As verdadeiras necessidades do Brasil, infelizmente, não são levadas a sério

por Amilton Augusto

Há alguns meses escrevi um artigo cujo título era “O Brasil de hoje não comporta uso de recurso público em campanha eleitoral”, tratando justamente do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (FEFC) no contexto da Reforma Política que se desenha no Congresso Nacional, quanto então eu criticava a utilização desses recursos, num momento tão grave de crise que o Brasil atravessa e a necessidade de se retomar o debate sobre o financiamento empresarial das campanhas.

Nesse cenário, a Reforma Política nem foi ainda totalmente definida, com a evolução de já constar em seu relatório a inclusão da pauta do financiamento empresarial, justamente com o fim de fazer um contraponto às necessidades mais prioritárias para a população, que é basicamente saúde, educação e renda, e o Congresso Nacional surpreendeu a todos com a aprovação do aumento do FEFC dentro da Lei de Diretrizes Orçamentária (LDO) para 2022, passando de 1,8 bilhão para 5,7 bilhões de reais.

Como tenho repetido, no atual cenário que o País atravessa, no âmbito da Reforma Política o tema central e de maior relevância é o do financiamento das campanhas eleitorais, diversamente do que tentam nos fazer acreditar ser o tema relacionado ao sistema eleitoral, que alguns poucos defendem ser o Distritão, justamente o sistema de maior distorção e causador de grande desigualdade entre os candidatos.

No que tange especificamente ao financiamento das campanhas eleitorais, por certo que não há qualquer condição da realização de uma campanha sem recursos financeiros, o que seria uma verdadeira utopia, muitas vezes levadas ao público através de uma narrativa desconectada da realidade, até mesmo para aqueles políticos que se utilizam quase na integralidade das redes sociais.

Hipocrisia falar em eleição mais ou menos baratas, tendo em vista que a propaganda eleitoral tem como único requisito a promoção daqueles que estão na disputa eleitoral e como único objetivo fazer com que essa propaganda alcance todos os eleitores, que são os principais destinatários da campanha, vez que é direito deste ter acesso as opções para escolher em quem votar. O livre direito de escolha, garantido com isonomia é direito fundamental do eleitor e só pode ser garantido se ele tiver acesso a todas as opções, sem restrição de qualquer natureza.

Assim, no atual momento, a preocupação do Congresso Nacional deveria ser direcionada a formas de prevenir o desperdício de recursos públicos, estes que podem ser utilizados no que realmente é necessário, a saúde e educação dos brasileiros, bem como garantir uma maior igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, tendo em vista que a divisão dos recursos públicos pelos partidos não alcança a todos e acaba privilegiando uns em detrimento de outros.

Para conhecimento, em 2015, o Supremo Tribunal Federal julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade movida pela Ordem dos Advogados do Brasil e, por maioria de votos, decidiu pela inconstitucionalidade do financiamento empresarial para partidos políticos e campanhas eleitorais, previstos nas Leis 9.096/95 e 9.504/97, muito em razão do que se apurou nos autos dos processos referentes ao Mensalão, encampando a imagem extraída da pressão popular e midiática de que toda corrupção advinha desse modelo de financiamento.

Criou-se então a narrativa, que foi absorvida pela opinião pública, de que o problema da corrupção no Brasil estava no modelo de financiamento eleitoral por pessoa jurídica, o que, como dito, acabou com o reconhecimento de sua inconstitucionalidade, fato porém que diverge do que ficou consignado em quase todos os votos proferidos no julgamento dessa ADI nº 4.650, pelos Ministros do STF, que reconheceram em verdade que o problema estava, em síntese, na ausência de uma normatização rigorosa e adequada quanto à forma, fiscalização e controle no procedimento de doação pelas empresas, ficando devidamente consignado no voto do saudoso Ministro Teori Zavascki a necessidade de “acréscimo de novas vedações às hipóteses legais previstas no art. 24 da Lei 9.504/97 e no art. 31 da Lei 9.096/95 […]”¹.

