Brasil Nunca Mais

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Numa ditadura, não daria para fazer uma passeata pela democracia. Na democracia, você pode fazer uma passeata pedindo a ditadura” (Professor Mario Sérgio Cortella)

Dias antes do Golpe Civil Militar de 1964 fazer 60 anos, o presidente Lula comete um de seus maiores equívocos neste terceiro mandato. Em entrevista ao Jornalista Kennedy Alencar, Lula teria dito sobre o 31 de março: “Já faz parte da história” e que “o povo já conquistou o direito de democratizar esse país”. Afirmou, ainda: “Eu, sinceramente, não vou ficar remoendo e vou tentar tocar esse país para frente”.

O presidente, se não tivesse vivido na Ditadura, não tivesse sido preso e perseguido por ela, fundado um partido cujo principal objetivo era o restabelecimento da Democracia, talvez estas palavras tivessem sentido. Mesmo assim não se apaga a História, se coloca a limpo.

Fazer isto é preservar a memória histórica, revelar a verdade e realizar a justiça. Um país só se reconcilia e vive em paz com seu passado, quando ele é refletido à luz dos dias atuais e do futuro.

Não se trata de remoer, se trata de não esquecer dez mil desaparecidos, milhares torturados nos porões do regime, milhares expulsos de suas terras, milhões na miséria e na fome, censura a imprensa e as artes, intervenção e prisões de dirigentes sindicais e seus sindicatos, abolição do Habeas Corpus, fechamento do Congresso e por aí vai.

As declarações do Presidente da República desagradaram democratas e progressistas, sendo uma contribuição pífia para o debate atual e futuro sobre a consolidação do Estado Democrático de Direito.

Na mesma linha, mas coerente com o que sempre pensou, o general, hoje senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão disse: “A história não se apaga e nem se reescreve, em 31 de março de 1964 a Nação se salvou a si mesma!”, escreveu o parlamentar nas redes sociais.

Mourão nunca escondeu seu espírito golpista e de amante de regimes ditatoriais. Comemorar o 31 de março faz jus a seu currículo de trevas e violência. O que dói em militantes como esteve escrevinhador é o fato de uma de nossas maiores lideranças da história se sujeitar por falas infelizes e se confundir com inimigos da nação que fazem ufanismo com a ditadura sangrenta e injusta.

O governo brasileiro erra quando se omite em uma data tão cara a democracia. Não refletir sobre 64 e os 21 anos de repressão é colocar na ignorância histórica, criando uma memória distorcida e errônea. De acordo com o Datafolha, 29% dos entrevistados viveriam, segundo eles, bem em uma ditadura. É muita gente, é perigoso.

Quase o mesmo percentual afirma que o 8 de janeiro não foi golpe de estado e sim uma manifestação patriótica. Espero que Lula refaça sua declaração e reafirme os compromissos éticos com a verdade e a justiça.

Brasil e o país dos golpes

É triste quando pesquisamos a história do Brasil e descobrimos que o maior período democrático é o que vivemos a partir de 1985. Portanto, 39 anos respirando liberdade. Se pensar bem, somos uma nação jovem na democracia. No restante do tempo, considerando os dois impérios e a República, suspiramos liberdade por pouco tempo.

Vivemos em muito envoltos em ditaduras e golpes de estado. Pesquisamos e tivemos os seguintes eventos golpistas, nem todos deram certo para os promotores:

  • Um ano após a Independência em 1823, o Exército invade o Congresso Constituinte, um autogolpe
  • 1840, fim do período Regencial, outro autogolpe.
  • Proclamação da República, sem povo nas ruas, sem um tiro sequer, só militar no palácio de governo.
  • Em 3 de Novembro de 1891, o próprio Marechal Deodoro da Fonseca Presidente de plantão, fecha o Congresso e declara estado de sítio. Mais um autogolpe.
  • A tal “Revolução” de 1930 derruba um presidente eleito e coloca Getúlio Vargas e uma Junta Militar no poder.
  • Golpe do Estado Novo. Getúlio se torna ditador do Brasil em 1937.
  • Em 1945, Vargas é deposto por militares e ministros de seu próprio governo. Fim da ditadura.
  • Em 1955 o General Lott comanda um golpe para garantir a posse de Juscelino Kubitschek.
  • 1961, o estabelecimento do parlamentarismo para evitar a posse do vice-presidente João Goulart na Presidência após renúncia de Janio Quadros.
  • Golpe Civil Militar de 1964.
  • 1968, o AI-5, o golpe dentro do golpe.
  • 2016, golpe civil parlamentar que destituiu do poder a presidenta eleita Dilma Rousseff.

Não colocamos nesta lista as tentativas de golpes, como o de 8 de janeiro, em que a Justiça vem levantando que o governo do senador Mourão foi o mentor intelectual daquele dia fatídico. O País dos golpes existe exatamente porque a história é contada por apenas um lado. Aquele que saía vencedor de golpes e autogolpes.

Outro detalhe importante é que todos os fatos narrados acima tiveram a participação de militares. Não se pode limar dos livros didáticos o debate sobre a Democracia e como ela foi violentada no Brasil, desde o Império.

A vergonha de ter quase 30% da população defendendo ditaduras nos recoloca ao ver a história nossa herança maldita de golpes. Por isto, não é possível admitir que uma liderança do peso de Lula contradiga sua própria trajetória. Em tempos de mundo digital, o que se fala, se escreve, se faz, é registrado para a eternidade. Esperamos que o presidente refizesse sua declaração, e seja coerente consigo mesmo.

Dica cultural

Uma obra muito pouco difundida, em especial nos bancos escolares, completa este ano 45 anos em que foi lançada. Trata-se do relatório “Brasil Nunca Mais”, lançado em 1985, no pós-ditadura militar.

O livro foi articulado por Dom Paulo Evaristo Arns, arcebispo de São Paulo, o pastor presbiteriano James Wright, e o rabino Henry Sobel, com a participação da Comissão de Justiça e Paz da Igreja Católica, de Arquivos da Unicamp e do próprio Superior Tribunal Militar.

Elaborado de forma clandestina entre 1979 até seu lançamento, “Brasil Nunca Mais” teve pesquisas de mais de um milhão de documentos e centenas de depoimentos. Um conteúdo que denuncia a ditadura, como uma das mais sangrentas e violentas do mundo. Fica nossa sugestão para que esta obra seja incorporada nos currículos escolares.

FANTÁSTICO.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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