As Forças Armadas e o art. 142 da Constituição Federal

Por Edmar Silva

Em razão de não concordar com as medidas restritivas impostas pelos governos estaduais para combater a pandemia do coronavírus, o Presidente tem mencionado a possibilidade de emprego das forças armadas, com base no art. 142 da Constituição Federal (CF), a fim de impedir as mencionadas limitações. Contudo, não parece ser essa a função precípua das forças armadas.

Segundo o art. 142 da CF, As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Anota-se, em primeiro lugar, que o referido artigo está inserido no Título V, da CF, que se refere expressamente à defesa do Estado e das instituições democráticas. Assim, as disposições contidas nesse Título da CF têm por objetivo proteger o país e suas instituições de eventuais ataques externos que possam impedir ou embaraçar o seu funcionamento democrático. Sem dúvidas, no momento, o Brasil não está sofrendo desse mal e tampouco está na iminência de sofrê-lo.

Além disso, ao prever que as forças armadas se destinam à defesa da lei e da ordem, o art. 142 da CF está se referindo à manutenção da segurança pública e nesse tocante o emprego da Marinha, Exército ou Aeronáutica deve ser feito de forma subsidiária, ou seja, apenas quando as forças policiais locais (dos estados) estiverem indisponíveis, inexistirem ou forem insuficientes para agir e, ainda, quando tais circunstâncias forem reconhecidas pelo chefe do Poder Executivo do local (estado) em que ocorre a desordem (art. 15, §§ 2º e 3º da Lei Complementar nº 97/1999).

Exemplificando, eventual envio de tropas militares ao estado de São Paulo por questão de segurança pública dependeria de ato formal do respectivo governador reconhecendo a insuficiência ou indisponibilidade das forças policiais estaduais. Sem isso, não poderia o Presidente determinar o emprego das forças armadas naquele estado.

Mas também não parece que algum estado da federação esteja enfrentando sérios problemas na segurança pública a fim de que a hipótese em análise seja concretizada.
Existem, ainda, os argumentos do Presidente no sentido de que as medidas restritivas impostas nos estados para combate à pandemia seriam inequívocas afrontas ao livre exercício do direito de locomoção, previsto no art. 5º, inciso XV, da CF.

Todavia, nenhum direito é absoluto, por mais relevante que seja. Com efeito, até mesmo a vida humana é relativizada pela CF em situação excepcional (guerra), conforme previsto no seu art. 5º, inciso XLVII, alínea “a” (permite-se a pena de morte em caso de guerra declarada).

Ademais, no caso em apreço há dois bens jurídicos de suma relevância que se encontram em conflito, quais sejam, o direito de locomoção e o direito à saúde pública, sendo necessários sopesá-los com base no princípio da proporcionalidade para que um incida sobre o outro no caso concreto, sem, contudo, eliminá-lo. E no caso ora analisado parece razoável a restrição temporária do direito de locomoção para restabelecimento da saúde pública. Inclusive, essa possibilidade de restrição do direito de ir e vir em razão da pandemia encontra respaldo em Lei Federal sancionada pelo próprio Presidente da República (art. 3º, Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da pandemia).

Assim sendo, conclui-se pela impossibilidade jurídica de emprego das forças armadas por parte do Presidente contra os governadores que impõem medidas restritivas à população para combate à pandemia.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

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