J.A.C. foi surpreendido em dezembro de 2020 num ônibus de viagem na Rodovia Anhanguera, mas tinha algo a mais na bagagem, que o diferenciou dos demais passageiros e chamou a atenção da Polícia Militar Rodoviária, que o abordou no trecho de Cordeirópolis. Ele transportava quantidade de drogas considerada razoável em sua mochila. Após o flagrante, ele foi denunciado e condenado, mas a sentença, com pena de 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritiva de direito na prestação de serviços, não agradou ao Ministério Público (MP), que recorreu e pediu reforma da sentença.

A denúncia após o flagrante foi oferecida pelo promotor Pérsio Ricardo Perrella Scarabel em 26 de janeiro. O MP pediu a condenação de J. por tráfico porque ele transportava maconha parcelada em dois tijolos (421 gramas), cinco tabletes (48 gramas) e 49 porções (78 gramas). Também havia 211 porções de cocaína (156 gramas) e quatro recipientes com “lança perfume”. “Substâncias causadoras de dependência física e psíquica, sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar”, descreveu.

Quando abordado, o réu apresentou uma versão. A inicia era que ele levaria a droga de São Paulo para o estado do Ceará. Os policiais descreveram em juízo que o réu afirmou ter por destino o Ceará, seu estado de origem, onde pretendia comercializar as drogas para “fazer uma graninha extra”.

Porém, também em juízo, F. mudou sua versão. Na audiência de instrução, confessou espontaneamente que trazia as substâncias e que o destino das drogas era Rio Claro. Conforme ele, apenas as porções menores de maconha seriam levadas para o Ceará, para consumo próprio, sendo que o restante, supostamente, seria entregue a terceira pessoa no ponto de parada do ônibus em Rio Claro.

Foi esse depoimento dele que teve peso na decisão do caso, feita pelo juiz substituto Raphael Silva e Castro, em decisão assinada no dia 26 de maio. O MP pediu a procedência parcial da ação penal, com desistência de uma das causas de aumento de pena inicialmente postuladas, a de tráfico em transporte público (inciso III do artigo 40 da Lei 11.343/2006). Já a defesa pediu o afastamento das causas de aumento de pena e pelo reconhecimento da causa especial de diminuição de pena por ser o réu com bons antecedentes, além das atenuantes da confissão e da idade inferior a 21 anos na data dos fatos. Solicitou, ainda, revogação da prisão preventiva e condenação em regime semiaberto.

Ao analisar a acusação, o juiz entendeu que o crime existiu, que não havia dúvida sobre a autoria e considerou o fato de o réu ter confessado o crime e os apontamentos da defesa. “A confissão, ainda que parcial, revelou-se servil ao convencimento do juízo […]. Mesmo que o réu não tenha reconhecido a intenção de transporte interestadual, sua confissão não ficou limitada a mera admissão da posse ou propriedade para uso próprio, tendo admitido a traficância, ainda que mais limitada geograficamente, isto é, ainda que fosse apenas intermunicipal. O réu era menor de 21 anos à data dos fatos. Quanto à causa especial de diminuição de pena do § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, a resistência do órgão ministerial ao seu reconhecimento, fundada única e exclusivamente no quantitativo das drogas e no seu valor de mercado, não merece guarida. […] O réu preenche todos os requisitos cumulativos da norma do § 4º, pois é primário e com bons antecedentes, sendo a folha de antecedentes documento suficiente a tal afirmação. Não se vislumbra sequer registros de intercorrências na prática de atos infracionais análogos quando ainda era menor. De igual modo, inexistem quaisquer elementos de que se dedique ou tenha em algum momento se dedicado a atividades criminosas ou integre ou tenha integrado alguma organização criminosa. No que tange ao patamar da diminuição da pena, assevero que a natureza e a quantidade da droga não podem ser utilizadas simultaneamente para justificar o aumento da pena-base e afastar a redução prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06, sob pena de caracterizar bis in idem [repetição de uma sanção sobre o mesmo fato]. Assim, à míngua de critérios específicos que pudessem balizar a causa de redução, tenho que o réu não pode ser prejudicado, razão pela qual elejo a fração de 2/3, tendo-a por justa e razoável às particularidades do caso concreto”, justificou o magistrado.

