Os jovens são o futuro? Fim da carteira de trabalho e da proteção social

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Não esqueço até hoje o dia em que tirei minha Carteira Profissional de Trabalho. Tinha completado 14 anos. Naquela época, 1976, esta era a idade mínima para adentrar no mercado de trabalho.

Havia nas famílias toda uma expectativa quando um menino ou menina adquiria a carteira de trabalho. Era uma verdadeira festa, pois, para muitos, o trabalho era a porta de entrada para a vida adulta e para a “felicidade”, embora esta felicidade em um país desigual e injusto é sempre questionável. Porém, o ser humano que vive de seu trabalho celebra este momento importante até os dias de hoje.

Meu primeiro emprego foi formal, ou seja, com registro em carteira. Não precisei, como milhares de crianças e jovens, trabalhar no mercado informal e semiescravo, em vários setores da economia. Já adolescente, tinha o entendimento da importância da carteira, de trabalhar com ela assinada pelo patrão.

Sabia que estaria protegido em meus direitos trabalhistas e previdenciários, mantendo o registro em carteira. Direitos como férias, décimo terceiro salário, FGTS e recolhimento do empregador ao INSS estariam garantidos, como uma renumeração mensal por meu trabalho.

Ter carteira de trabalho “era” uma bênção para os trabalhadores, a segurança de que ele e sua família não padeceriam, pois os direitos estariam conquistados.

No entanto, a carteira de trabalho passará a ser daqui para frente um artigo de luxo e de poucos, ou até peça de museu. Criada em 1932 e consolidada na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1934, a carteira baseada na Carta Del Lavoro da Itália garantia a proteção aos trabalhadores, de que não seriam precarizados em seus direitos.

Contudo, na última semana, próximo ao 12 de agosto, considerado o Dia da Juventude, a Câmara Federal dos Deputados deu um presente de grego, em especial aos Jovens Brasileiros. Em pauta, a Medida Provisória 1045/21, que prorrogava o programa de redução e jornada de trabalho, bem como de salários ou sua suspensão em função da pandemia, virou uma nova reforma trabalhista.

A maioria dos deputados se surpreendeu como os ‘jabutis’ contidos no texto base. Por jabuti entende-se assuntos que não têm relação com o tema em debate.

No texto aprovado, cria-se o Programa Primeira Oportunidade e reinserção de emprego para jovens entre 18 e 29 anos que não tenham tido o primeiro registro em carteira.

O salário será de até dois salários mínimos, em uma jornada entre 11 e 22 horas semanais, descontando a contribuição patronal para o Sistema S (Senai, Sesi, Senac e outros). Tudo isto sem necessidade de registro em carteira.

Com isso, se institucionaliza no Brasil o sonho de muitos empresários que conheci em minha vida militando no movimento sindical. A precarização do trabalho consiste em cortar e suprimir totalmente direitos que protegem a classe trabalhadora, em especial a juventude.

Em um país onde o acesso à escola pública, voltou a se tornar difícil com o governo Bolsonaro, e onde boa parte dos jovens pobres precisam trabalhar para sua sobrevivência (alguns arrimo de família e principais mantenedores da renda familiar), com esta propositura, a escolha se reduz a botar comida na mesa, a estudar e buscar um futuro no amanhã.

A média do empresariado brasileiro ainda reclama do chamado custo Brasil, que para eles são os direitos e benefícios de seus trabalhadores. A hipocrisia de alguns é tão grande que outro dia um “respeitado” empresário limeirense disse que ele contribui muito com o Brasil, dando emprego.

Bom, o regime de trabalho no país e no mundo consiste em contratos, ou seja, o patrão emprega o trabalhador e sua mão de obra, para assim obter lucros de seus trabalhos. Não há nenhuma benevolência do empregador, pois sem os trabalhadores não há produção e sem ela não há lucro. Mesmo que ele opte por robótica, o humano tem que estar presente.

Por isto não faz sentido em detrimento da maioria da população, mais uma vez 300 deputados e o governo Bolsonaro privilegiarem a classe patronal.

Se o Senado não barrar esta indecência, a carteira de trabalho deixa de existir e o futuro presente do país morrerá de fome e miséria.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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