Direitos sociais dos pacientes oncológicos

por Joice Pio

A construção histórica dos direitos humanos/sociais não ocorreu de forma imediata e sim por meio de inúmeras lutas e revoluções que nos trouxeram para a atualidade. Neste contexto, foram surgindo documentos imprescindíveis., como o Cilindro de Ciro (539 a.C.), sendo considerado o primeiro documento de direitos humanos da histórica pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Além do Cilindro de Ciro, podemos citar outros documentos como, Carta Magna (1215), Declaração de Direitos (BILL OFF RIGHTS), a Lei Áurea (1888), a Declaração Universal Dos Direitos Humanos (1945), dentre outros.

Os documentos citados foram essenciais para o estabelecimento de direitos, até então inexistentes, principalmente aqueles que favorecessem os menos privilegiados, consequentemente ocorreu gradativamente o processo de universalização dos direitos humanos, ou seja, a tentativa de garantir direitos e possibilidades iguais a todos.

Conforme a teoria geracional do jurista Karel Vasak, os direitos humanos são divididos em gerações. A primeira geração teve como marco histórico a declaração universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e representa a liberdade e os direitos negativos e individuais, como por exemplo, o direito a expressão, a presunção de inocência, o direito ao voto, e proteção da vida privada.

A segunda geração representa a igualdade e os direitos positivos e sociais, como o direito a educação, a saúde, ao trabalho, a moradia e transporte. Ao falarmos da terceira geração, tratamos de fraternidade, são os direitos coletivos, os transindividuais, ou, seja, ultrapassam a esfera de um único indivíduo, pode ser citado como exemplo o direito a paz, a comunicação e autodeterminação dos povos.

Especificamente sobre os direitos sociais, que é o tema central do presente artigo, este encontra-se disposto principalmente no artigo sexto da Constituição Federal e apresenta-se como uma prestação positiva do Estado. O agir do Estado pela busca de igualdade social.

O artigo sexto da Constituição Federal, aduz:
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

