Mulheres no Futebol

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“O machismo é o medo dos homens das mulheres sem medo“ (Eduardo Galeano)

No início da primeira década deste século, trabalhei como chefe de gabinete do vereador Nelson Caldeiras em Limeira (SP).Nelson tinha como base política a luta dos Sem Casa e os movimentos sociais ligados aos mais pobres.

Este perfil nos levava a percorrer regiões da cidade em que se concentravam os excluídos do Estado, aqueles que aos quais os poderosos tratam como invisíveis e massas de manobra.

Um destes bairros era a antiga ocupação, o Jd. Ernesto Kühl, local de muitas lutas. E ao mesmo tempo de muito sofrimento, pelo povo pobre. Lá a grande maioria das pessoas pioneiras nas lutas por moradia dignidade e cidadania eram mulheres, com filhos e muitas abandonadas pelos maridos.

Em uma destas visitas, me chamou a atenção a quantidade de crianças no terrão (naquela época, o local não era asfaltado) jogando bola, nem sempre com uma original, às vezes feita de meia ou um objeto qualquer.

O futebol naquele início de década e século estava se tornando um artigo de luxo, algo restrito a profissionais e escolinhas pagas, e raramente os campinhos de areia, de pedra e terra, resistiam às modernidades.

Os jogos eletrônicos, como o FIFA, substituíam a rua, para as crianças de classe média e os pobres, como do Ernesto Kühl, tentavam se virar como podiam.

Mas um outro aspecto nos chamou a atenção.

Entre as pessoas que jogavam a pelada no bairro, estavam várias meninas, algumas melhores na arte da bola que os garotos. Mas esta realidade não era predominante na cidade ou no País. Meninas ainda não eram reconhecidas como atletas do esporte bretão.

Pelo contrário.

Lugar de mulher no esporte era no máximo, as tidas modalidades aptas ao sexo feminino, tipo voleibol e olha lá. Esporte de contato físico sempre foi afastado das mulheres, elas não tinham músculos para aguentar um tranco, uma dividida, me disse uma vez um antigo boleiro, em sua mais nefasta manifestação misógina.

Pensamos que a sociedade reflete comportamentos dominantes no ambiente em que vivem e transitam.

O Brasil desde que o europeu, macho e branco, aqui aportou, é machista e suas elites são responsáveis por difundir este mal, que mata milhares de mulheres e as exclui de direitos, entre eles o de praticar o futebol.

Em 1941, o ditador Getúlio Vargas publicou um decreto que criava o Conselho Nacional de Desporto, e entre vários artigos estava um deles, que só caiu em 1978. Nos referimos à proibição das mulheres de jogarem futebol, com um dos argumentos mais estúpidos, para justificar uma medida repressora.

Dizia o decreto: Que as mulheres não poderiam praticar esportes que iam contra sua natureza. Em miúdos, para os homens que certamente pensaram e fizeram esta pérola de decreto, a natureza feminina se restringia a sua suposta fraqueza e fragilidade física.

Na verdade, machistas de ontem e de hoje defendem que a natureza da mulher é cama, mesa e banho. Tal medida veio para impedir que mulheres trabalhadoras, que se organizavam em clubes, jogassem futebol. Porém, mesmo assim, não as impediu de enfrentar a ordem e clandestinamente organizar partidas e torneios entre elas.

Mas mesmo após o fim do decreto, o futebol feminino continuou na categoria de invisível e desprestigiado, por clubes e federações nacionais e internacionais. Por isto é surpreendente que a atual Copa do Mundo da categoria tenha um destaque que jamais teve.

Transmissão pela TV aberta, hotel e condições de treinamento cinco estrelas, uniforme próprio e feminino, pois até então elas usavam o equipamento usado da seleção masculina.

Não para por aí. Publicidade de empresas, que historicamente apoiam os meninos, e um volume de propaganda no mesmo nível dado a seleção de homens.

Mas tudo isto acontece por benevolência das elites? Claro que não.

Os avanços das lutas das mulheres por igualdade de direitos e pelo fim da discriminação, bem como o posicionamento do governo federal e de vários governadores em apoiar e investir, não porque é um esporte popular, mas como políticas públicas de inclusão social. É uma pena que várias repartições públicas continuam ignorando o futebol feminino e as mulheres.

Como aconteceu com a Secretaria da Educação de Limeira, que não liberou seus servidores para assistir aos jogos da Seleção, que acontecem às oito da manhã ao vivo da Australia e da Nova Zelândia.

Aliás, no primeiro jogo de nossa seleção, a Rede Globo fez cobertura em vários pontos do País, onde torcedoras em sua maioria se concentravam para assistir à partida. Torcedoras, sim. Em alguns lugares era nítida a ausência de homens.

Em jogos dos meninos é comum ver soltura de fogos, bares e restaurantes lotados, praticamente clima de festa e toda a economia parada. Na última segunda feira, notamos bem pouco este ambiente, seja em minha cidade, seja em todo o Brasil.

“Para os intelectuais de esquerda, o futebol impede que o povo pense. Para os de direita, prova que pensa com os pés. Que é um negócio? Isso vale para tudo”, dizia Eduardo Galeano.

Agora imaginem esta frase de Galeano, proferida pelos dois espectros ideológicos, em relação ao futebol de mulheres.As esquerdas sempre esconderam, por trás de discursos conceituais e de ideologia, sua incapacidade de ter a luta das mulheres como estratégico para uma sociedade nova e humanitária. O machismo sempre imperou em parte considerável das esquerdas, que discursavam ser um problema menor e nada prioritário.

Já quanto à direita, o futebol, além de negócio, serviu durante décadas como um lisérgico, para alienar e fazer o povo esquecer seus reais problemas, entre o machismo, a violência doméstica, a misoginia.

Espero que o boom em relação ao futebol feminino não seja apenas jogada de marketing e para ganhar dinheiro. Mas que uma nova revolução esteja a caminho. Que nenhuma menina que queira jogar bola seja taxada de sapatão e, se for, que seja respeitada em sua condição e gênero.

Que nenhuma menina boleira, seja xingada de vaca, puta, nos campos de futebol.

Que nas arenas do esporte masculino a misoginia e a homofobia acabem, e que os criminosos que as praticam sejam punidos pela lei.

Viva o Futebol Feminino.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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