Executivo pode alterar alíquota de PIS/Cofins por decreto: uma análise sobre os efeitos da decisão

Em julgamento realizado em 10 de dezembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o Poder Executivo pode alterar, por meio de decreto, as alíquotas do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins).

A decisão deve pôr fim às discussões que tramitam na Justiça a respeito do assunto, uma vez que o julgamento é de repercussão geral.

Para esclarecer um pouco mais o assunto, o DJ conversou com o advogado Arthur Salibe. Ele é sócio-administrador do escritório Arthur Salibe – Sociedade de Advogados, vice-presidente da 35ª Subseção da OAB Limeira, pós-graduado em Direito Tributário (PUC-SP) e mestre em Direito Financeiro e Tributário da Universidade de Santiago de Compostela.

Confira a entrevista a seguir:

Qual o impacto da decisão do STF sobre essa discussão a respeito do PIS/Pasep e da Cofins?
A decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida na Sessão Telepresencial de 10.12.2020 no julgamento conjunto do Recurso Extraordinário (RExt) n. 1043313 (com Repercussão Geral reconhecida – Tema 939), e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 5277, tem, em suma, eficácia e aplicação contra todos os jurisdicionados que discutem os mesmos temas perante o Poder Judiciário, uma vez que representa a interpretação da mais alta Corte de nosso País sobre determinados temas contestados em face dos preceitos da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB).

Ao assim proceder, o STF exerce sua competência jurisdicional de ‘guardar a Constituição’ conforme previsto no artigo 102 e seus incisos, todos da CRFB.

Ressalte-se, porém, que, em termos processuais, por se tratarem de espécies distintas de ações judiciais, o RExt e a ADI possuem regulamentação própria a reger a eficácia e os efeitos das decisões nelas proferidas em caráter definitivo, o que se dá, respectivamente, através dos preceitos normativos constantes dos artigos 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil e dos artigos 22 a 28 da Lei Federal n. 9.868/99.

Por se tratar de um julgamento conjunto de um RExt e de uma ADI, o mais recomendado é que se analise a íntegra dos respectivos Acórdãos publicados no Diário Oficial para que se afira em que termos foram proferidos e sua real extensão, sempre lembrando que nas hipóteses de decisões proferidas em ADIs existe a possibilidade da modulação dos seus efeitos, a teor do disposto no artigo 27 da Lei Federal n. 9.868/99.

(Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado)

Com isso, a mais alta Corte do Poder Judiciário fixou as seguintes teses acerca dos temas discutidos no RExt e na ADI em comento:

  • Tese fixada no REXT n. 1043313 (com Repercussão Geral reconhecida – Tema 939): “É constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal.”
  • Resultado do Julgamento na ADI n. 5277: “Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na ação direta para dar interpretação conforme à Constituição Federal aos §§ 8º e 9º do art. 5º da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08, estabelecendo que as normas editadas pelo Poder Executivo com base nesses parágrafos devem observar a anterioridade nonagesimal prevista no art. 150, III, c, do texto constitucional, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio, que julgava improcedente o pedido.”

A mudança de alíquota feita diretamente pelo Executivo é uma forma de evitar a discussão via Parlamento? Até onde o Executivo pode ir neste tipo de ação?
Sim, a opção por promover as alterações via a edição de decretos é mais célere e, neste caso, pode ser entendida como uma forma de retirar a possibilidade de que o processo legislativo siga o seu trâmite constitucionalmente previsto nos artigos 61 a 69 da CRFB, com ampla discussão e votação nas duas Casas legislativas, mesmo a despeito dessa opção vir a se revelar inconstitucional acaso submetida à apreciação do Poder Judiciário.

Entretanto, apesar de a edição de decretos estar inserida na competência constitucionalmente atribuída ao Presidente da República, na qualidade de Chefe do Poder Executivo (artigo 84, incisos IV e VI, da CRFB), é sabido que, em matéria tributária, a disciplina daqueles tributos de competência exclusiva da União Federal (artigo 153 da CRFB) deveriam, em tese, atender a mais importante das chamadas “Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar” previstas no artigo 150 da CRFB, qual seja, aquela que fixa o princípio da estrita legalidade em matéria tributária

(Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (…).”

