Advogado de Limeira explica o que acontece com quem mente para receber benefícios

Sabe aquele “jeitinho brasileiro”? Nem sempre funciona, além de não ser correto em muitas situações, sobretudo quando trata-se de benefício concedido pelo governo para ajudar quem mais precisa. Por isso, chama-se auxílio emergencial o valor liberado para pessoas que enquadram-se dentro de critérios, como desemprego e que comprovem vulnerabilidade financeira.
Nesta semana, uma reportagem mostrou que candidatos com alto patrimônio receberam o benefício, mas muitas outas pessoas podem ter recebido o auxílio sem necessidade.


O DJ conversou com o advogado Thiago Treinta, especialista em Direito Constitucional, especializando em Direito Penal e em Direito Público.

DJDo ponto de vista administrativo, o governo federal pode cobrar algum tipo de ressarcimento se comprovada a irregularidade?
Sim. Não só pode, como deve fazê-lo. Quando o cidadão entra no site da Caixa para solicitar o benefício emergencial, antes de protocolar o pedido eletrônico, são exigidos os termos e condições para concessão, sendo o indivíduo obrigado a concordar para que o protocolo se realize. Portanto, não poderá, futuramente, alegar ignorância ou desconhecimento. Além disso, a restituição deverá contemplar a atualização monetária do dinheiro e os juros simples de 1% ao mês, sob pena de inscrição em dívida ativa, protesto e execução fiscal, com eventual bloqueio de bens e ativos.

DJ – Em âmbito criminal, o induzimento ao erro do governo federal pode configurar, em tese, estelionato?
No âmbito criminal, existem quatro situações diferentes: na primeira, o indivíduo, ao preencher o seu cadastro, omite declaração que dele devia constar, como, por exemplo, não declara uma fonte de renda; ou nele insere ou faz inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, como, por exemplo, declara ser desempregado quando, na verdade, está empregado ou recebe rendas de atividade empresarial; como fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante, configura-se, em tese, o crime de falsidade ideológica descrito no artigo 299 do Código Penal, com pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Para a configuração do crime não é necessário o deferimento do benefício, tampouco o seu saque. Basta a declaração falsa ou omissa, ainda que a Caixa, ao cruzar os seus dados com as informações internas, indefira o seu pedido, pois o crime é de mera conduta, ou seja, não exige um resultado naturalístico – o recebimento do benefício.
Na segunda situação, o benefício é deferido após o cadastro fraudulento e o indivíduo efetua o seu saque, total ou parcialmente, configurando-se, em tese, o crime de estelionato descrito no artigo 171 do Código Penal, pois a pessoa obteve, para si, vantagem ilícita, em prejuízo alheio – da União, induzindo-a em erro mediante meio fraudulento, com pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa.
Como o dinheiro é oriundo de recursos públicos, a pena a ser fixada será aumentada de 1/3 (um terço), conforme o § 3º do artigo 171. Assim sendo, a pena mínima será de, ao menos, um ano e quatro meses de reclusão.
Nesse caso, o indivíduo responderá apenas por um crime, o de estelionato, pois, apesar de também ter praticado o crime de falsidade ideológica, este, por ter sido meio para a prática de outro crime, qual seja, o de estelionato, é por este absorvido.
Na terceira situação, o indivíduo recebe em sua conta corrente o benefício sem pedi-lo, por estar cadastro em programa assistencial do governo federal, e o saca, total ou parcialmente.
Nesse caso, como o indivíduo não agiu para induzir a União em erro, não há, em primeiro momento, qualquer crime. Todavia, se o governo, futuramente, perceber que ele não preenchia os requisitos para o recebimento do benefício, deverá notificá-lo para efetuar a devolução dos valores recebidos.
Aí sim, caso o indivíduo se recuse a devolver o dinheiro indevidamente recebido, será responsabilizado, em tese, pelo crime de apropriação de coisa havida por erro, nos termos do artigo 169 do Código Penal, com pena de detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Por fim, na quarta situação, o indivíduo não pediu e não recebeu o benefício emergencial, contudo, terceiro, usando os seus dados pessoais, fez o pedido e o recebeu em outra conta. Nessa situação, o dono do CPF/ME usado indevidamente é vítima de um crime de estelionato praticado por terceiro, e não responderá, por óbvio, pela prática de nenhum crime.

DJ – As pessoas que sabem que prestaram informações incorretas, o que podem fazer agora?
Caso a informação tenha sido prestada a título de erro, e não com dolo (vontade consciente) de lesar a União, a pessoa deve corrigir o seu cadastro ou comunicar o fato à Caixa Econômica Federal e, caso tenha recebido o dinheiro sem preencher os requisitos legais, efetuar a sua devolução voluntária, inclusive como demonstração de boa-fé.
O governo, inclusive, criou um site para tanto: https://devolucaoauxilioemergencial.cidadania.gov.br/devolucao.

DJ – No caso dos candidatos, se eleitos, podem sofrer outras sanções?
Não, como a prática destes crimes não tem relação com o pleito, os candidatos, se eleitos, não podem sofrer nenhuma sanção adicional. No máximo, se condenados criminalmente, como efeito da condenação, poderão perder o mandato eletivo se o Poder Judiciário aplicar pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a quatro anos nos demais casos.

DJ – De quem é a responsabilidade por fiscalizar e responsabilizar nesses casos?
Como os recursos pertencem à União, o crime é de competência federal. Portanto, o boletim de ocorrência deverá ser registrado perante a Polícia Federal, que irá apurar o fato e remeter as suas conclusões ao Ministério Público Federal, que, se assim entender, apresentará uma denúncia (acusação) à Justiça Federal.
As irregularidades também podem ser comunicadas à Caixa Econômica Federal, que deverá adotar as medidas de apuração e comunicação dos órgãos competentes.
Como as parcelas do benefício são pagas mensalmente, o crime se reitera no tempo, estando o indivíduo em flagrante, podendo, assim, ser preso em flagrante a qualquer momento.

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