O direito positivo do Estado e segunda geração dos direitos humanos correspondem o direito a saúde. É sabido que o câncer é considerado um problema mundial, haja vista a incidências dos casos, analisando a última estimativa de 2023 realizada pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), temos as seguintes informações:
O número estimado de casos novos de câncer de mama no Brasil, para o triênio de 2023 a 2025, é de 73.610 casos, correspondendo a um risco estimado de 66,54 casos novos a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de próstata no Brasil, para o triênio de 2023 a 2025, é de 71.730, correspondendo a um risco estimado de 67,86 casos novos a cada 100 mil homens;
O número estimado de casos novos de câncer de cólon e reto (ou câncer de intestino) para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 45.630 casos, correspondendo a um risco estimado de 21,10 casos por 100 mil habitantes, sendo 21.970 casos entre os homens e 23.660 casos entre as mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 20,78 casos novos a cada 100 mil homens e de 21,41 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de estômago para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 21.480 casos, correspondendo ao risco estimado de 9,94 casos por 100 mil habitantes, sendo 13.340 casos em homens e 8.140 casos em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 12,63 casos novos a cada 100 mil homens e 7,36 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos do câncer do colo do útero para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 17.010, correspondendo ao um risco estimado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de tireoide para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 16.660 casos, o que corresponde a um risco estimado de 7,68 por 100 mil habitantes, sendo 2.500 em homens e 14.160 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 2,33 casos novos a cada 100 mil homens e 12,79 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer da cavidade oral para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 15.100 casos, correspondendo ao risco estimado de 6,99 por 100 mil habitantes, sendo 10.900 em homens e 4.200 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 10,30 casos novos a cada 100 mil homens e 3,83 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de linfoma não Hodgkin (LNH) para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 12.040 casos, o que corresponde a um risco estimado de 5,57 por 100 mil habitantes, sendo 6.420 casos em homens e 5.620 casos em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 6,08 casos novos a cada 100 mil homens e 5,08 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de leucemia para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 11.540 casos, o que corresponde a um risco estimado de 5,33 por 100 mil habitantes, sendo 6.250 em homens e 5.290 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 5,90 casos novos a cada 100 mil homens e 4,78 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer do sistema nervoso central (SNC) para o Brasil, a cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 11.490 casos, sendo 6.110 casos em homens e 5.380 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 5,80 casos novos a cada 100 mil homens e de 4,85 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de bexiga para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 11.370 casos, correspondendo a um risco estimado de 5,25 casos a cada 100 mil habitantes, sendo 7.870 casos em homens e 3.500 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 7,45 casos novos a cada 100 mil homens e 3,14 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de esôfago para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 10.990 casos, correspondendo ao risco estimado de 5,07 por 100 mil habitantes, sendo 8.200 casos em homens e 2.790 casos em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 7,76 casos novos a cada 100 mil homens e 2,49 a cada 100 mil mulheres ;
O número estimado de casos novos de câncer de pâncreas no Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 10.980 casos, correspondendo ao risco estimado de 5,07 casos por 100 mil habitantes, sendo 5.290 em homens e 5.690 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 5,00 casos novos a cada 100 mil homens e 5,15 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer de fígado para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 10.700 casos, correspondendo ao risco estimado de 4,95 casos por 100 mil habitantes, sendo 6.390 em homens e 4.310 em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 6,06 casos novos a cada 100 mil homens e 3,89 a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer do corpo do útero no Brasil, para o triênio de 2023 a 2025, é de 7.840 casos, correspondendo ao risco estimado de 7,08 casos novos a cada 100 mil mulheres;
O número estimado de casos novos de câncer da laringe para o Brasil, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, é de 7.790 casos, correspondendo ao risco estimado de 3,59 por 100 mil habitantes, sendo 6.570 casos em homens e 1.220 casos em mulheres. Esses valores correspondem a um risco estimado de 6,21 casos novos a cada 100 mil homens e 1,09 a cada 100 mil mulheres;

O INCA através da estimativa, disponibilizou as informações acima elencadas e possui tabelas e mapas para melhor entendimento, o documento na integra encontra-se no seguinte link: estimativa-2023.pdf (inca.gov.br).
Por meio dos números dispostos, podemos determinar que as incidências dos casos de cânceres, torna-se um problema de saúde pública. Partindo desse escopo e conforme preceitua a Constituição Federal, o direito a saúde é um direito social, de forma que deve ser garantido pelo Estado por meio de políticas públicas.

Desta forma, os pacientes oncológicos possuem específicos, que são:
Saque do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) : Na fase sintomática da doença, o trabalhador cadastrado no FGTS que tiver câncer ou que tenha dependente com câncer poderá fazer o saque do FGTS (Lei nº 8.922, de 1994).

Saque do Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (Pasep): O saque pode ser realizado pelo paciente ou pelo trabalhador que possuir dependente com câncer, desde que na fase sintomática da doença (Resolução nº 1, de 15/10/96 Conselho Diretor do Fundo de participação do PIS/Pasep).

Auxílio-Doença: É um benefício a que tem direito o segurado quando este fica temporariamente incapaz para o trabalho em virtude de doença, por mais de 15 dias consecutivos (Lei nº 8.213, de 1991, arts. 59 a 63), no caso de empregado(a) de empresa e, a partir do primeiro dia de afastamento, no caso de contribuinte individual, facultativo(a) ou empregado(a) doméstico(a). A incapacidade para o trabalho deve ser comprovada por meio de exame realizado pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Afastamento do Trabalho: É um direito do trabalhador, desde que comprovada a necessidade do afastamento através de um atestado médico. De acordo com o artigo 30 da Resolução CFM n0 1851, de 2008, o médico assistente especificará o tempo concedido de dispensa às atividades de trabalho e estudantil, necessário para recuperação do paciente. O médico assistente é o profissional que acompanha o paciente em sua doença e evolução e, quando necessário, emite o devido atestado ou relatório médicos.

