Eleições: reta final (ou “E agora, José?”)

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Estamos a nove dias de mais uma eleição presidencial, para o Congresso Nacional, para Governo dos Estados e suas respectivas Assembleias Legislativas. É uma eleição quase casada, faltando apenas prefeitos e Câmaras Municipais.

Talvez quem saiba possamos no futuro repensar o processo eleitoral ou unificando todos os cargos em um pleito só ou uma diminuição de tempo de uma eleição para outra. Mas isto fica para um texto qualquer dias destes. Agora vamos tratar de mais uma festa cívica e democrática, apesar do bolsonarismo.

Sim, cito este grupo, pois, desde que o chefe deles tomou posse no Palácio do Planalto, as ameaças de ruptura institucional são correntes e bem claras. Embora este escrevinhador não acredite em golpe caso Jair perca eleição, uma bagunça na ordem típica de seu grupo não está descartada de acontecer.

Mas a festa da democracia é, desde o final da ditadura, talvez a de maior expectativa, vencendo inclusive neste quesito a de 1989, a primeira direta para presidente após o Golpe Militar de 1964. E a expectativa ocorra por dois motivos.

O primeiro, já citado aqui, das ameaças de golpes, ainda mais com decretos liberando armas para a população e a onda de violência política desencadeada com mortes e atentados durante a campanha. Em segundo, nunca na história das eleições no período da redemocratização tivemos um alto índice de eleitores que já decidiram seu voto e afirmam que não mudariam. De acordo com as pesquisas, são mais de 70% em média.

As expectativas de ir às urnas são grandes e demonstram que, para presidente da República, o interesse é amplamente majoritário da população. Não há duvidas de que a situação socioeconômica, um alto índice de pessoas que passam fome e um desemprego galopante se somam a crise política como motivações.

A pandemia do coronavírus e as mais de 600 mil mortes impactaram e muito nas decisões do eleitor, em especial o papel do governo no combate (ou não) ao vírus. Se as motivações são diversas à pergunta do título, chupada literalmente do nome do poema de Carlos Drummond de Andrade, estão no ar.

Drummond escreveu este texto em 1942 para a coletânea Poesias. A priori, retrata a situação de dúvidas, desespero, beco sem saída, de um narrador morador de uma metrópole. Retrata também a falta de esperança de que as coisas possam mudar e ao mesmo tempo torce para que mudem.

Uma outra leitura do poema é o cenário em que o mundo vivia naquele instante.  A Segunda Guerra Mundial, o Nazismo e o Fascismo como ameaças de destruição de um mundo livre eram presentes nos corações e mentes das pessoas. O Brasil vivia em uma ditadura que, até aquele momento, inclinava a apoiar Hitler e Mussolini, aumentando ainda mais as desesperanças da população.

Mais tarde, o poema vai ser relembrado pelos perseguidos pelos militares do Golpe de 64. Vai ser nas grades das cadeias que presos políticos recitavam este texto a todos os pulmões. E agora relembramos nós, pelo menos a pergunta principal: E agora, José? (ou Josés, Marias, Joãos, Ritas …). O que pode acontecer em 2 de Outubro? Ou melhor, o que pode ocorrer até a abertura dos colégios para a coleta de votos?

São nove dias restantes, onde as campanhas estarão redirecionando estratégias de acordo com as pesquisas eleitorais, mesmo que o bolsonarismo insista em dizer às suas bases que as pesquisas mentem, todos sem exceção se orientam pelas consultas. Neste momento, se faz importante citar alguns números:

  • Faltam, de acordo com os agregadores de pesquisas, 1% para Lula vencer em primeiro turno.
  • Como dissemos, mais de 70% das pessoas já definiram o seu voto e não devem mudar.
  • Há uma margem de 8%, que declaram que podem alterar o seu voto.
  • O mesmo percentual se junta aos que ainda não definiram em quem votar.
  • Historicamente, candidato com rejeição acima de 50% não vence as eleições, se não diminuir a reprovação.
  • Nesta ultima semana, as pesquisas de opinião apontam uma tendência ao voto útil nos números.

E é pelo voto útil que vamos prosseguir em nosso texto. O ex-governador do Ceará e ex-ministro de Estado e candidato a presidente, Ciro Gomes, tem sido principal adversário da tática dos apoiadores de Lula em pregar neste momento o voto útil. Campanhas com vídeos e mensagens nas redes sociais de famosos pedem para o eleitor, e alguns deles direcionados aos de Ciro Gomes, votar no petista no sentido de afastar o perigo de golpes propagados pelo bolsonarismo.

O próprio ex-presidente, em seus comícios, já se pronunciou dizendo que falta só um tiquinho e a campanha dele afirmou que a estratégia é nos eleitores do já citado Ciro e da senadora Simone Tebet. Os dois e mais alguns condenam o chamamento ao voto útil, dizendo inclusive se tratar de manobra antidemocrática.

Em nosso entender, o voto útil pode ser comparado ao nulo e branco. São opções, não há nenhum problema politico ou religioso optar por estas alternativas. É claro que podemos questionar as escolhas, mas nunca dizer que não são validas. O ideal, e sempre, é votar na sua preferência. Decerto em um candidato e em seu programa de governo.

Mas não se pode ignorar mudanças ao longo do processo, mesmo que a ideia de “vou votar em que está em primeiro para não perder meu voto” seja equivocada. O importante é votar. Se o escolhido vencer, legal, mas, se não vencer, não há do que se queixar. O eleitor não deve pensar em apenas ganhar. Mas ter claro que, se mudou o voto, foi convencido de que havia uma proposta melhor.

Bom, semana que vem teremos novos elementos para afirmar ou não as estratégias do voto útil ou contrário a ele.

Aguardamos.

Abaixo, para ilustrar este texto, o poema de Drummond.

Até a próxima semana.

E AGORA, JOSÉ?

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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