Reflexões sobre a adoção de teste de gravidez pelos empregadores na demissão

Por Guilherme Gut

Uma das notícias mais repercutidas no mundo jurídico no mês de junho de 2021 se trata de uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho que negou indenização por dano moral a uma trabalhadora que havia sido submetida a exame de gravidez no ato demissional.

Nesta decisão da Terceira Turma, considerou o Ministro Alexandre Agra Belmonte em seu voto que “o ato de verificação de eventual estado gravídico da trabalhadora por ocasião da sua dispensa está abarcado pelo dever de cautela que deve fazer parte da conduta do empregador”. E concluiu que “não pode a exigência de comprovação do estado gravídico por parte do empregador, único meio para o conhecimento gestacional, ser considerada uma conduta ofensiva ao direito à intimidade.”

Um dos reflexos observados a partir de tal decisão são empregadores que se mostraram mais propensos a incluir o teste de gravidez entre os exames demissionais. A justificativa seria que tal prática teria o condão de levar maior segurança ao ato de dispensa, evitando que uma gestante seja dispensada e depois tenha que ser reintegrada.

No entanto, a adoção generalizada de tal procedimento na rotina demissional tende a gerar mais transtornos do que propriamente segurança jurídica aos empregadores e explico:

Primeiramente, tem-se que não há no ordenamento jurídico atualmente nenhuma lei ou ato normativo que expressamente permita que o empregado submeta empregadas a teste de gravidez no momento da dispensa.

Tanto é verdade que está em tramitação o Projeto de Lei 6.552/19 no Senado Federal, o qual já foi aprovado na Câmara dos Deputados e cujo o texto alteraria o artigo 373-A da CLT, acrescentando um parágrafo que expressamente permitiria a exigência de teste ou exame de gravidez por ocasião da demissão, de forma a garantir o exercício ao direito de estabilidade de emprego à gestante.

Por outro lado, o que existe atualmente na legislação vigente é a proibição da exigência de atestado ou exame, de qualquer natureza, para comprovação de gravidez, na admissão ou permanência no emprego (artigo 373-A, inciso IV, da CLT) e a Lei 9.029/95, que assim dispõe:

“Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.

Art. 2º Constituem crime as seguintes práticas discriminatórias:

I – a exigência de teste, exame, perícia, laudo, atestado, declaração ou qualquer outro procedimento relativo à esterilização ou a estado de gravidez;”

Indo mais além, a discussão sobre eventual ofensa ao direito de intimidade da empregada ou ainda alguma atitude que possa causar um abalo moral não deve ser perdida de vista, a despeito da decisão do TST citada inicialmente.

Imaginemos um empregador que passa a adotar esta prática de exigir testes de gravidez no ato da dispensa: qual será o critério que ele vai adotar? Todas as empregadas dispensadas serão submetidas a um exame de gravidez, independentemente da idade? E se alguma empregada dispensada passou por um trauma de não conseguir engravidar e o empregador a sujeita a um teste de gravidez frustrante? E aquelas que podem ter sofrido um aborto espontâneo recentemente e um teste poderia funcionar como um gatilho para um quadro traumático.

São exemplos citados apenas para dimensionar a dificuldade de adotar um circuito demissional que envolva a adoção de um teste de gravidez de maneira benéfica ao empregador, até mesmo porque é pouco provável que a empregada demitida não informe ao empregador sobre o seu estado gravídico tão logo tenha ciência, seja para buscar uma reintegração ou resguardar a indenização substitutiva ao período estabilitário.

Pois ao que tudo indica, em que pese o entendimento citado do TST ter definido que o teste na dispensa não tem o condão de gerar o dano moral, entretanto, esta não é uma decisão vinculante, podendo outros juízes e desembargadores, nas instâncias inferiores ou até mesmo outra Turma do TST adotar entendimento diverso a depender das circunstâncias do caso, ressaltando ainda que são raros os processos que passam pela análise do Tribunal Superior do Trabalho, seja em razão do afunilamento das hipóteses de cabimento recursal, seja em razão de realizar preparo recursal com desembolso de valores na casa dos 20 mil reais para recorrer.