Licença para Tratamento de Saúde: É um direito assegurado aos servidores públicos quando este fica temporariamente incapacitado para o trabalho, em virtude de adoecimento. A incapacidade para o trabalho deve ser comprovada por meio de perícia médica realizada pelo órgão público ao qual o servidor está vinculado, de acordo com legislação específica de cada esfera pública (federal, estadual e municipal).

Aposentadoria por Invalidez: É um direito previsto no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) e nos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) dos servidores públicos. A aposentadoria por invalidez é concedida a partir da solicitação de auxílio-doença, desde que a incapacidade para o trabalho seja considerada definitiva pela perícia médica do INSS ou do órgão pagador. A pessoa com câncer terá direito ao benefício, independente do pagamento de 12 contribuições ao INSS, desde que esteja na qualidade de segurado.

Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC): Trata-se de um benefício instituído pela Lei Orgânica de Assistência Social (Loas) e que integra a Proteção Social Básica no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (Suas). Visa a garantia de renda de um salário mínimo mensal 15 ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e à pessoa com deficiência, de qualquer idade, com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. Contudo, para ter direito ao benefício, outro critério fundamental é de que a renda per capita familiar seja inferior a 1/4 do salário mínimo. O critério de renda caracteriza a impossibilidade do paciente e de sua família de garantir seu sustento.

Tratamento Fora de Domicílio (TFD) no Sistema Único de Saúde (SUS): É um programa normatizado pela Portaria SAS nº 055, de 24 de fevereiro de 1999, que tem por objetivo garantir o acesso de pacientes moradores de um município a serviços assistenciais em outro município, ou ainda de um Estado para outro Estado. O TFD pode envolver a garantia de transporte, hospedagem e ajuda de custo para alimentação, quando indicado, e é concedido, exclusivamente, aos pacientes atendidos na rede pública e referenciada.
Isenção do Imposto de Renda na Aposentadoria, Pensão e Reforma: De acordo com a Lei nº 7.713, de 1988, a pessoa com câncer está isenta do imposto de renda relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão, inclusive as complementações recebidas de entidade privada e a pensão alimentícia.

Quitação de Financiamento de Imóvel pelo Sistema Financeiro de Habitação (SFH)em Caso de Invalidez ou Morte: A pessoa com invalidez total e permanente, causada por acidente ou doença, possui direito à quitação, caso haja essa cláusula no seu contrato. Para isso, deve estar inapto para o trabalho e a doença determinante da incapacidade deve ter sido adquirida após a assinatura do contrato de compra do imóvel. Está a cargo do SFH o seguro que garante a quitação do imóvel em caso de invalidez ou morte. É importante verificar se o contrato prevê algum outro tipo de quitação, no caso de acometimento de doenças crônicas, por exemplo.

Isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para Pessoas com Deficiência: O paciente com câncer pode ser isento desse imposto apenas quando apresenta deficiência física, visual, mental severa ou profunda. A isenção poderá ser requerida diretamente pelas pessoas que tenham plena capacidade jurídica ou por intermédio de seu representante legal (pais, tutores ou curadores), conforme estabelece a instrução normativa RFB nº 988, de 22 de dezembro de 2009.

Isenção de Imposto de Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços (ICMS) para Pessoas com Deficiência: É o imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços. Cada Estado possui legislação própria que regulamenta esse imposto. No Estado do Rio de Janeiro, o paciente deve comparecer à Secretaria de Estado de Fazenda da área de sua residência.

Entender os direitos sociais e o dever do Estado pelos pacientes oncológicos trata-se de uma necessidade, haja vista a doença ser considerada a segunda principal causa de morte no mundo e um problema de saúde pública.

Joice Pio é advogada, Membro da comissão de Direitos Humanos e Direito Médico OAB/Limeira. Pós-graduanda em direitos humanos pela Universidade Anhembi Morumbi.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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