Companheiros de Viagem: um passeio nada feliz

por Farid Zaine
@farid.cultura

Aos poucos, muitas histórias de perseguições a homossexuais surgem no cinema e no streaming. Muitos países ainda, em pleno 2023, criminalizam a sexualidade humana, como se a pessoa expressar os sentimentos que a natureza colocou em seu corpo fosse crime. Mesmo países que hoje adotam políticas que respeitam a individualidade e grupos considerados minoritários, também tiveram períodos conturbados em sua história a respeito do assunto.

No Brasil, após muitas conquistas, de vez em quando a esfera política acena para retrocessos. Recentemente, a Globo tem sido acusada de ter vetado um beijo gay na novela “Vai na Fé”. Qual seria a razão? A mesma emissora fez o Brasil parar quando Félix (Mateus Solano) e Niko, o seu Carneirinho (Thiago Fragoso) se beijaram na boca no final de “Amor à Vida”. Atualmente, e em outra produção escrita por Walcyr Carrasco, o casal mais comentado da novela “Terra e Paixão” é o composto por Kelvinho (Diego Martins) e Ramiro (Amaury Lorenzo), personagens que alavancaram a carreira dos dois atores e que contam com enormes e animadas torcidas nas redes sociais.

Estreou no Paramount+ a minissérie “Companheiros de Viagem”, sobre um romance gay na Washington de 1950, em plena era do macartismo. Esse “movimento” iniciado pelo senador Joseph McCarthy poderia parecer apenas uma estúpida e cruel perseguição a todos os suspeitos de serem comunistas, num período de grande tensão entre Estados Unidos e a então União Soviética. Mas essa perseguição, que levou à execução do casal Julius e Ethel Rosenberg, num dos mais controversos processos cujo final foi a condenação à morte dos dois nos EUA, não era apenas pelo medo da espionagem. Intelectuais, artistas, políticos, qualquer um que tivesse seu nome jogado no colo de McCarthy tinha a vida completamente virada pelo avesso. Carreiras eram desfeitas, empregos eram negados, e anos de luta pelo sucesso viravam pesadelos. O macartismo foi além: passou a perseguir brutalmente os homossexuais, chamados de “pervertidos perigosos para a nação”.

A história da minissérie “Companheiros de Viagem” (Fellow Travellers) acompanha principalmente o relacionamento entre Hawkins Fuller (Matt Bomer), homem de carreira promissora nos bastidores da política americana, e Tim Laughlin (Jonathan Bailey), jovem idealista e católico. Os dois se encontram em segredo: ambos sempre tiveram em sua vida oculta muitos casos de sexo com outros homens, sempre em guetos bem escondidos. A paixão entre os dois inevitavelmente levará a desconfianças e denúncias, numa época em que se expor era praticamente declarar guerra aos perseguidores, corruptos e falsos moralistas.

“Companheiros de Viagem” tem como pano de fundo as mudanças que ocorreram nos EUA e no mundo todo, durante o período do romance entre Hawkins e Tim, e podemos acompanhar o caso dos dois vendo passar a Guerra do Vietnã até chegar ao choque da epidemia da Aids.

Com 8 episódios, a série é daquelas que lançam um episódio por semana. A partir deste sábado já são três disponíveis. Maratonar os três e aguardar os outros, um a cada sábado, pode ser um bom convite a revisitar períodos sombrios da história americana, e confrontá-los com dramas que persistem até o presente não apenas nos EUA, e às vezes bem debaixo do nosso nariz.

Companheiros de Viagem (Fellow Travellers, 2023) – minissérie em 8 episódios semanais baseada no livro de Thomas Mollon – Paramount+
Cotação: ****MUITO BOM

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