Cabe ainda destacar a falsa sensação de segurança que tal medida traria ao empregador. Afinal, o fato de um exame de gravidez apontar um resultado negativo naquele momento da dispensa não eliminaria a possibilidade de um novo exame realizado em sequência ter resultado positivo, não podendo aqui se perder de vista o entendimento da Súmula 244 do TST:

Súmula nº 244 do TST
GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) – Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).

II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.

III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

A partir da análise da Súmula acima citada, cuja aplicação tem sido adotada de modo predominante pela Justiça do Trabalho, o empregador não teria como mecanismo de defesa para evitar uma reintegração ou a estabilidade o exame negativo para gravidez no ato da dispensa, de maneira que sua utilidade se restringiria para a demonstração de boa-fé da empresa.

Ademais, o próprio artigo 391-A da CLT já citado é claro o bastante ao expor que mesmo se a gestação se iniciar durante o prazo do aviso prévio trabalhado ou indenizado o desconhecimento do estado gravídico pela gestante ou empregador não o isentaria da obrigação de reintegrar.

Neste sentido, citamos uma recente decisão do TST, que reafirmou que “o fato de o início da gravidez ter se dado no curso do aviso-prévio indenizado ou de o empregador desconhecer o estado gravídico da empregada não afasta o direito à estabilidade provisória da gestante”:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – PROCESSO SOB A ÉGIDE DAS LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017 E DO CPC/2015 – DECISÃO REGIONAL EM CONSONÂNCIA COM JURISPRUDÊNCIA ATUAL, ITERATIVA E NOTÓRIA DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO – GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – CONCEPÇÃO NO CURSO DO AVISO-PRÉVIO INDENIZADO – AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA. 1. O Tribunal Superior do Trabalho possui entendimento consolidado no sentido de que o art. 10, II, b, do ADCT veda, em termos expressos e inequívocos, a dispensa arbitrária ou imotivada da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. O citado preceito constitucional estabelece a responsabilidade objetiva do empregador pelos salários e garantias inerentes ao contrato de trabalho, durante todo o período ao longo do qual é assegurada a estabilidade. O único pressuposto para que a empregada tenha reconhecido seu direito é a gravidez em si, existente desde o momento da concepção. Por conseguinte, o fato de o início da gravidez ter se dado no curso do aviso-prévio indenizado ou de o empregador desconhecer o estado gravídico da empregada não afasta o direito à estabilidade provisória da gestante. 2. Quanto ao tema, não se verifica a transcendência da causa, no aspecto econômico, político, jurídico ou social. Agravo de instrumento desprovido, por ausência de transcendência da causa.

(TST – AIRR: 10003708820175020032, Relator: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/02/2020, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/02/2020).

Logo, considerando todos os fatores até aqui expostos, conclui-se que:

– Apesar de promover o teste de gravidez no ato da dispensa, por si só, não configurar o dano moral por ofensa ao direito à intimidade, seguindo o entendimento da jurisprudência majoritária, fato é que o empregador que vier a adotar tal prática deverá adotar cautelas para evitar constrangimentos às empregadas que se submetem a tais exames;

– Haverá mais um ônus financeiro para o empregador, ao assumir o custo desta despesa extra no circuito demissional;

– A medida não será suficiente para afastar o direito à reintegração ou estabilidade se ficar demonstrado que a empregada iniciou a gestação no curso do contrato de trabalho ou curso do aviso prévio, ainda que indenizado.

Portanto, não se vislumbra que a adoção de testes de gravidez no ato da dispensa, com a atual redação da Súmula 244 do TST e sem uma previsão legal autorizadora desta prática, seja uma medida que possa trazer benefícios reais aos empregadores.

Guilherme Gut (guilherme.peixoto@claudiozalaf.com.br) é sócio no escritório Cláudio Zalaf Advogados Associados.

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