O risco do 7 de setembro

Por Leandro Consentino

As eleições gerais de 2022 têm sido marcadas por uma intensa polarização entre partidários do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) e por apoiadores de seu arquirrival e ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com pouquíssimo espaço para uma terceira via, hoje representada por Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Em meio a esta disputa que, por vezes, resvala à violência, sobressaem as chamadas milícias digitais, que articulam esse confronto nas redes sociais tanto públicas (Facebook e Twitter) como privadas (WhatsApp e Telegram).

As chamadas milícias digitais não são um fenômeno novo e já demonstravam seu poder em pleitos anteriores, apesar de atender por nomes distintos. Ainda nos pleitos de 2010 e 2014, o Partido dos Trabalhadores chegou a propor em congressos partidários a criação de núcleos denominados MAVs (Militâncias em Ambientes Virtuais) com a dupla função de defender o partido e atacar seus adversários no pleito. Como os aplicativos de troca de mensagens ainda não existiam, o PT utilizava mensagens de texto em massa, por exemplo, para afirmar que os rivais, então do PSDB, cancelariam benefícios de transferência de renda no caso de vitória sobre os petistas.

A partir das manifestações de 2013 e, principalmente, do movimento pelo impeachment de Dilma Rousseff em 2015, a ideia das militâncias virtuais começa a se organizar no polo oposto e assumir um padrão ainda mais articulado e profissional, com destaque para os movimentos cívicos como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua. Daí em diante, a direita, sob a candidatura de Jair Bolsonaro (então no PSL) adere a essa tática e aperfeiçoa uma máquina política que mistura propagação de fake news, ataques a adversários (com teor de ameaças e intimidações) e defesa de pautas de interesse do grupo, amplificadas com o uso de robôs (bots) nas redes.

Com a vitória de Bolsonaro em 2018 nas eleições presidenciais, as suspeitas de que essa estrutura operou nas eleições passaram a ser confirmadas e cresceu a desconfiança de que ela havia migrada para o interior do Palácio do Planalto, em um núcleo denominado “Gabinete do Ódio”, comandado pelos filhos do presidente (o senador Flávio Bolsonaro e o vereador carioca Carlos Bolsonaro) e com o auxílio de alguns assessores da Presidência. Esta estrutura, inclusive, entrou na mira do Supremo Tribunal Federal – em especial do Ministro Alexandre de Moraes – por começar a mirar as próprias instituições eleitorais, supostamente invadindo e vazando dados do tribunal, a fim de conseguir, se necessário, deslegitimar o processo eleitoral, em caso de derrota.

A partir daí, a Polícia Federal, devidamente autorizada por Moraes, abre o inquérito 4.874/DF para investigar tais milícia, definindo-as como: “(…) uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político com a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”. Este inquérito acaba sendo desdobrado em quatro, todos relatados pelo próprio Alexandre de Moraes, seguindo a estrutura abaixo:

•         Inquérito 4871 – Investiga notícias fraudulentas, denunciações caluniosas, ameaças ao STF e a seus membros;

•         Inquérito 4874 – Apura a atuação de uma milícia digital contra a democracia e as instituições brasileiras;

•         Inquérito 4878 – Investiga o vazamento de dados sigilosos pelo presidente sobre as urnas eletrônicas;

•         Inquérito 4828 – Investiga as declarações de Bolsonaro sobre a pandemia da Covid-19.

Em meio a essas investigações, já foram presos os políticos bolsonaristas Daniel Silveira e Roberto Jeferson, ambos do PTB do Rio de Janeiro, por crimes como calúnia, difamação, injúria, associação criminosa, denunciação caluniosa, além de descumprimentos passíveis de pena dentro da Lei de Segurança Nacional e do Código Eleitoral. No caso de Silveira, o próprio Bolsonaro se envolveu, concedendo a graça presidencial e evitando sua condenação. Outros aliados, como o blogueiro Allan dos Santos, permanecem foragidos.

A Polícia Federal, que segue investigando o assunto no âmbito dos referidos inquéritos, desconfia da utilização dos recursos públicos para financiar tais milícias, o que poderia gerar implicações legais e políticas contra o presidente. Nesse sentido, o fato de hoje Moraes presidir o TSE intimidaria o presidente e seu entorno com relação a eventuais medidas que possam ser tomadas contra sua candidatura, motivando críticas ao próprio Moraes e a uma suposta conduta parcial à frente da Justiça Eleitoral.

Esta queda de braço entre Bolsonaro e o Poder Judiciário parece estar anunciada e o próximo teste importante se dará no próximo feriado pátrio, no dia 07 de setembro, para quando o presidente – durante a convenção partidária que homologou seu nome à reeleição – convocou a presença de seus apoiadores em manifestações. A julgar pela quantidade e a intensidade dos eventos, será possível mensurar o “poder de fogo” do presidente para uma eventual contestação do resultado eleitoral, nos moldes do ataque ao Capitólio promovido por seu aliado norte-americano Donald Trump.

Ainda é cedo para vaticinar o quanto Bolsonaro pode ser bem-sucedido em uma aventura extraconstitucional, mas o mais provável, por ora, é que a violência política seja a tônica, para além de um clássico golpe de estado. Precisamos estar atentos para tal movimentação e a busca do Palácio do Planalto pelo adiamento de um pleito que, como mostram as pesquisas, não parece viabilizar a reeleição do atual presidente. Na celebração de nosso bicentenário, convém dobrar as atenções sobre as instituições, pois isso sim é ser verdadeiramente patriota: defender o Estado Democrático de Direito.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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