Combate ao racismo pode ganhar novos instrumentos com vigência de convenção

O presidente Jair Bolsonaro assinou na última quarta-feira (12) o decreto que ratifica a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância.

O texto foi promulgado pelo Congresso Nacional em fevereiro, mas precisava ser ratificado em decreto pelo presidente da República. A Convenção foi aprovada em 2013, na Guatemala, durante a 43ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA). Mas qual a importância e efetividade desse ato?

O DJ conversou com representantes da Comissão de Igualdade Racial da OAB de Limeira, os advogados Adriana Luna Evangelista e Márcio de Sessa.

Ao dar status constitucional a políticas públicas de prevenção e punição de condutas racistas, ações afirmativas, promoção da igualdade de oportunidade na educação e no trabalho e diversidade no sistema político, qual é o principal efeito dessa convenção para a sociedade?
Primeiramente, importante consignar que a ratificação do Brasil a esta Convenção concretiza um grande marco e conquista para sociedade como um todo, uma vez que, tratando-se de uma convenção internacional que versa sobre direitos humanos, aprovada em cada Casa do Congresso Nacional, com respeito aos quóruns de votação, ganhará força de Emenda Constitucional, sendo, portanto, a maior norma atual de combate ao racismo e discriminação racial vigente.

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância vai trazer novos instrumentos para enfrentar o racismo no Brasil?
Esperamos que sim. Através da ratificação dos termos da Convenção, o Brasil se compromete a adotar políticas especiais e ações afirmativas para assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos grupos que compõem a minoria, com o propósito de promover condições equitativas para igualdade de oportunidades. Além de, entre tantas disposições contidas na Convenção, se compromete também a punir, proibir e eliminar publicações por qualquer meio de comunicação que promova o ódio, a discriminação, intolerância, que defendam ou justifiquem atos que constituam ou tenham constituído genocídio ou crimes contra a humanidade.
Entretanto, ainda não podemos afirmar como será revertido esse comprometimento em novos instrumentos para enfrentamento do racismo no Brasil.

O texto obriga os países a garantir que seus sistemas políticos e jurídicos atendam às necessidades legítimas de todos os setores da população. Hoje, os sistemas político e jurídico no Brasil atendem os anseios da comunidade negra?
Por certo que não, e praticamente impossível justificar a negativa sem mencionar a gigantesca desigualdade existente em nosso país, e que abrange não somente a distribuição igualitária de oportunidades, mas de direitos e de acesso às instituições.
A grande questão do sistema político e jurídico não atender os anseios da comunidade negra e de outras minorias, é justamente a sua neutralidade e indiferença diante dos resultados que a desigualdade causa na sociedade, naturalizando-a. Por essa razão, a ratificação do Brasil a esta Convenção se torna tão importante.

Como funciona a ratificação de uma convenção internacional no Brasil? O que é preciso ser feito para que ela tenha status em nosso ordenamento jurídico?
Uma convenção internacional sobre direitos humanos é um instrumento multilateral em que países signatários aprovam, no âmbito de um sistema regional ou internacional de proteção aos direitos humanos, medidas de promoção, defesa e proteção aos direitos humanos para que os diversos países possam internalizar essas medidas em seu ordenamento e, ao mesmo tempo, essas medidas sejam internacionalizadas para criar uma certa uniformidade e amplitude de proteção.
No caso da Convenção Interamericana contra o racismo, sua aprovação ocorreu no âmbito do sistema regional de proteção aos direitos humanos, ou seja, pelos Organização dos Estados Americanos – OEA, em 2013 durante encontro ocorrido na Guatemala.
Depois desta aprovação pela OEA, cujo Brasil foi favorável, a convenção necessitou ser aprovada pelo Congresso Nacional, na Câmara dos Deputados que representam o povo brasileiro, e, pelo Senado Federal que representa os Estados brasileiros que formam nossa Federação.
Com a aprovação na Câmara e no Senado e a promulgação do respectivo decreto legislativo, a convenção necessitou da ratificação do Presidente da República para que fosse formalmente incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro e, assim, produzir efeitos.
Somente depois de cumprido esse rito e formalidades a convenção entrou em vigor no Brasil com status constitucional e, concretamente, poderá ser utilizada no combate ao racismo com novos instrumentos jurídicos.

Durante os debates no Congresso, uma crítica à convenção é de que ela é impositiva, especialmente em relação à política de cotas. Em sua opinião, por que existe essa resistência no país e o que é preciso fazer para ações afirmativas serem encaradas com naturalidade, e não como imposição?
Até que essas ações afirmativas deixem de serem vistas como “regalias” e passem ser tratadas como reparatórias e imprescindíveis para construção de uma sociedade mais justa e igualitária, seja na promoção de direitos, e também de deveres, iremos enfrentar a resistência da camada privilegiada da sociedade.
Especialmente, no que tange a política de cotas, em que geralmente se discute o ingresso em uma universidade ou a aprovação em concurso público, nestes casos, observamos diretamente a busca constante de uma melhor condição social, e justamente a partir deste ponto, quando o camarada privilegiado – homem, branco, classe média-alta – se depara com a possibilidade de perder sua vaga para outro que teoricamente encontra-se em situação de desvantagem, é notada a resistência dos privilegiados que, por certo, não estão dispostos a perder tal condição.
A sociedade só deixará de enxergar as ações afirmativas como sendo imposições desnecessárias quando entender dois grandes pontos: o primeiro são as consequências que a ausência dessas medidas acarretam na sociedade, seja a curto, médio ou a longo prazo, que são justamente as razões que aumentam a desigualdade racial e social, acarretando o consequente aumento da violência e pobreza no país, além da naturalização da impossibilidade de promover um país mais justo e igualitário. O segundo ponto é justamente o contrário, entender os benefícios diretos dessas medidas.

Adriana Luna Evangelista é advogada, pós-graduanda em Direito Notarial e Imobiliário, atuante nas áreas civil, contratual e imobiliário.

Márcio de Sessa é advogado, professor, pós-graduado em Direito Civil e Processo Civil, mestre em Direito, atua com planejamento sucessório e patrimonial e direito imobiliário.

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