As artes, os artistas e a Lei nº 9.610/98

Por Mirna Mugnaini Kube

Ao longo da história, homens e mulheres procuraram expressar seus sentimentos e desejos por meio de representações artísticas. Desde as pinturas rupestres, passando pelos quadros renascentistas até as fotografias em alta resolução dos dias atuais ou mesmo por meio da literatura, teatro ou dança, sempre é possível notar que a arte ou a expressão artística acompanham a vida da humanidade.

Por reconhecimento da capacidade do seu criador, toda criação artística leva o nome de seu autor e é por isso que sabemos que Mona Lisa foi pintada por Leonardo da Vinci. Com a exceção de obras clássicas, consagradas ao longo do tempo e facilmente reconhecidas, muitas criações artísticas ainda hoje são objeto de plágio, reproduções indevidas ou exploração ilícita. Para proteger essas obras e manifestações, a Lei confere proteção ao autor que materializa os sentimentos de seu espírito e compartilhados com a humanidade.

No Brasil, há a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) que protege as obras intelectuais oriundas das criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro (art. 7º).

A proteção prevista no artigo 7º da Lei protege, mas não se limita, aos textos de obras literárias, artísticas ou científicas; as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; as obras dramáticas e dramático-musicais; as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra forma qualquer; as composições musicais, tenham ou não letra; as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; e, inclusive, os programas de computador.

Como se vê, a Lei procurou proteger toda, ou a maior parte da criação intelectual que não tenha finalidade industrial, pois estes são objetos de regulamentação específica pela propriedade industrial (Lei nº 9.279/96), que trata de marcas, patentes, desenhos industriais entre outros. Não que a obra artística não possa ser explorada comercialmente, justamente o contrário. A Lei de Direitos Autorais proporciona ao criador a possibilidade de não só protegê-la contra o uso indevido, mas principalmente assegura que os direitos morais e patrimoniais sobre tal criação sejam preservados e gerem frutos de reconhecimento e também financeiros, os chamados direitos morais e patrimoniais do autor.

Segundo o artigo 24 da Lei de Direitos Autorais, são direitos morais do autor o de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra; o de conservar a obra inédita; o de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-lo ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra; o de modificar a obra, antes ou depois de utilizada; o de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem; o de ter acesso a exemplar único e raro da obra, quando se encontre legitimamente em poder de outrem, para o fim de, por meio de processo fotográfico ou assemelhado, ou audiovisual, preservar sua memória, de forma que cause o menor inconveniente possível a seu detentor, que, em todo caso, será indenizado de qualquer dano ou prejuízo que lhe seja causado.

Por sua vez, o direito patrimonial do autor é aquele que o possibilita a utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica (art. 28), dependendo de sua autorização prévia a reprodução parcial ou integral; a edição; a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; a tradução para qualquer idioma; a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário; a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante representação, recitação ou declamação, execução musical, emprego de alto-falante ou de sistemas análogos, radiodifusão sonora ou televisiva, captação de transmissão de radiodifusão em locais de frequência coletiva, sonorização ambiental, a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado, emprego de satélites artificiais, emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados; exposição de obras de artes plásticas e figurativas; entre outros previstos no artigo 29 da Lei de Direitos Autorais.

Uma observação importante é que os direitos morais do autor são inalienáveis e irrenunciáveis, motivo pelo qual um artista jamais poderá dizer que a obra que ele criou agora será de autoria de outra pessoa, pois o criador e sua criação artística são inseparáveis. Logo, ninguém poderá dizer que o livro “O Pequeno Príncipe” não foi escrito por Antoine de Saint-Exupéry.

No entanto, os direitos patrimoniais sobre a criação artística seguem um caminho diferente, pois, possuem prazo de vigência que, em regra, é de 70 (setenta) anos a partir do ano seguinte ao falecimento de seu autor (art. 41); ou da publicação em obras anônimas pseudônimas (art. 43); ou, ainda, do ano posterior à divulgação das obras audiovisuais e fotográficas. Além do prazo, os direitos patrimoniais podem ser alienados, isto é, cedidos para uso ou exploração comercial de outras pessoas, sendo o exemplo clássico a edição de livros ou a distribuição de filmes.

De toda forma, é importante que o artista tome as medidas necessárias para preservar os direitos morais e patrimoniais de sua criação, registrando-a, via de regra, na Biblioteca Nacional, órgão competente para o registro das obras intelectuais no Brasil, regidas pela Lei de Direitos Autorais.

O registro da obra intelectual, isto é, a literária, artística ou científica, além de permitir maior segurança jurídica para sua comercialização ou exploração, facilita a proteção por vias judiciais na hipótese de uso indevido da criação do autor, proporcionando-lhe maior agilidade e certeza no momento de requerer uma ordem judicial para inibir, proibir ou reparar os danos de eventual ilícito praticado por terceiros.

Ainda que pessoas má intencionadas estejam dispostas a se aproveitar das criações artísticas, literárias ou científicas da humanidade, certo é que o direito autoral está aí para proteger a livre criação do espírito!

Referência: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm

Mirna Mugnaini Kube é advogada, pós graduada em Direito Processual Civil, atua na área consultiva e contenciosa estratégica cível, com destaque em Propriedade Intelectual, especialmente direitos autorais. E-mail: mirnakube@hotmail.com

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