Quase 20 anos após morte do pai, irmãos descobrem por que só 1 ficou milionário e vão à Justiça

A história a seguir pode até parecer roteiro de filme, mas é narrada em ação movida por irmãos de Limeira, interior paulista, que se denominam economicamente pobres, contra um irmão, o único que, como consta, ficou milionário. Da mesma forma é caracterizada a condição dos sucessores, tanto dos autores da ação quanto do requerido com sua esposa.

O pai das partes no processo, que tramitou na 4ª Vara Cível de Limeira, morreu em 2002. A mãe havia falecido muitos anos antes.

Foi em 2017, quando uma neta organizava os documentos antigos do pai, um dos filhos que morreu em 1998, encontrou um documento em nome do avô, que indicava a propriedade de alguns alqueires de terra em um município de Minas Gerais. A partir daí, foram iniciadas as apurações e, para isso, ela contou com a ajuda especial de um primo.

Eles sempre se questionavam o que justificava tamanha diferença patrimonial entre os filhos do mesmo avô, incluindo os pais deles, com relação a apenas um. Consta na ação as partes como economicamente pobres e os requeridos milionários, “sendo que todos eram filhos, netos e bisnetos do casal […], falecidos, respectivamente, em 2002 e 1976, de origem humilde e atuantes em atividades profissionais idênticas”.

Por meio das investigações particulares, foi descoberta uma procuração antiga, em nome do avô, identificado na ação como pessoa simples, lavrador e analfabeta, outorgando poderes para a filha (…), a qual informou ter sido lavrada após a morte da avó, a fim de que pudesse auxiliar o pai nas atividades básicas da vida cotidiana. No entanto, conforme consta, o documento sequer foi utilizado porque o irmão requerido levou o genitor para residir com ele em um cômodo aos fundos da residência.

A família aponta que este irmão era agressivo e autoritário quando o assunto era questões de família, “sendo que este sempre impôs suas vontades ao pai”, assinala. “O requerido, de forma estranha e inexplicável, impedia o contato do pai com os demais filhos e netos, isolando-o da família”, narra outro trecho da ação.

Após iniciadas as buscas pelos primos, os netos, ainda em 2017, foi indentificada a existência de um inventário judicial, que tramitou pela 1ª Vara Cível, proposto pelo irmão requerido, em virtude do falecimento da mãe. A demanda, no entanto, era até então desconhecida. Com o desarquivamento, os netos descobriram se tratar de arrolamento de bens, tendo como objeto um bem imóvel, a casa onde os avós residiam e que os herdeiros acreditavam ter sido vendida pelo patriarca anos antes.

Eles também descobriram que o inventário foi iniciado pelo requerido utilizando-se, segundo apontado, de procurações com assinaturas falsificadas dos herdeiros, que sequer conheciam o procurador outorgado. Além disso, na época do reconhecimento das assinaturas, apenas o filho requerido e a esposa dele possuíam firmas abertas no respectivo cartório, conforme apurado.

Em 2019, os irmãos e netos notificaram extrajudicialmente o requerido, buscando esclarecimentos sobre os fatos, mas ele se negou a manter contato. Semanas depois, o homem aceitou uma reunião e confessou ter vendido a casa, mas alegou ter entregado o dinheiro da venda para os irmãos e, quando questionado, negou-se a tratar pessoalmente com eles sobre a questão. A ação narra que, no início da reunião, o requerido fez a seguinte pergunta aos irmãos: “Quanto vão querer, um milhão cada um?”, eis que imaginou que o encontro versaria, também, sobre as “terras de Minas”.

Nesse contexto, os filhos lembraram que o pai, em seu leito de morte, avisou sobre a existência de terras no local. O fato foi negado pelo irmão requerido.

Também foi lembrado um evento de traição, quando a esposa do requerido teria relatado sobre a existência de terras ainda em nome da família, mas, posteriormente, se arrependeu e mudou a versão sobre o assunto.

A ação tece nuances dos impasses familiares e afirma que todo o patrimônio foi transferido para os requeridos, por meios fraudulentos, prejudicando os demais herdeiros. Os atos causaram danos financeiros e morais, motivos que os requerentes apontam justificar a ação. Eles pediram o reconhecimento dos atos ilícitos praticados pelos requeridos, condenação ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$ 330 mil para cada uma das quatro famílias, considerando as privações afetivas e econômicas que suportaram durante toda a vida, totalizando R$ 1.320.000, além do ônus da sucumbência.

Diversos documentos foram anexados aos autos e o requeridos foram citados. No meio do processo, a sucessora de um dos irmãos desistiu da ação, mas o caso seguiu sendo instruído.

A outra parte

Os requeridos, o irmão e a esposa, sustentaram a ocorrência de prescrição, uma vez que os fatos ocorreram há 42 anos. Ele ainda pediu a condenação dos irmãos e sucessores por litigância de má-fé.

Disseram, também, que o patrimônio deles foi construído com muito trabalho, além da herança oriunda da mãe da esposa.

O requerido, como filho mais velho, afirmou que sempre acompanhou o pai em suas negociações e tratativas, mas jamais utilizou qualquer recurso financeiro para aquisição de bens, pois, se assim fosse, não haveria qualquer disponibilidade para os genitores que, inclusive, realizaram a construção do imóvel residencial. Também apontam ser inverídica a afirmação de que os requerentes não firmaram as procurações e desconheciam o patrono. Pediram a realização de perícia grafotécnica.

A sentença

Apesar do farto material e narrativas detalhadas, a sentença do juiz Paulo Henrique Stahlberg Natal, assinada nesta segunda-feira (26/2) foi objetiva.

“No caso concreto, os requerentes justificaram a complexidade fática e probatória que envolve o impasse, delineado no âmbito familiar, além dos aspectos custosos para atingimento dos documentos que somente foram totalmente angariados em 16/05/2022. Sendo assim, constatada as consequências lesivas decorrentes do evento danoso praticado pelos requeridos, procedeu-se ao ajuizamento da presente ação somente em 03/07/2023. Ocorre, contudo, que os requerentes afirmaram na petição inicial que tomaram conhecimento sobre a falsificação das assinaturas contidas nas procurações, que deram ensejo ao processo de arrolamento, em 2017, motivando, após, a notificação dos requeridos sobre os fatos em 2019, em que pese a reiteração, em 2022, demonstrando terem [no ano de 2017] ciência inequívoca sobre as consequências lesivas decorrentes do suposto evento danoso praticado pelo núcleo requerido. Registra-se que, independente de quando conseguiram as demais certidões, não havia motivação para a demora do ajuizamento da demanda indenizatória”.

A questão neste caso foi o tempo levado para a ação. Conforme o magistrado, “ciente de que o termo inicial da prescrição é contado a partir ciência da violação do direito, na essência do princípio da actio nata, a pretensão se encontra ofuscada. Conquanto não haja prova indiciária que crave a data na qual os requerentes tiveram conhecimento dos fatos, nada nos autos induz convicção em data diversa, considerando, em especial, a data da notificação extrajudicial operada”.

A ação foi julgada improcedente. O juiz não verificou a existência de conduta de má-fé pelos requerentes, como pediu o irmão requerido.

A família pode recorrer ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP).

Foto: Freepik

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