A produção antecipada de provas e a arbitragem, o que podemos esperar?

por Gabriela Harmes de Aquino Veloso

O Código de Processo Civil (CPC) de 2015, atendendo às súplicas da doutrina, trouxe dentre as suas modificações a figura do instituto da produção antecipada de provas como uma ação autônoma, isso quer dizer que o referido instituto deixou de ser uma medida cautelar específica, utilizada apenas para casos urgentes e com risco de perecimento, e passou a ser admitido sem limitação de objeto e principalmente desvinculado do requisito da urgência. 

Conforme determinado nos artigos 381 e seguintes do CPC, a produção antecipada de provas será admitida quando “(I) haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; (II) a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflito; e (III) o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação.” 

Deste modo, podemos afirmar que, com a referida inovação, o procedimento autônomo de produção de provas passou a ter um importante caráter consultivo, por meio do qual é possível aferir tanto a viabilidade ou não do manejo de uma ação principal, quanto possibilitar a autocomposição ou outro meio adequado de solução de conflitos, gerando assim uma considerável redução de custos e de tempo para as partes, bem como para o próprio Poder Judiciário, que possivelmente se beneficiará com a redução do número de demandas judiciais. 

Diante desse fenômeno que já vem subjugando os Tribunais de todo o País, surgiu o debate quanto à aplicabilidade deste Instituto perante as regras da arbitragem, controvertendo se, mesmo diante da existência de uma cláusula compromissória arbitral, seria possível, utilizando a regra da competência (provisória e precária) do Poder Judiciário estabelecida no artigo 22-A da Lei de Arbitragem, propor uma ação antecipada de provas diretamente perante o Juízo Estatal, sem a presença do requisito de urgência, com o escopo de, utilizando o seu viés consultivo, possibilitar às partes a oportunidade de solucionar o conflito sem que houvesse a necessidade específica da instauração do Tribunal Arbitral e seus elevados custos. 

Apesar de a produção antecipada de prova em nada se confundir com a ação ou medida cautelar pré-arbitral, prevista no artigo 22-A da Lei de Arbitragem, o que se pretende é de fato utilizar a competência provisória e temporária da Jurisdição Estatal, já admitida no referido dispositivo, para salvaguardar o objeto do futuro procedimento arbitral, em observância ao princípio da cooperação. 

Pois bem, apesar da discussão acalorada da doutrina e da jurisprudência sobre o tema, há quem defenda a competência do Judiciário para propor a ação antecipada de prova sem a presença do requisito da urgência antes de instaurada a arbitragem, ainda que as partes tenham convencionado a resolução de conflitos por meio de arbitragem, como é o caso do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). 

Segundo o Desembargador Azuma Nishi, componente da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, “o artigo 22-A da Lei de Arbitragem estabelece que, enquanto não instituída a arbitragem, as partes poderão recorrer ao Poder Judiciário para a concessão de tutela cautelar ou de urgência. Entretanto, a medida cautelar ou de urgência a ser invocada perante o Judiciário limita-se aos casos em que já está configurado o litígio, pois, nestas hipóteses, se existir cláusula arbitral, desloca-se para o juízo arbitral a competência, passando o Judiciário a atuar de forma precária, ou seja, apenas para solução de questões urgentes que surgirem enquanto ainda não instalado o painel arbitral. Desse modo, não apenas as medidas urgentes podem ser propostas peranteo Judiciário com fundamento no artigo 22- A2 da Lei de Arbitragem; também as medidas preparatórias, ou as chamadas medidas de apoio à arbitragem, como é o caso em tela, que visa a exploração de eventual cabimento da ação, na qual se busca avaliar se existem elementos que evidenciem ou justifiquem a necessidade de iniciar a disputa arbitral, no caso da existência de cláusula arbitral para dirimir disputas, acordada pelas partes. (…)” (Apelação Cível nº 1064959- 90.2019.8.26.0100, Rel. Azuma Nishi, 1a Câmara Reservada de Direito Empresarial, DJe 03/07/2021)” 

Ocorre que, contrariando completamente a referida tese, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), julgando, recentemente, o Recurso Especial nº 2.023.615/SP, de relatoria do ministro Marco Aurélio Bellizze, entendeu que “a estipulação de compromisso arbitral atrai inarredavelmente a competência do Tribunal Arbitral para conhecer a ação de produção antecipada de provas.” 

O caso julgado tratou-se de uma ação antecipada de provas proposta pelos autores, acionistas minoritários da companhia demandada, os quais objetivavam tomar conhecimento, mediante a apresentação de documentos e realização de prova pericial, dos fatos verdadeiramente ocorridos na companhia, correlacionados atuação, supostamente criminosa, praticada por seus administradores. 

Segundo descrito na referida decisão “Uma vez estabelecida a cláusula compromissória arbitral, compete, a partir de então, ao Juízo Arbitral solver todo e quaisquer conflitos de interesses, determinados ou não, advindos da relação contratual subjacente, inclusive em tutela de urgência, seja acautelatória, seja antecipatória. Todavia, com o escopo único de viabilizar o acesso à Justiça, na exclusiva hipótese de que a arbitragem, por alguma razão, ainda não tenha sido instaurada, eventual medida de urgência deverá ser intentada perante o Poder Judiciário para preservar direito sob situação de risco da parte postulante e, principalmente, assegurar o resultado útil da futura arbitragem. Ressai evidenciada, nesse contexto, a indispensável cooperação entre as jurisdições arbitral e estatal. (…) Afigurando-se indiscutível o caráter jurisdicional da atividade desenvolvida pela arbitragem ao julgar ações probatórias autônomas, as quais guardam, em si, efetivos conflitos de interesses em torno da própria prova, cujo direito à produção é que constitui a própria causa de pedir deduzida – e resistida pela parte adversa –, a estipulação de compromisso arbitral atrai inarredavelmente a competência do Tribunal Arbitral para conhecer a ação de produção antecipada de provas. A urgência, “que dita impossibilidade prática de a pretensão aguardar a constituição da arbitragem”, é a única exceção legal à competência dos árbitros. Doutrina especializada.” 

Logo, diante desse novo cenário, tem-se que, apesar da referida decisão não possuir caráter vinculante, é vista como um importante marco para a discussão, não restando dúvidas quanto a sua possível influência nas demandas em curso, isso porque o STJ foi cirúrgico ao afirmar que, ante o indiscutível caráter jurisdicional do Juízo Arbitral, toda e qualquer pretensão, inclusive a ação de produção antecipada de provas, fundada nos incisos II e II do artigo 381 do CPC/2015, deverá ser submetida ao Tribunal Arbitral, em benefício ao princípio da autonomia da vontade externalizado na cláusula compromissória, sendo a Jurisdição Estatal provisória e precária, devendo ser acionada apenas e tão somente em caso de urgência. 

Deste modo, considerando, pelo menos neste momento, o referido entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o que podemos esperar é, primeiramente, uma atenção ainda maior nas elaborações das cláusulas compromissórias arbitrais, haja vista que, não havendo qualquer excepcionalidade, toda e qualquer discussão relativa à produção antecipada de provas será discutida em sede arbitral, bem como uma mudança urgente na atuação das instituições de arbitragem para, seguindo este caminho, possam criar um regramento que beneficie e auxilie a produção antecipada de provas, gerando um procedimento mais célere e menos oneroso. 

Gabriela Harmes de Aquino Veloso é advogada e sócia da área de Contencioso Cível Geral de Martorelli Advogados.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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