A conclusão do voto do Eminente Ministro Teori, embora não tenha sido acatada, é perfeita, pois vai justamente no sentido de impedir que a política seja praticada em benefício de clientes preferenciais da Administração Pública, ou seja, reconhece como critério a necessidade das “seguintes vedações de contribuições a partidos políticos e a campanhas eleitorais: (I) de pessoas jurídicas ou de suas controladas e coligadas que mantenham contratos onerosos celebrados com a Administração Pública, independentemente de sua forma e objeto; (II) de pessoas jurídicas a partidos (de seus candidatos) diferentes, que competem entre si; e, ainda, (III) vedação a pessoas jurídicas que efetuaram contribuições a partidos ou campanhas, de, desde então e até o término da gestão subsequente, celebrar qualquer contrato oneroso com entidades da Administração Pública”².

Como se vê e é notório, o fim do financiamento empresarial, como definido pelo STF, não resolveu o problema do custo das campanhas eleitoral, bem como não inibiu práticas criminosas de corrupção e caixa 2, além do que, acabou por distorcer o sistema, gerando um desequilíbrio entre os candidatos em disputa, além de utilizar de modo inadequado grande quantidade de recurso público, valores triplicados para 2022, que, diretamente, não atendem aos anseios da população.

E, especificamente no que tange ao desequilíbrio entre os candidatos, a razão está no fato de que os recursos, quando divididos, ainda que consideremos os valores aprovados para 2022, de cerca de 5,7 bilhões de reais, não atendem a todas as campanhas de modo eficaz, e, ainda, a decisão sobre essa divisão, que fica a cargo dos dirigentes partidários, acaba redundando em benefício de apenas alguns, prejudicando uma infinidade de outros candidatos, fator que será agravado ainda mais, caso haja a aprovação do sistema Distritão, este que considera eleito no Estado o candidato mais votado do partido, condição que fará com que as cúpulas partidárias direcionem a maior parcela do fundo eleitoral para seus escolhidos.

Desse modo, é imprescindível que no âmbito da Reforma Política seja possível reverter esse absurdo que é a aprovação da elevação do FEFC, com o gasto elevado de recursos públicos nas campanhas eleitorais, o que só será possível, com uma análise e um debate responsável e sério acerca do modelo de financiamento atual, retornando ao modelo de financiamento empresarial, extinguindo por completo o uso de recursos públicos nas campanhas eleitorais, em especial diante do cenário de crise que atravessamos.

Essa medida terá o condão efetivo de garantir uma maior igualdade na disputa eleitoral, permitindo que os próprios candidatos possam buscar suas formas de financiamento nas pessoas jurídicas e físicas, modelo que deverá contar com a implementação das regras de compliance e vedações delineadas pelo Ministro Teori Zavascki em seu voto na ADI 4.650, no sentido de manter uma rigorosa e adequada fiscalização dos doadores e das contas de campanha, especialmente proibindo doações de pessoas jurídicos, subsidiárias, controladas e coligadas que mantenham contratos com a Administração Pública; de empresas diferentes, que competem entre si; bem como proibindo que empresas que efetuaram doações de campanha possam celebrar contrato com a Administração Pública, acrescendo, ainda, como contribuição ao debate, a necessidade de vedação de que uma mesma empresa possa doar para mais de um partido político e/ou candidato, que disputa o mesmo cargo, na mesma circunscrição, como forma de garantir maior transparência e moralidade ao sistema.

¹ ZAVASCKI, Teori. Financiamento empresarial de partidos políticos: a questão constitucional. In: Sistema político e direito eleitoral brasileiros: estudos em homenagem ao Ministro Dias Toffoli. Coord. João Otávio de Noronha, Richard Pae Kim. São Paulo: Atlas, 2016. p. 755-756

² Idem.

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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