A prorrogação do stay period na recuperação judicial e satisfação do crédito de ações autônomas

Por Felipe de Castro L. Pinheiro

A crise econômica vivida mundialmente nos últimos anos, acentuada pela pandemia ocasionada pelo Covid-19, fez com que muitas empresas apresentassem pedidos de recuperação judicial, a fim de que pudessem se reestruturar principalmente financeiramente e assim manter sua atividade econômica, os empregos gerados por tal atividade e a quitação de seus débitos.

E como disposto no artigo 49, da Lei 11.101/2005, apenas estão sujeitos à recuperação judicial os créditos existentes até a data do pedido de recuperação judicial, ainda que não vencidos.

Assim e a grosso modo, apenas os créditos já constituídos terão efeito e influência da recuperação judicial, sendo que, pelo fato das empresas manterem sua atividade comercial mesmo após o pedido de recuperação judicial, não são raras as vezes que há créditos constituídos e vencidos após tal data, o que são classificados como extraconcursais e, em regra, não se sujeitam à recuperação judicial e o plano de recuperação a ser apresentado pela recuperanda e votado por seus credores.

De todo modo, o legislador, previu um tempo de blindagem, denominado de stay period, no qual ficariam suspensos também a cobrança de créditos extraconcursais, a fim de que a recuperanda pudesse reorganizar sua estrutura e atividade, a fim de possibilitar o cumprimento do plano de recuperação a ser apresentado e manter a sua atividade comercial.

E nos moldes do artigo 6º, §4º da Lei 11.101/05, o prazo de blindagem perdurará por 180 dias e somente poderá ser prorrogado uma única vez por igual período:

4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.

Ocorre que, atualmente, temos notado que muitas empresas em recuperação tem utilizado do período de blindagem como certo artifício para obstar e até mesmo se esquivar quanto ao pagamento dos créditos concursais, apresentando nos processos autônomos pedido de impenhorabilidade de bens por se tratar de bens essenciais e alegação de incompetência dos juízos para processar e julgar a demanda envolvendo empresas em recuperação judicial,  com pedido expresso de remessa da ação ao juiz competente no qual já tramita a ação de recuperação judicial envolvendo a empresa executada.

Além disso, há inúmeros pedidos de empresas em recuperação judicial para a prorrogação do stay period, por mais de uma vez, ou por mais de 180 dias e até mesmo até da data da homologação do plano de recuperação judicial, que em muitos casos demora mais de 02 (dois) anos.

E não muitas vezes tais pedidos são deferidos em arrepio a literalidade da lei, visto que nos moldes do artigo 6º, §4º da Lei 11.101/05, o prazo de blindagem perdurará por 180 dias, e, somente poderá ser prorrogado uma única vez por igual período, como já transcrito acima.

E nesse sentido é a jurisprudência recente da 30ª Câmara de Direito Privado do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob a relatoria do D. Des. Lino Machado:

Embargos de declaração – Agravo de instrumento – Ação de reintegração de posse com pedido de tutela antecipatória – Contrato de compra e venda de equipamentos com cláusula de reserva de domínio – Liminar deferida para apreensão dos bens – Recuperação Judicial da ré – Prazo já expirado de 180 dias do deferimento da recuperação judicial – Possibilidade do prosseguimento da demanda. De sanar-se mero erro material contido no acórdão – De qualquer forma, não era o caso de acolher tal tese apresentada no parecer, tal como pretende a embargante, tendo-se em conta que no caso ora sob exame, escoado o prazo de 180 dias do deferimento da recuperação judicial é possível o prosseguimento da demanda, pois recentemente o E. STJ posicionou que o prazo que suspende ações contra empresa em recuperação não é prorrogável (REsp 1.710.750 – DF, Terceira Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJ de 15/05/2018, DJe 18/05/2018) – Por fim, em relação à questão de mérito quanto à possibilidade de prorrogar o prazo stay period em razão da recuperação judicial inexiste omissão, obscuridade ou contradição para os embargos opostos pela agravada. Além disso, os embargos de declaração não se prestam ao reexame das matérias postas em discussão. Embargos acolhidos em parte, sem alteração do julgamento. (TJSP;  Embargos de Declaração Cível 2279474-07.2020.8.26.0000; Relator (a): Lino Machado; Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado; Foro de Ribeirão Preto – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 11/02/2021; Data de Registro: 11/02/2021)