E quando falamos em estrita legalidade em matéria tributária, a nosso ver, estamos falando na observância ao sentido formal para sua elaboração (ao observar o processo legislativo previsto nos artigos 61 a 69 da CRFB) e, cumulativamente, ao seu aspecto material (de criar regra jurídica de caráter geral e abstrata a reger, no mundo fenomênico, determinada hipótese de incidência tributária).

Tanto que a própria CRFB, no parágrafo 1, do próprio artigo 150, determina que nos limites de sua competência em matéria tributária é permitido ao Poder Executivo, por intermédio da edição de Decretos, alterar as alíquotas apenas do Imposto de Importação, Imposto sobre Exportação, Imposto sobre Produtos Industrializados e Imposto sobre Operações Financeiras.

Aliás, comando normativo semelhante ao previsto no citado artigo 150, inciso I, da CRFB, encontra-se inserto no artigo 97, incisos I e IV, da Lei Federal n. 5.172/66 (Código Tributário Nacional – “CTN”), que fixa a obrigatoriedade da disciplina envolvendo a majoração de tributos e a fixação de suas alíquotas serem previstas por lei, exceto quanto a determinados tributos ali elencados (quais sejam, Imposto de Importação, Imposto sobre a Exportação, Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis e Imposto sobre Operações Financeiras).

O princípio da estrita legalidade está na Constituição e é um dos principais no ordenamento jurídico brasileiro, especialmente em relação a tributos. O STF está flexibilizando demais essa regra?
Ante o resultado do julgamento dos citados processos pelo STF, na minha opinião pessoal, sim, foi prolatado um precedente jurisprudencial perigoso em matéria tributária e houve uma exacerbada flexibilização desta importante “Limitação Constitucional ao Poder de Tributar”, consistente na observância ao princípio da estrita legalidade (artigo 150, inciso I, da CRFB).

Como dito acima, os motivos que conduziram os Ministros do STF a proferirem seus votos neste sentido devem vir a ser objeto de uma minuciosa análise, tão logo sejam publicadas as íntegras dos Acórdãos no Diário Oficial.

A decisão do STF levou em conta a intenção do Poder Executivo em desenvolver a função extrafiscal do tributo. O que é essa função e porque ela é importante?
Em linhas gerais, podemos esclarecer que a função extrafiscal tem por finalidade retirar do tributo o seu caráter meramente arrecadatório, buscando, assim, também impingir-lhe uma função de controle e de intervenção em determinado setor da economia, obviamente além do caráter arrecadatório que lhe é ínsito. Como dito nas respostas acima, as hipóteses de extrafiscalidade são prevista na CRFB e no CTN e, a nosso ver, deveriam ser taxativas em observância ao princípio da estrita legalidade em matéria tributária.

Não obstante isso, ao menos no julgamento do REXT n. 1043313 (com Repercussão Geral reconhecida – Tema 939), o Plenário do STF reconheceu a legitimidade da intenção por parte do Poder Executivo na fixação de alíquotas diferenciadas da contribuição ao PIS e à COFINS em determinado ramo de atividade econômica.

O que nos causa estranheza – e, repita-se, deve ser melhor analisado por ocasião da publicação da íntegra dos Acórdãos no Diário Oficial – é que, diante da natureza do instituto da extrafiscalidade e por expressa previsão constitucional e legal, os tributos que podem vir a exercer uma função extrafiscal, e não meramente arrecadatória, são aqueles expressamente elencados na CRFB e no CTN.

Entretanto, nos processos em tela recentemente julgados pelo STF, estamos falando em tributos (artigo 3 do CTN) da espécie “contribuições sociais”, cujas receitas da arrecadação são por expressa previsão constitucional destinadas ao custeio da seguridade social, conforme preceituam os artigos 195 (no caso da contribuição ao PIS) e 239 (no caso da COFINS), ambos da CRFB. Ou seja, a nosso ver, essas são receitas advindas da cobrança de tributos que deveriam ser destinadas a uma finalidade especifica, e não virem a ser utilizadas como meio de controle e intervenção em determinado ramo da economia, como pretendido pelo Poder Executivo.

