por Leandro Consentino
Em um mundo ideal, o fato do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, assumir sua homossexualidade no programa de entrevistas de Pedro Bial não deveria causar qualquer impacto na esfera pública. Entretanto, diante do atual momento histórico que atravessamos, sua declaração certamente trouxe um amplo impacto, ainda que ambíguo.
Por um lado, trata-se de um avanço civilizacional que um governador de estado – um dos mais importantes da federação – possa admitir sua sexualidade sem que seja vítima de perseguições de natureza religiosa ou mesmo política. Ao contrário, Leite recebeu congratulações de lideranças nos mais diversos setores da sociedade, para muito além de seus correligionários de partido.
Em sentido contrário, contudo, Eduardo Leite sofreu duros ataques de sectários nos dois extremos da polarização que nos alcança. Claramente, a virulência dos ataques ao mandatário gaúcho apenas reafirmam a semelhança entre os campos que pretendem monopolizar a política brasileira, interditando qualquer tipo de posicionamento que não siga exatamente a cartilha que pregam.
Se Leite é uma liderança compromissada com pautas de responsabilidade fiscal e reformas no campo tributário e previdenciário, a direita o critica por ser também homossexual. Já se ele busca identificar-se com tal pauta, a esquerda o critica justamente por pretender que todo homossexual precisa ser alinhado a suas teses estatistas e datadas no campo econômico.
O caso do jovem governador apenas denota a complexidade do momento que atravessamos: enquanto o atual presidente segue nas cordas, com gravíssimas suspeitas de prevaricação ante a corrupção que prometeu combater, alguns veem como solução apenas o retorno ao passado que nos levou à uma profunda crise econômica e ética.
O Brasil merece ir além do radicalismo e retomar o caminho da modernidade e da defesa das instituições democráticas, justamente para que, no futuro, declarações como essas sejam tão corriqueiras que passem despercebidas no debate público. Afinal, na segunda década do século XXI, é preciso ficar claro que caráter e competência não têm qualquer relação com a identidade de quem os exibe. Não tem gênero e nem ideologia.
Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.
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