O passaporte sanitário é uma exigência constitucional em prol da vida

por Amilton Augusto
A polêmica da vez, não bastassem tantas, é a questão da cobrança do passaporte sanitário, ou seja, a exigência do comprovante de vacinação para entrada de estrangeiros no Brasil, assim como dos próprios brasileiros para ingresso em determinados locais, públicos ou privados, como ocorreu recentemente no âmbito do próprio Supremo Tribunal Federal ao exigir que o Presidente da República apresentasse o comprovante de vacinação ou teste de Covid recente para ter acesso a posse do mais novo ministro daquela Corte, André Mendonça.

A mesma polêmica já se deu no passado recente, na própria exigência da vacinação, da obrigatoriedade do uso de máscaras, assim como, em um dos casos mais extremos, quando alguns poucos municípios implantaram a denominada “pulseira do contaminado”, que se dava pela colocação e uma pulseira no pulso dos infectados ou suspeitos de contaminação pela Covid-19 como forma de alertar as demais pessoas do risco de contato e obrigar àqueles a respeitarem as medidas de isolamento. A lógica que se aplica a todos os casos é a mesma.

Todas essas medidas tem uma única intenção: conter o contágio da doença e reduzir as consequências/danos na população e, por fim evitar o colapso no sistema de saúde, o que, por certo, é obrigação primordial das autoridades públicas, bastando, para tal a análise detida do que prevê a Constituição da República, especialmente no que tange aos direitos e garantias individuais e coletivos, sem deixar de considerar, ainda, os preceitos constantes da Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, segundo a qual o enfrentamento a pandemia jamais pode prescindir do respeito aos direitos humanos das pessoas com covid-19, com especial enfoque para eliminação de todas as formas de discriminação e respeito à autodeterminação.

Assim, devemos considerar, diante do caso presente, dada a complexidade do problema, uma questão de importância macro, passível de ser resolvida por análise principiológica constitucional, o que afasta qualquer dúvida que a Constituição Federal assegura, tanto a liberdade e integridade, assim como a igualdade, intimidade e vida privada, quanto assegura o respeito máximo à saúde, à vida, além da plena observância da dignidade da pessoa humana, em todos os seus aspectos, considerando dever de todos, assegurando harmonia no livre exercício dos direitos e garantias fundamentais. Por tudo isso, não há que se falar em princípio absoluto no Brasil.

Por certo que o Direito, assim como a sociedade, deve se adaptar às mudanças, levando em consideração a realidade atual, respeitando sempre os preceitos mais sensíveis e fundantes da República, em especial a dignidade da pessoa humana e, principalmente, à vida e saúde dos cidadãos, não sendo a imposição de privação momentânea, através da exigência do passaporte sanitário ou da apresentação de teste PCR, de estrangeiros ou nacionais, um obstáculo ao livre exercício de qualquer direito, nem a honra e dignidade de qualquer pessoa, logrando aceitabilidade ou razoabilidade, admitindo assim um relativo sacrifício aos atos da vida civil, em prol da segurança sanitária e da ordem pública, resguardando-se as garantias constitucionais de todos, especialmente a saúde e a vida da coletividade.

Então, as normas e, por consequência, os princípios constitucionais devem ser interpretados de acordo com a natureza jurídica da medida adotada, razão pela qual, medidas excepcionais e cautelares que exijam, para sua plena eficácia (redução do contágio e garantia das medidas sanitárias de combate à pandemia), a adoção de regras rígidas de preservação de direitos e garantias de igual ou maior relevância, admite-se que a lei, em seu amplo aspecto, possa restringir o exercício pleno de algumas liberdades, quando se tratar de exigência de interesse social, consoante o que dispõe a Constituição.

Nesse sentido, cumpre destacar, por sua vez, que a dignidade da pessoa humana, além de princípio constitucional, é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, previsto no artigo 1º., inciso III, da nossa Carta Magna, sendo, portanto, imprescindível a observância desse fundamento quando da ponderação de qualquer preceito constitucional, em especial quando se está em jogo a saúde e a vida das pessoas, devendo, no presente caso, ser considerado em prol da coletividade e, jamais, de modo individual. Aqui, prevalece o direito da maioria!

E não se pode falar em conflito de interesses e ponderação, sem analisar o princípio da proporcionalidade, este que se encontra intrinsecamente ligado à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, tendo sua utilização, no ordenamento jurídico pátrio, pautado na interpretação constitucional e infraconstitucional, como técnica de controle de limites aos direitos fundamentais, vez que a dignidade da pessoa humana, acolhido como fundamento da República, determina que as normas sejam aplicadas de acordo com a gravidade do ato e o grau de importância do bem jurídico constitucionalmente protegido.¹

Sendo assim, numa ponderação de interesses e realização à adequação principiológica constitucional, pode-se inserir que a imposição estatal da exigência de passaporte sanitário e/ou teste PCR, seja de estrangeiros ou nacionais, para ingresso no País ou em determinados locais, por certo que é de conhecimento a ocorrência de constrangimento ilegal, mas, no entanto, é devida a mitigação da liberdade do atingido pela medida, vez que a sua essência encontra-se preservada na vontade do próprio em se submeter as regras que o momento exige, fundamentando-se no princípio da proporcionalidade e, nesse viés, da dignidade da pessoa humana, sendo medida extrema, mas que visa preservar, em primeiro lugar, a vida e a saúde de toda uma coletividade e, em último grau, evitar o colapso do sistema de saúde e garantir a eficácia das medidas sanitárias de enfrentamento à pandemia.


¹ FIOREZE, Juliana. Videoconferência no processo penal brasileiro: Interrogatório On-line. Curitiba: Juruá, 2007. p. 204-205.

Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Membro do Departamento de Assuntos Regionais da FIESP – DEPAR/FIESP. Conselheiro da Associação dos Municípios do Estado de São Paulo – AMESP. Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. Contato: https://linktr.ee/dr.amilton 

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