Ao final, o juiz aceitou parcialmente a denúncia e condenou J. a 1 ano, 11 meses e 10 dias de reclusão, em regime inicial aberto, e a pena foi substituída pela restritiva de direito da prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e limitação de fim de semana. A prisão preventiva também foi revogada e expedido o alvará de soltura.

RECURSO DE APELAÇÃO
A decisão não agradou ao MP, que, na última sexta-feira (28), ingressou com recurso de apelação no Tribunal de Justiça de São Paulo. A promotora Fernanda Klinguelfus Lorena de Mello pediu reforma da decisão.

A promotora cita que o MP requereu que a denúncia fosse julgada totalmente procedente, exceto quanto à causa de aumento de pena referente ao transporte público. “Vale anotar que, nessa oportunidade, o Ministério Público pleiteou o afastamento da atenuante da confissão e o afastamento da causa de diminuição de pena prevista no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, além da imposição do regime inicial fechado. Sobreveio, no entanto, sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal. O nobre magistrado reconheceu o crime de tráfico de drogas e condenou o ora apelado por tal delito, mas, à revelia do Ministério Público, aplicou a atenuante da confissão e, ainda, a redução da pena no patamar de 2/3 em razão do §4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, fixando o regime inicial aberto para cumprimento da reprimenda e substituindo a pena corporal por penas restritivas de direitos”, argumentou.

Para o MP, a confissão do réu, levada em consideração no julgamento, teve o escopo de afastar a causa de aumento de pena referente ao fato de o tráfico envolver dois estados da federação. “Ele buscou, dessa forma, minorar sua reprimenda a todo custo, inclusive levando o julgador a erro porquanto é certo que sua intenção era praticar o tráfico de drogas interestadual. Tanto é assim que os policiais inquiridos como testemunhas confirmaram tal situação durante toda a persecução penal, desde a fase inquisitiva até a instrução processual. Inclusive, doutos julgadores, o próprio magistrado não levou em consideração essa parte da versão do apelado, pois o condenou pelo delito de tráfico de drogas interestadual. Como se nota, então, a fala do apelado em juízo não pode ser considerada relevante para o deslinde do feito e tampouco teve grande influência para embasar a sentença ora recorrida, sendo de rigor o afastamento da atenuante da confissão a fim de que a pena corporal do apelado seja redimensionada”, mencionou a promotora.

Além do afastamento da confissão, o MP pede que não seja reconhecido o fato de o réu ser primário. “O apelado transportava quase meio quilo de substâncias entorpecentes diversas entre estados da federação e por meio de um ônibus em que havia inúmeros outros passageiros. Embora não se negue a primariedade do apelado, as circunstâncias desse caso concreto ensejam conclusão segura de que ele se valia de outras pessoas para praticar os ilícitos. É certo que ele recebeu os entorpecentes de alguém e os levaria para outras pessoas em outro estado da federação, pelo que se verifica que faz parte de uma rede de traficantes espalhada pelo país. Não é crível acreditar que diante dessas circunstâncias aqui verificadas o apelado seja um mero traficante ocasional ou aventureiro em ilicitudes penais. Importante ressaltar que o afastamento da causa de diminuição de pena ora comentada não necessita da efetiva condenação do agente por associação criminosa ou organização criminosa, que se tratam de delitos autônomos. Basta, aqui, que as circunstâncias indiquem a possibilidade e viabilidade de o agente fazer parte de uma estrutura maior junto com outros criminosos ou pelo menos ter aderido subjetivamente aos graves ilícitos praticados por outros traficantes, o que se mostra patente no caso”, completou.

No recurso, a promotoria pede que a sentença seja reformada e majorada a sanção penal aplicada, bem como seja fixado regime inicial mais severo (fechado) para cumprimento da pena. A apelação será analisada pelo TJ.

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.