“O MAURITANO” e a justiça americana

por Farid Zaine
@farid.cultura

Em novembro de 2001, dois meses após o 11 de setembro, na Mauritânia, o jovem e promissor engenheiro Mohamedou Ould Slahi festejava entre amigos e familiares, quando um policial aparece em sua casa e o informa de que americanos querem falar com ele. Slahi despede-se da mãe, que já pressente algo muito estranho naquele “convite” para ir ao encontro dos americanos mencionados pelo policial.

A partir daí começa o calvário de Slahi, suspeito de ter participado do atentado de 11 de setembro, por ter conversado no celular com um primo, e esse chamado teria vindo de um aparelho de Osama Bin Laden. O histórico de Slahi era bem complicador, pois ele, após ganhar uma bolsa de estudos em engenharia elétrica na Alemanha, resolveu interromper os estudos e ir para o Afeganistão, onde recebeu treinamento da Al Qaeda.

Embora tenha cortado os laços com a facção muito tempo antes do 11 de setembro, o fato ficou marcado na sua vida pregressa. Ele foi levado da Mauritânia para uma prisão secreta da CIA na Jordânia, depois para o Afeganistão, até chegar à base de Guantánamo, em Cuba, no dia 5 de agosto de 2002. Na célebre prisão, sem nenhuma acusação formal pelo governo americano, ele passaria a sofrer todos os tipos mais brutais de tortura física e psicológica.

Atenta ao caso, a advogada Nancy Hollander (Jodie Foster) resolve ser sua defensora, auxiliada por uma jovem assistente, Teri (Shailene Woodley, de “Divergente” e de “A Culpa é das Estrelas”). Para a promotoria, é escolhido um coronel que perdeu amigos muito próximos no atentado, e tem sede de justiça. O promotor é interpretado por Benedict Cumberbatch, mas ele próprio, ao longo do estudo do caso, se vê diante de uma confissão do suspeito conseguida por meio de tortura e coação.

Kevin Macdonald, diretor escocês, resolveu filmar a história de Slahi, toda contida no livro “Diário de Guantánamo”, que o prisioneiro escreveu e que se tornou best-seller mundial. Macdonald concebeu “O Mauritano” (The Mauritanian), de forma a acentuar o terror vivido por Slahi na prisão, com cenas de grande impacto. Por outro lado, as ações da advogada Nancy Hollander e do promotor, o coronel Stuart Couch, vão criando tensão e interesse crescentes, à medida em que eles descobrem, em arquivos até então secretos, toda a brutalidade cometida contra Slahi para obter sua confissão.

“O Mauritano” tem sua grande força na soberba interpretação de Tahar Rahim, ator francês de origem argelina, que chamou a atenção do mundo cinematográfico com “O Profeta”, de 2009. Rahim foi indicado ao Globo de Ouro como melhor ator de filme dramático por “O Mauritano”, mas ignorado no Oscar. Jodie Foster, já premiada duas vezes com a estatueta (“A Acusada” e “O Silêncio dos Inocentes”), ganhou o Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante, aparecendo envelhecida, de cabelos brancos, e mostrando sua costumeira competência.

Tahar Rahim pode ser visto na minissérie de sucesso da Netflix , “O Paraíso e a Serpente”, no papel de um serial killer. Ele é, com certeza, um dos mais talentosos e promissores atores de sua geração.

“O Mauritano” também leva o público à curiosidade e ao desejo de conhecer mais sobre essa República Islâmica da África. Em 2015, a Mauritânia surpreendeu o mundo com uma indicação ao Oscar de Melhor Filme Internacional, com o estupendo “Timbuktu”, drama arrasador de enorme beleza plástica, e que pode ser facilmente encontrado para compra ou aluguel no streaming. Fiquemos, por enquanto, com “O Mauritano”, principalmente para quem quer entrar no mundo da tão celebrada “justiça americana”. Nada como o cinema para colocar luzes sobre histórias obscuras.

O MAURITANO – (The Mauritanian, EUA/Reino Unido, 2021 ) – disponível para aluguel no iTunes.
Cotação: ****MUITO BOM

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