Uma proposta de reforma tributária já está no Congresso e pode ir a votação no Congresso neste ano. Na sua visão, quais são as urgências do país neste momento em relação ao assunto?
Como sabemos, o Poder Constituinte originário responsável pela elaboração e aprovação do texto constitucional promulgado em 05.10.1988 fez uma opção pelo modelo analítico (e não pelo sintético, como por exemplo adotado pelos países do common law), buscando disciplinar exaustivamente temas de relevância a um Estado Democrático de Direito, principalmente após um longo período de ditadura militar e repressão aos direitos civis. Enfim, esse foi o modelo da primeira Constituição promulgada no regime democrático em nosso país.

Após mais de 30 anos de sua vigência, muitos ajustes foram necessários de modo a adequar aquilo que fora inicialmente previsto na CRFB. Para tanto, basta levarmos em conta a existência de 108 Emendas Constitucionais até então promulgadas, mais 6 Emendas Constitucionais de Revisão.

Em matéria tributária, temos de reconhecer que a CRFB tem o mérito de fixar e delimitar, detalhadamente, as competências tributárias visando à instituição de tributos entre os entes federados (União Federal, Estados e Distrito Federal, e Municípios), além de impor as já mencionadas “Limitações ao Poder de Tributar” na Seção II, do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), Título VI (Da Tributação e do Orçamento), da CRFB, estas tidas como direitos e garantias dos contribuintes e, portanto, impossíveis de virem a ser alteradas via Emenda Constitucional (artigo 60, parágrafo 4, inciso IV, da CRFB) (A esse respeito, vide ADIN 939-7, Plenário do STF, Relator: Ministro Sydney Sanches, julgamento em 15.12.1993).

Mesmo com esse cuidado, são frequentes as situações de invasão nas competências tributárias entre os Entes federados que, obviamente, cada vez mais buscam auferir mais receitas correntes aos seus cofres, dado o considerável e exponencial crescimento das suas despesas e do Custo Brasil, não obstante as restrições impostas acerca da matéria pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000).

A nosso ver, ao mesmo tempo em que essa insegurança jurídica torna necessária uma Reforma Tributária ampla, são também os entraves decorrentes daquilo que estaria por vir em termos da nova repartição de receitas tributárias advindas desse fato que, no decorrer dos últimos anos, dificultou o avanço e a aprovação de quaisquer das propostas de Reforma Tributário que tramitam no Congresso Nacional.

Quanto às urgências em relação ao assunto, pensamos que uma Reforma Tributária adequada seria aquela que impedisse os nefastos efeitos de uma Guerra Fiscal entre os Estados e o Distrito Federal (como ocorre, por exemplo, na questão da incidência do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), que reduzisse a carga tributária já tão elevada em função da incidência dos mais diversos tributos (especialmente sobre a produção e o consumo, e também que promovesse, na medida do possível, uma simplificação no atual Sistema Tributário Nacional que, além de oneroso, é extremamente complexo aos olhos dos investidores nacionais e internacionais, gerando um alto grau de insegurança jurídica.

Com já longos anos de atuação na área tributária, confesso que tenho dúvidas de que teremos em um futuro próximo um avanço muito grande nos moldes que idealizado no parágrafo antecedente, especialmente em termos de simplificação, pois justamente o ato de simplificar toda a cadeia de tributação atualmente existente passaria, acaso feita em termos que necessários, na modificação de competências e, em última análise, na alteração da distribuição de receitas tributárias pelos entes federados.

De qualquer sorte, é extremamente necessário que os poderes constituídos discutam ampla e permanentemente soluções e alternativas factíveis a respeito da Reforma Tributária e, consequentemente, promovam avanços em prol do nosso amado Brasil.

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