Triste balanço da pandemia

por Leandro Consentino
A pandemia de covid-19 parece estar arrefecendo em todo o mundo, inclusive em nosso país. O momento é de relativo alívio, mas ainda não podemos baixar a guarda para o vírus, mantendo as medidas não farmacológicas – uso de máscaras e distanciamento social – e tomando as vacinas quando for a nossa vez.

Apesar dessa melhora, não podemos esquecer tudo que ocorreu durante esse trágico momento histórico em nosso país. Nesse sentido, uma das ferramentas é o relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Senado Federal, com o fito de investigar a condução do governo federal durante a pandemia.

A primeira conclusão que esse relatório traz é que houve um enorme número de mortes evitáveis em nosso país. Atualmente, o Brasil é o sexto país mais populoso do mundo, contando com 213 milhões de habitantes. Estamos entre o Paquistão a Nigéria, que, respectivamente, exibem uma população de 220 milhões de habitantes e 206 milhões de habitantes, ocupando a quinta e a sétima posição.

Embora o tamanho da população seja similar, o número de óbitos por covid-19 é flagrantemente distinto: enquanto no Brasil computamos 605 mil mortes, no Paquistão foram 28 mil e na Nigéria, apenas 2,8 mil. Sempre é possível dizer que há uma subnotificação naqueles países, mas não podemos nos olvidar de que esse é um problema ocorrido em diversos locais, inclusive aqui, invalidando a tese de que seríamos prejudicados na comparação porque fizemos uma contagem melhor de nossos mortos.

Além do número frio, devemos olhar para as causas de todo nosso desastre e elas são múltiplas: descaso com medidas de distanciamento social e uso de máscaras, deliberada sabotagem no início e no decurso de processo de vacinação – na semana passada, o presidente ainda associava a vacina contra o covid-19 ao desenvolvimento de AIDS – e estímulo a medicamentos ineficazes do chamado “tratamento precoce”.

Tudo isso, com a anuência e o patrocínio de autoridades, de médicos e até mesmo de uma famigerada operadora de planos de saúde que, segundo conta, promoveu testes com cobaias humanas com o objetivo de economizar recursos e validar os argumentos dos mandatários de ocasião. Isso para não mencionar aquilo que veio à tona sem que ninguém pudesse esperar no curso dos trabalhos da CPI: a corrupção em larga escala de vacinas que, não fosse a investigação, teria se concretizado em prejuízo de milhões de brasileiros para além de todos aqueles que foram levados pela doença.

No total, a peça pede o indiciamento de 81 pessoas e empresas, além de atribuir ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nove crimes, dentre eles os crimes de responsabilidade e contra a humanidade. Cabe ponderar, contudo, que os desmandos durante a pandemia não ocorreram apenas no âmbito federal. Por isso, cabe às Assembleias Legislativas de cada Estado e às Câmaras Municipais de cada município investigarem a conduta de diversos governadores e prefeitos que agiram de maneira similar ao presidente. 

O triste balanço da pandemia, para além de seus números, traz a constatação de que muitos demonstraram, durante seu curso, a falta de compaixão para com seus concidadãos e isso, certamente, acaba por desnudar uma realidade ainda mais terrível que o próprio vírus e suas consequências. É tempo de olhar para o futuro com esperança, mas jamais podemos esquecer o que passou nesse período.  

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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