O comunismo existe no Brasil ou o Governo Lula é comuna?

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Nasci em 1962, portanto, dois anos antes do golpe militar e civil de 31 de março de 1964.É claro que só fui ter dimensão de que vivíamos em uma ditadura, onde as liberdades individuais e coletivas estavam submetidas a vontade do general de plantão na época do primário.

Sim, naquele tempo o ensino fundamental que conhecemos hoje era dividido em educação primaria e ginasial. Do primeiro ano ao quarto, fiz o primário na escola Prada e minhas lembranças trazem ambientes e discursos do que estava acontecendo no País.

Para começar, chegávamos e tínhamos que fazer três filas, um atrás do outro. Corpo reto e queijo erguido, muito próximo do que se faz nas forças armadas. Depois de acertar a postura, um professor, feito um maestro, nos pedia para colocar as mãozinhas no coração e cantar a todo pulmão o hino à Bandeira e o Hino Nacional.

Depois ainda em fila subíamos ao segundo andar e entrávamos em nossa sala, se dirigindo a nossas carteiras. Mas ainda sem sentar-se. As mesmas mãos juntas ao coração e em pé e queijo erguido, olhávamos para o retrato enorme do presidente militar pregado na parede em cima da mesa da professora.

Só nos sentávamos quando ela entrava na sala e “dava” a ordem para desmanchar a postura. Este comportamento “educado” pelas instituições de ensino na época, ainda tinham um acréscimo, a narrativa histórica.

Não vivíamos em uma ditadura e sim em um governo militar que assume porque o povo quis, mas que a democracia estava garantida. As justificativas para o povo eram a tagarelada por simpatizantes do regime até hoje. A famosa ameaça comunista.

O mundo vivia a famigerada Guerra Fria, estabelecida após o fim da Segunda Grande Guerra, onde o planeta foi dividido entre capitalistas liderados pelos Estados Unidos e socialistas pela antiga União das Repúblicas Soviéticas.

O que consistia na Guerra Fria?

A luta pelo controle socioeconômico, político e bélico do planeta, usando supostamente duas corridas a armamentista em especial a nuclear e a espacial, como mostra de avanços tecnológicos de domínios de outros mundos. A razão econômica era fundamental nesta guerra, alinhando Países de acordo com suas conveniências.

No Brasil e na América Latina, o comunismo ou socialismo estavam longe de acontecer antes de março de 1964. João Goulart, o presidente civil e eleito pelo voto, era um nacionalista reformista, passava longe da ideia de um comuna. Porém, para justificar os golpes e a violência, os golpistas promoviam narrativas das mais fantasiosas vistas nos dias de hoje.

Uma delas é que o comunismo dobraria a esquina se Goulart não caísse e que os militares eram os salvadores da família, da propriedade e estavam com Deus. Uma das mais torpes narrações era de que um comunista poderia literalmente comer crianças, em uma antropofagia canibalesca, das mais estupidas de que se ouvia.

Bem, recente pesquisa do Instituto IPEC (ex-Ibope) aponta que 44% da população tem medo de que o País com Lula se torne comunista. Destes, a maioria é do Sudeste e do Centro-Oeste, locais onde Bolsonaro mais teve votos. A maior fatia dos que acreditam que Lula é comuna, ou que o Brasil se tornará comunista com ele, são evangélicos (57%) e católicos 39%.

As narrativas nos últimos quatros anos de período do Jair na Presidência foram sempre alimentadas por dois discursos dos mais rasteiros e improváveis. O comunismo é coisa do capeta, é o mal instalado nas esquerdas, na comunidade LGBTQ+, nas feministas, nos movimentos sociais e por aí vai.

Há relatos de que líderes religiosos em seus altares e púlpitos, descarregavam este discurso, e defendendo que a família não poderia ser destruída se as esquerdas voltassem ao poder. A desinformação beira a ignorância. Nunca o WhatsApp foi tão eficiente desde a sua existência, quanto na narrativa de ligar o comunismo ao satanismo, ao mal e o fim da “família” nuclear.

O processo de redemocratização do País, com o fim da ditadura, consistiu em um verdadeiro acordão que livrava da cadeia os responsáveis por 21 anos de torturas, assassinatos, desaparecimentos e total ausência de liberdade. Ao contrário da Argentina, ainda não acertamos nossas contas com o passado. Nossas escolas ainda discursam que 64 foi Revolução e pregam (algumas) que as esquerdas eram terroristas.

O exemplo claro de que a transição democrática careceu da verdade é que, na primeira eleição direta para Presidente em 1989, o então Governador de Alagoas Collor de Mello, usou e abusou do discurso do perigo comunista.

Duas fake News foram lançadas naquela campanha: A primeira era de que se Lula vencesse, quem tivesse um apartamento deveria dividi-lo com os sem-terra. O outro mais nojento, foi o depoimento mentiroso de uma ex-namorada do petista, mãe de uma de suas filhas, que o mesmo teria sugerido que ela abortasse a criança que estava esperando. As classes médias, brancas e cristãs caíram neste discurso que se configurou mais tarde como mentiroso.

Como já afirmamos aqui, o Brasil nunca chegou perto de ser uma nação socialista ou comunista. Movimentos e ideias proliferam na sociedade brasileira, desde que Cabral invadiu estas terras. Mas nunca tivemos condições de estabelecer “governos vermelhos”, como gostam de rotular bolsonaristas e moderninhos do tal mercado financeiro.

Várias vezes me perguntaram sobre como definir Lula e os governos de esquerda. Sempre fui taxativo em dizer que reformista, com uma visão internacionalista, mas nacionalista no aspecto econômico. A diferença de Lula e Juscelino Kubitschek e Fernando Henrique Cardoso é a proximidade com os pobres e suas demandas e as origens dos movimentos populares.

No entanto, Lula não quer romper com a estrutura capitalista. Quer democratizá-la, promover a justiça social, a distribuição de renda. Nada que países desenvolvidos e capitalistas raízes não fizeram e fazem. Defender reforma agrária, urbana, tributária, promover serviços de saúde e educação de qualidade, bem como combater a fome e a miséria, não é nada comunista. Lula não defende fim da propriedade privada, aliás está longe disto.

Bom, o jornalista Ricardo Kotscho, ao comentar a pesquisa IPEC, afirmou surpreso com o grau de ignorância de nosso povo. Está na hora de levarmos mais a sério a formação e a informação no Brasil.

A todas e a todos, um bom fim de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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