Era uma vez…

por Leandro Cosentino

A eleição presidencial de 2022 está se convertendo em um perigoso enredo de realismo mágico em que os principais candidatos buscam construir uma narrativa própria e particular acerca do que assistimos nos últimos tempos no Brasil. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje líder nas pesquisas de opinião, brada aos sete ventos que todas as investigações sobre sua presidência são fruto de uma conspiração da “quadrilha de Curitiba” que, associada à imprensa e aos poderes internacionais, buscou desestabilizar nosso país e destruir a Petrobrás. 

Obviamente, essa desestabilização, na versão contada pelo lulopetismo, nada tem a ver com a péssima política econômica adotada no final dos anos Lula e cujo preço foi duramente cobrado já no governo Dilma Rousseff, sucessora apontada pelo ex-presidente, que acabou impedida pelo crime orçamentário que praticou associada a uma crise socioeconômica extremamente grave em meados da década passada.

Trata-se de uma visão completamente equivocada, imoral e com traços de um nacionalismo rançoso e antidemocrático. Além de atentar contra o sistema de integridade – construído na Nova República e aperfeiçoado nos próprios governos petistas – Lula contribui para reforçar uma visão de mundo pautada ainda no terceiro-mundismo e no isolamento, com o fantasma das potências rondando as riquezas da pobre periferia mundial, sem que suas elites retrógradas sejam responsabilizadas.

Outra historieta, curiosamente bastante parecida, é a do atual presidente Jair Bolsonaro que, com o segundo lugar nas pesquisas e uma crise enorme de popularidade, radicaliza seu discurso para fidelizar seus apoiadores mais fieis e garantir uma vaga no segundo turno das eleições do próximo ano. Na visão de mundo do bolsonarismo, o “mito” que preside a República fez tudo certo durante a pandemia: desde o incentivo ao tratamento precoce mentiroso até a campanha de desconfiança sobre as vacinas, o uso de máscaras e o distanciamento social. Tudo isso em nome da relativização da doença, que não poderia frear a economia e prejudicar a popularidade presidencial.

Ora, nesse caso é preciso restabelecer a verdade para reposicionar o Brasil no caminho das democracias liberais e, sobretudo, da racionalidade. Não é possível que, após mais de 600 mil vidas perdidas, continuemos a reforçar essas ideias completamente equivocadas, as quais beiram ao charlatanismo e que ainda haja quem atribua os problemas econômicos gravíssimos que vivemos – alguns herdados desde o petismo e outros criados pelo bolsonarismo – às recomendações dos (bons) médicos para salvar vidas.

O Brasil não pode ficar refém de contos da carochinha e precisa urgentemente retomar o bom caminho de combinar democracia e desenvolvimento econômico que, se não são a mesma coisa, precisam estar em simbiose para que os brasileiros e brasileiras de hoje vivam melhor e garantam o futuro das gerações vindouras.

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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