Assim, uma vez transcorrido o prazo de blindagem de 180 dias e sendo autorizada apenas uma única prorrogação, entendemos possível o prosseguimento das ações individuais para cobrança de crédito extraconcursal, inclusive com a penhora ou retomada de bens, pouco importando se são, ou não, essenciais, nos moldes do Enunciado III do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial deste E. Tribunal de Justiça:

“Enunciado III: Escoado o prazo de suspensão de que trata o § 4º, do art. 6º da Lei nº 11.101/05 (stay period), as medidas de expropriação pelo credor titular de propriedade fiduciária de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor, poderão ser retomadas, ainda que os bens a serem excutidos sejam essenciais à atividade empresarial”.

Nesse sentido, temos alguns julgados que corroboram com o entendimento ora externado, sendo nossos os grifos:

Agravo de Instrumento. Exceção de incompetência. Ação de reintegração de posse. Contrato de compra e venda com cláusula de reserva de domínio. Recuperação judicial não induz juízo universal. Não demonstrado que o crédito foi arrolado no quadro geral de credores. Bem apreendido não essencial à atividade empresarial. Local de cumprimento das obrigações. Reconhecimento de que é o local onde foi proposta a ação. Não se presume a abusividade da cláusula de eleição de foro em contrato de adesão. Litigância de má-fé não verificada. Recurso improvido. (TJSP;  Agravo de Instrumento 0254402-67.2011.8.26.0000; Relator (a): Nestor Duarte; Órgão Julgador: 34ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/06/2012; Data de Registro: 29/06/2012).

Locação de bem móvel – Cobrança – Empresa ré em recuperação judicial – Suspensão da ação – Inadmissibilidade – Incompetência do Juízo – Inocorrência – Crédito constituído após o deferimento da recuperação judicial – Alegados descumprimentos contratuais do autor posteriores à inadimplência da ré – Exceção de contrato não cumprido – Descabimento – Sentença mantida – Recurso improvido(TJSP;  Apelação Cível 0190108-94.2011.8.26.0100; Relator (a): Vianna Cotrim; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 34ª Vara Cível; Data do Julgamento: 25/07/2019; Data de Registro: 25/07/2019)

LOCAÇÃO DE IMÓVEIS. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER COM PRECEITO COMINATÓRIO C.C. COBRANÇA DE ALUGUÉIS. LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL. EMPRESA RÉ EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRETENSÃO À EXTINÇÃO DA AÇÃO. DESCABIMENTO. SUSPENSÃO DA AÇÃO. INADMISSIBILIDADE. INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. INOCORRÊNCIA QUANTIA ILÍQUIDA (ART. 6.º, § 1.º, LEI 11.101/2005). CRÉDITO PERSEGUIDO, ADEMAIS, CONSTITUÍDO APÓS DEFERIMENTO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRECEDENTES. INAPLICABILIDADE DO DISPOSTO NO ART. 90, § 4.º DO CPC. PRESTAÇÃO RECONHECIDA PELO RÉU QUE NÃO FOI INTEGRALMENTE CUMPRIDA SIMULTANEAMENTE AO RECONHECIMENTO DA PRETENSÃO DO PEDIDO AUTORAL. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO(TJSP; Apelação Cível 1000267-87.2017.8.26.0024; Relator (a): Alfredo Attié; Órgão Julgador: 26ª Câmara de Direito Privado; Foro de Andradina – 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/06/2018; Data de Registro: 15/06/2018).

Assim, há de se ter cautela e atenção quando da execução ou cobrança de créditos extraconcursais em face de empresas em recuperação judicial, a fim de que os credores individuais possam ter seus créditos satisfeitos, sem qualquer empecilho apresentado pelas empresas em recuperação judicial, contrários as normas legais.

Felipe de Castro Leite Pinheiro é advogado do escritório Izique Chebab Advogados Associados. Graduado em 2009 pela PUC-Campinas, com especialização em Direito Empresarial pela Unisal (Campinas). Sua área de atuação predominante é a Cível.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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