O Exorcista – O Devoto : terror descartável

por Farid Zaine
@farid.cultura

Quando foi anunciada a continuação de “O Exorcista”, o clássico de 1973, o diretor William Friedkin, que morreu neste ano, manifestou seu total repúdio ao projeto e declarou que não iria ver o resultado dessa nova empreitada, um investimento de 400 milhões de dólares pela Universal, que comprou os direitos da obra para duas continuações, esta de 2023 e outra para 2025.

Friedkin, o diretor do mais revolucionário filme de terror da história, a adaptação do romance homônimo de William Peter Blatty, tinha todos os motivos para desprezar uma continuação de seu filme. Revi “O Exorcista”, o original, uma semana antes da estreia de “O Exorcista – o Devoto”, para reafirmar minha admiração por aquele extraordinário longa, que conquistou as plateias do mundo inteiro, causou polêmicas, fez grandes bilheterias e realizou a proeza de ser indicado a melhor filme no Oscar, caso único para um filme de terror. Não foi apenas isso: o longa de Friedkin teve 10 indicações em 1974 e saiu vencedor em duas categorias, a de som e a de roteiro adaptado, esse último contando com o próprio autor do livro participando da adaptação.

O som, aliás, é um dos pontos fortes do longa, com “Tubular Bells” , de Mike Oldfield, se transformando numa marca sonora inconfundível no cinema, tão lembrada quanto o tema criado por Bernard Herrmann para “Psicose” ou o composto por John Williams para “Tubarão”.

O filme merecia todo o barulho que causava, por ser exemplar, original e tecnicamente perfeito naquilo que pretendia apresentar. Não se esperaria menos de um diretor sabidamente competente, que há bem pouco tempo tinha arrebatado o Oscar de Melhor Diretor pelo brilhante “Operação França”, em 1972, longa que venceu também como Melhor Filme. Pois bem, a minha ansiedade para ver a continuação tinha um componente a mais, a presença de Ellen Burstyn no elenco, ela que foi a atriz da versão original, fazendo Chris McNeil, a mãe de Regan, a menina possuída interpretada por Linda Blair.

No primeiro ato de “O Exorcista – o Devoto”, achei que a coisa tinha começado bem. Mas a boa impressão durou pouco. O longa de David Gordon Green revelou-se uma decepção. Até que há boas ideias, parecendo ser elas sobre as necessidades atuais da inclusão e do politicamente correto; não é apenas uma menina possuída agora, mas duas, sendo uma negra, Angela (Lidya Jewett) e uma branca, Katherine (Olivia O´Neill); não são apenas padres católicos os que são recrutados para fazer um exorcismo ( lembremo-nos das impecáveis atuações de Max von Sydow, como Padre Merrin, e Jason Miller, como o Padre Karras, no original), mas representantes de religiões evangélicas, de matriz africana e outras, além de um padre católico, no caso um padre bem relutante. O longa de David Gordon Green é estrelado por Leslie Odom Jr. , que interpreta Victor Felding, o pai de Angela, uma das meninas possuídas, nascida no meio de um terremoto no Haiti em que a mãe, Sorenne (Tracey Graves), gravemente ferida, morre após difícil e trágica escolha que o pai precisa fazer.

No clássico original, “O Exorcista”, as tensões dramáticas e o terror da possessão de Regan culminavam num rito arrebatador e aterrorizante de exorcismo, com recursos até então inéditos e que ajudaram o longa de Friedkin a se transformar numa obra-prima do gênero. Nesse “O Devoto”, tudo parece acontecer ao contrário, sendo a sequência do exorcismo tosca e sem clima, com interpretações tão ruins que a tornam quase um constrangimento coletivo.

Ellen Burstyn, retornando ao papel que a consagrou, agora é uma escritora famosa , rejeitada pela filha Regan, pelo fato da mãe ter exposto em seu livro toda a história da garota e sua trágica experiência quando esteve possuída por um demônio. Burstyn, nos seus 90 anos, é mal aproveitada e, convenhamos, há uma cena final completamente descartável. A icônica “Tubular Bells” aqui também não surte efeito.

Enfim, para quem quer curtir um filme de terror autêntico sobre o tema possessão demoníaca, recomendo que recorra ao original de 1973, insuperável, ao invés de se irritar com uma continuação para lá de desnecessária… e pensar que haverá uma outra.

Leio nas redes que William Friedkin teria dito: “Não quero estar vivo quando isso sair. Se existir um mundo dos espíritos, pretendo voltar, possuir David Gordon Green e transformar sua vida num inferno”. Friedkin morreu em agosto deste ano. Creio que Gordon Green deva estar se benzendo.

O Exorcista – o Devoto (The Exorcist – Believer, EUA, 2023) – longa de terror de David Gordon Green – em cartaz nos cinemas
Cotação: *RUIM

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