado Enrico Gutierres Lourenço após o DJ receber sugestão de leitora, com o seguinte questionamento:

    “Gostaria de deixar minha sugestão de artigo. Quero muito saber sobre o uso da base legal, interesse legítimo nas organizações religiosas. Em caso de um membro sair da igreja, como fica os seus dados que foram divulgados nas redes sociais, como fotos, vídeos participando dos eventos da igreja? seria possível pedir a retirada das fotos e vídeos em que a pessoa aparece?”.

    Mande sua sugestão no: jornalismo@diariodejustica.com.br

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