Objetivo da saída temporária é devolver o convívio social ao reeducando, dizem criminalistas

As saídas temporárias de presos sempre causam polêmica, mas elas estão previstas na Lei de Execução Penal brasileira. No último dia 23, o DJ mostrou que 159 presos em unidades carcerárias de Limeira receberam o benefício.

Conforme a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), eles e todos os outros presos beneficiados no Estado deverão retornar até o dia 3, sob pena de regressão do regime.

A reportagem conversou com duas advogadas criminalistas de Limeira. Uma delas é Brenda Lombardi, especialista em direito militar, perícia criminal e ciências forenses, e direito penal e processual penal. Ela é autora da obra digital Crime Organizado – Lei nº 12850/2013. E Ângela Souza, criminalista, atuante no plenário do júri e na defesa dos Direitos Humanos.

Confira a entrevista:

Quem tem direito ao benefício da saída temporária?
Tem direito ao benefício da saída temporária o condenado que cumpre o requisito objetivo, ou seja, a pena em regime semiaberto, que até a data do benefício tenha cumprido um sexto da pena total, se primário, ou um quarto, se reincidente. Além de ter comportamento adequado, requisito subjetivo, que será certificado pelo diretor do estabelecimento prisional. Previsão legal na Lei de Execução Penal, nº 7.210/84, nos artigos 120 a 122.

Para o condenado desfrutar do benefício é necessário ainda cumprir condições impostas no artigo 124, § 1o e incisos: I – fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; II – recolhimento à residência visitada, no período noturno; III – proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.

Ao decidir, o juiz avalia a conduta do condenado no presídio? Como é feita esta avaliação?
Sim, conforme mencionado será concedida a benesse ao reeducando após a observância de dois requisitos. Inicialmente, verifica-se o alcance do requisito objetivo, sendo este o lapso temporal previsto na legislação. Subsidiariamente, é observado o requisito subjetivo. O requisito subjetivo é a conduta do reeducando na unidade prisional na qual o mesmo encontra-se recolhido. Em casos de crimes comuns, a conduta será atestada através de documento, assinado pelo diretor da unidade, nomeado como Boletim Informativo. No Boletim Informativo constará a vida pregressa do reeducando dentro do sistema carcerário, é nele que incluirá as unidades que passou, as faltas cometidas durante seu cárcere e os trabalhos laborterápicos desempenhados.

Outra avaliação existente no ordenamento jurídico e reconhecida pela sociedade é o exame criminológico. O exame criminológico nada mais é do que um exame pericial, desenvolvido por equipe multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais e médicos psiquiatras), cuja finalidade é a averiguação do reeducando, com o objetivo de identificar a predisposição para novas práticas delitivas. O exame criminológico é tido como uma faculdade do juiz, em conformidade com o caso concreto. Entretanto, ao requerê-lo, o magistrado deverá fazê-lo de maneira fundamentada, em conformidade com súmula do STJ.

Em quais datas podem ser concedidas as saídas temporárias?
As saídas temporárias ocorrem por questões humanitárias, a fim de inserir o reeducando à participação em atividades que concorram para o retorno e convívio social (art. 122, III). Elas podem ser concedidas cinco vezes ao ano sendo elas: Natal/Ano Novo, Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais e Finados, ou por questões de necessidades médicas, que perduram o tempo do tratamento (art. 121).

O que acontece quando o detento não volta no prazo estipulado?
Quando o reeducando não retorna no prazo estipulado em portaria disponibilizada pela SAP – Secretária de Administração Penitenciária, o reeducando terá sua benesse revogada. O não cumprimento do retorno será considerado como falta disciplinar de natureza grave, ocasionando a supressão de proveitos que seriam adquiridos ao longo da execução.

Contudo, há outras formas que desencadeiam a revogação do benefício, sendo a prática de fato definido como crime doloso e desatender as condições elencadas na autorização de saída temporária.

