Travesti que cobrou aposentado por “calote” após programa é julgada em Limeira

Uma travesti que virou ré pelo crime de extorsão foi julgada na sexta-feira (6) em Limeira. Ela manteve a versão de que não extorquiu a vítima, um aposentado, mas apenas cobrou o idoso dos programas que ele deixou de pagar.

A acusação teve início após o aposentado comparecer na delegacia, no final de 2021, e afirmar que sofria extorsão da travesti por pagamento de dinheiro para evitar que imagens dele fossem divulgadas para a esposa e nas redes sociais.

Após a investigação, o Ministério Público (MP) ofereceu denúncia e a travesti virou ré em ação penal na 3ª Vara Criminal de Limeira, sendo defendida pela Defensoria Pública. Em juízo, ela negou as acusações e afirmou que foi vítima de calote por parte do idoso.

Descreveu que trabalha como garota de programa e conheceu o idoso numa rede social de acompanhantes de programas sexuais. Foram pelo menos quatro encontros onde tiveram relações sexuais, mas, em todas elas, o aposentado afirmava que apenas tinha o valor para pagar o quarto e que quitaria o restante no final do mês, quando receberia a aposentadoria, pois, se saísse com muito dinheiro, a esposa desconfiaria.

Como o idoso não apareceu mais, passou a cobrá-lo da dívida e tentou resolver de forma amigável, chegando a receber R$ 200, sendo que a dívida era de R$ 500.  A travesti confirmou que mencionou que faria a divulgação das imagens e contaria à esposa dele, mas foi na tentativa de receber o valor faltante, pois sequer tinha fotos ou vídeos. Uma testemunha que atuou no imóvel onde ocorriam os encontros confirmou a versão da ré.

Também ouvido em juízo, o aposentado negou que tivesse mantido relação sexual com a ré. Afirmou que já a conhecia, foi convidado até o endereço e não queria manter qualquer contato, mas que foi abraçado e beijado à força, tudo contra sua vontade.

Descreveu ainda que, apesar de não ter mantido relação sexual, pagou pelo programa e depois foi cobrado novamente, sob ameaça de ter imagens suas divulgadas. Por isso, fez um PIx de R$ 200, mas as cobranças continuaram e ele fez o boletim de ocorrência.

Quem analisou o caso foi o juiz auxiliar Ricardo Truite Alves, que não identificou provas consistentes para a condenação da ré. “Não se pode ignorar que a prostituição é atividade marginalizada e aqueles que a exercem ocupam posições de vulnerabilidade no meio social. O calote mencionado pelo réu não é incomum. No caso, tanto a testemunha de defesa como o réu apontam inadimplência da vítima. É certo que o acusado poderia ter acionado judicialmente o ofendido. Todavia, ele tentou resolver o problema amigavelmente e, ante a postura da vítima, excedeu-se. Ao fazer a cobrança, o acusado pode ter se excedido, usando expressões de intimação, longe de praticar conduta penalmente típica de extorsão. O réu pode ter até ameaçado expor o ofendido, revelando uma situação que de fato aconteceu. O constrangimento para a vítima ocorreria independentemente do escândalo. O mal-estar com aquela situação surgiria porque a vítima não queria que fosse tornado pública a saída com um travesti. A conduta do acusado certamente poderia ensejar responsabilidade civil por danos morais, mas não criminosa, visto que ausentes os elementos do tipo penal incriminador. Após colhidas as provas em sede de instrução processual, não há elementos a comprovar que o acusado usou de violência ou grave ameaça e não se cuida de vantagem econômica indevida, senão o pagamento de serviço prestado. É sabido que na fase da denúncia vigora o princípio in dubio pro societate em relação à análise das provas colhidas no inquérito policial, cuja natureza jurídica é de peça meramente informativa e destinada apenas a autorizar o exercício da ação penal. Todavia, na sentença, se das provas emergem dúvidas da autoria, aplica-se o princípio in dubio pro reo”, citou.

A ação foi julgada improcedente e a ré foi absolvida. O MP pode recorrer.

Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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