Hitchcock leva um padre ao banco dos réus

por Farid Zaine
@farid.zaine

A chegada da HBO Max ao streaming agitou o setor nesta semana, mais precisamente a partir do dia 29 de junho. Quem assinava a HBO Go migrou automaticamente para este novo formato, realmente mais atrativo e com significativa quantidade de séries e filmes de sucesso. Fãs de Game of Thrones, Harry Potter, O Senhor dos Anéis e outras séries e cinesséries icônicas não têm do que reclamar.

Minha série favorita, “Chernobyl”, está ali, imperdível. Fui, de cara, verificar os filmes relacionados, e logo me deparei com duas preciosidades: o longa de Robert Aldrich “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?”, que selou o embate definitivo entre duas divas rivais, Bette Davis e Joan Crawford, e o drama de Alfred Hitchcock , “A Tortura do Silêncio”. Falo hoje desse último, um dos filmes de menor sucesso popular do mestre do suspense, mas uma pequena obra-prima.

Nas primeiras sequências de “A Tortura do Silêncio” (I Confess), o cinéfilo já identifica as fontes onde foi beber Hitchcock: o cinema noir e o expressionismo alemão. Luz e sombra, figuras enigmáticas, a fotografia em preto e branco , os becos escuros à noite, longas e angulosas torres de igrejas cortando o espaço com suas silhuetas . Tudo com a trilha sonora arrastando o espectador para dentro do drama. No caso, a música poderosa de Dimitri Tiomkin, compositor indicado 22 vezes ao Oscar , com 4 vitórias.

Hitchcock filmou “A Tortura do Silêncio” no Canadá, em Quebec. Não se trata de um suspense do tipo “quem matou?”, o célebre “who done it?” que praticamente se constituiu em um gênero. Nos primeiros minutos do filme já sabemos que um homem foi assassinado e que seu assassino, um alemão chamado Otto Keller (O.E.Hasse) funcionário de uma paróquia onde também trabalha sua esposa , Alma (Dolly Haas), encontra o Padre Logan (Montgomery Clift) na Igreja e confessa o crime a ele, seguindo os rituais católicos de uma confissão.

A partir daí uma sucessão de evidências leva o Inspetor Larrue (Karl Malden) a ficar cada vez mais convencido de que o assassino é o Padre, e ele é conduzido a um julgamento por um júri popular, tendo a opinião pública toda contra ele. Por força do sacramento religioso que impõe silêncio total sobre confissões, o Padre Michael William Logan não pode revelar a identidade do assassino, mesmo correndo todos os riscos de ser condenado.

Juntamente com esse segredo, o Padre carrega outro, de natureza íntima, pois antes de ser ordenado e lutar como soldado na guerra, ele teve um romance com Ruth Grandfort (Anne Baxter), agora casada e chantageada pelo homem que foi assassinado. Uma trama intrincada que é explorada de forma a envolver completamente o espectador, cada vez mais angustiado por saber de tudo o que aconteceu e desconhecer o desfecho da história.

Na maioria das vezes as pessoas escolhem as novidades, os lançamentos mais recentes, os sucessos de público do momento. Está certo. Mas as infinitas possibilidades existentes hoje, através do streaming, oferecem a chance de escolher poder mergulhar no universo dos clássicos, principalmente os que sobreviveram ao tempo e são capazes de prender a atenção e emocionar.

“A Tortura do Silêncio” é também ótima oportunidade de conhecer um dos mais notáveis astros do cinema da época, o belo e enigmático Montgomery Clift, morto ainda muito jovem, aos 45 anos, por complicações com álcool e drogas, hábitos adquiridos após um acidente de carro que deixou marcas profundas nele, física e emocionalmente. Monty, como era conhecido, foi grande amigo de Elizabeth Taylor, sua parceira em outro clássico memorável, “Um Lugar ao Sol” (A Place in the Sun, 1951). Clift foi um dos melhores atores de sua geração, só com grandes atuações e deixando sua marca em filmes extraordinários como “A Um Passo da Eternidade” (From Here to Eternity, 1953). É também um dos mais injustiçados da história do Oscar, que merecia ter vencido.

“A Tortura do Silêncio” tem Montgomery Clift encabeçando um grande elenco, onde se destacam Anne Baxter, da obra-prima “A Malvada” (All About Eve, 1950), e Karl Malden, de grandes clássicos como “Uma Rua Chamada Pecado” – nome brasileiro para “Um Bonde Chamado Desejo”- (A Streetcar Named Desire,1951) e “Sindicato de Ladrões” ( On The Waterfront,1954).

Sim, é uma boa assinar a HBO Max. Na caça aos tesouros ali existentes, é um alento encontrar uma joia como “A Tortura do Silêncio”.

A TORTURA DO SILÊNCIO (I CONFESS, EUA, 1953, direção de Alfred Hitchcock) – Disponível na HBO Max
Cotação:*****ÓTIMO

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