Caso o detento não retorne, como fica sua situação jurídica?
Conforme supramencionado, após a notícia da evasão do reeducando do sistema prisional ou, até mesmo o atraso na data aprazada, a penitenciária, através de seu diretor, informará os fatos a execução criminal. Após os trâmites de praxe (como a remessa dos autos ao defensor constituído ou defensoria pública e órgão ministerial), os autos serão encaminhados ao magistrado, o qual revogará a benesse, expedirá mandando de prisão em desfavor do detento e a regressão deste ao regime fechado.

Muita gente confunde saída temporária com indulto. Qual a diferença entre os dois institutos?
É comum confundir o indulto com a saída temporária porque acontece na época das festividades natalinas, o chamado indulto de Natal. Ambos são benefícios concedidos a condenados que cumprem pena há determinado período de tempo e possuem bom comportamento carcerário. Porém, as diferenças estão na autoridade competente para a concessão e o tempo de duração e, sendo o benefício em sua forma plena, o condenado não retorna mais à penitenciária.

O indulto significa o perdão da pena com sua extinção, sendo necessário o cumprimento de alguns requisitos. É concedido por um decreto do presidente da República, com fundamento legal no artigo 84, XII da Constituição Federal. Esse documento é elaborado com o aval do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e acolhido pelo Ministério da Justiça, sendo editado anualmente. A finalidade é extinguir a possibilidade de punir alguém por algum fato do qual já tenha sido processado. Ele pode ser individual ou coletivo, pleno, onde toda a pena é extinta, ou parcial (comutação), quando há diminuição da pena.

O benefício é destinado ao detento de paraplegia, tetraplegia ou cegueira adquirida posteriormente à prática do delito ou dele consequente; por doença grave, permanente, que, simultaneamente, imponha severa limitação de atividade e que exija cuidados contínuos que não possam ser prestados no estabelecimento penal, pela respectiva equipe de saúde; ou por doença grave, como neoplasia maligna ou síndrome da deficiência imunológica adquirida (Aids), desde que em estágio terminal.

Não podem ser beneficiados os condenados que cumprem pena pelos crimes de tortura, terrorismo, tráfico de entorpecentes e drogas afins, e os condenados por crime hediondo (após a edição da Lei Nº 8.072/90).

Neste ano, o presidente da República concedeu o indulto a policiais militares condenados por crimes culposos até a data de 25 de dezembro. Foram indultados aqueles que praticaram fatos no âmbito de operações de garantia da Lei e da Ordem.

As críticas às saídas temporárias e demais benefícios a detentos desconsideram a importância da medida como ressocializadora. Como veem estas críticas?
Infelizmente, o que mais aparece ao público em geral são reincidências de crimes, pouco se fala do quanto esses institutos beneficiam o reeducando e sua família. As críticas que, em sua maioria, são mais julgamentos, prestam um desserviço, desqualifica e desmoraliza os benefícios, acabando assim com o conceito genuíno para a qual eles foram criados, que é devolver ao reeducando o convívio social, bem como manter sua dignidade humana para quando se inserir de forma plena na sociedade, manter os seus laços afetivos e sua humanidade.

No ordenamento jurídico, as penas privativas de liberdade, as prisões, são vistas como a ultima ratio, em se tratando de matéria penal, ou seja, as medidas que impõe a restrição da liberdade, deveriam, em tese, ser o último recurso utilizado pelo legislador para a punição pela prática de um fato delituoso.

Ademais, as unidades prisionais deveriam ser utilizadas visando a ressocialização do reeducando, com o intuito da não reincidência ao crime.

As penas privativas de liberdade são utilizadas com o intuito de rechaçar para a sociedade uma falsa sensação de segurança. O Brasil é tido como um dos piores sistemas carcerários do mundo, ante a superlotação, falta de estrutura, equipamentos e funcionários. Não há ressocialização.

Os benefícios podem ser considerados válvulas de escapes de um sistema carcerário impiedoso. Há superficialidade nas críticas e julgamentos. Os interlocutores desconhecem a realidade carcerária, ignoram o fato de que os detentos são filhos, pais e esposos que, por trás de todos, existem mães, pais, filhos e esposas, existe família. As benesses possibilitam a renovação do vínculo familiar, afetivo. A superficialidade despreza a existência de inocentes que se encontram em cárcere, cuja a essência está ferida por injustiças.

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