Por João Geraldo Lopes Gonçalves
“E que as crianças cantem livres sobre os muros
E ensinem em sonho ao que não pode amar sem dor
E que o passado abra os presentes pro futuro
Que não dormiu e preparou
O amanhã é seu, o amanhã é seu, o amanhã é seu”
(Trecho da canção Que as Crianças Cantem Livres, Taiguara”)
CHOURIÇO
O pai do garoto, um metalúrgico da Freios Varga, para complementar renda, comprou um bar no bairro onde morava.
Durante o dia, a mulher abria o estabelecimento e, como não tinha com quem deixar as crianças, as levava junto.
A família passa o dia todo no bar e já conhecia toda a vizinhança.
O mais velho estudava de manhã e à tarde, corria para ajudar a mãe no novo negócio.
Mas a ideia era brincar, afinal de contas, era uma criança.
Nas imediações, morava um adolescente, cujo apelido (racista) era Chouriço. Tinha uns 14 anos.
O menino negro gostava de futebol, então a diversão era brincar de golzinho na rua e na mesa de pebolim.
Ao lado do comércio da família, mora um soldado da Polícia Militar, um sujeito até simpático, mas que endurecia a fala e o comportamento, todas as vezes que se depara com Choriço.
“Circulando, Bandidinho de merda”, proferia discursos destes aos berros, isto quando não desferia bofetões na cabeça e chutes na bunda.
Virava e mexia, o garoto ficava dias sem aparecer e, quando aparecia, vinha com o corpo ralado e cheio de hematomas.
A mãe sempre tentava impedir os maus tratos do policial e, quando Chouriço aparecia machucado, ela buscava saber o que tinha acontecido.
A resposta era sempre a mesma: “caí jogando bola, não foi nada”.
Mas para o mais velho dos filhos, o adolescente não escondia: “Foi o Poliça e seus amigos meganhas”. “Vamos falar pra minha mãe”. Não, dizia Chouriço, guarda segredo, senão te dou uns tapas moleque.
Um dia, Chouriço desapareceu. E os dias de sumiço viraram mais de um mês, até que o jornal traz uma notícia: “Corpo de um meliante preto foi encontrado morto em um matagal na cidade. Segundo a polícia, quem o matou foi o esquadrão da morte”.
A matéria terminava com a frase: Bandido bom é bandido morto.
PIXOTE
O mais velho, adorava cinema. Lembra que assistiu um filme pela primeira vez, aos nove anos de idade. Era uma película de western Italiano, os famosos espaguetes de Bang-Bang.
A paixão continuou na vida adulta e gostava de assistir com seu pai, outro cinéfilo.
Em 1980, com 17 anos, convidou o Pai, para juntos verem o filme “Pixote a Lei do mais fraco”, direção de Hector Babenco, com Marília Pera no elenco e dezenas de adolescentes, a maioria deles vindo de favelas e da periferia.
Foi a primeira vez que ouviu falar da instituição FEBEM (Fundação de Bem-Estar do Menor-, e ficou horrorizado com o que viu.
O lugar era mais parecido com uma cadeia, o tratamento aos “menores” era de borrachada, torturas, maus tratos, em um ambiente sujo e perigoso, com os agentes do Estado que deveriam proteger e ajudar na reabilitação, cumpriam um papel de carrascos.
Fernando Ramos Pinto, o garoto Pixote, quando fez o personagem tinha nove anos e vinha de uma família pobre. O filme foi um sucesso e Fernando tentou carreira de ator. Mas, semianalfabeto, foi demitido da Rede Globo, pois tinha dificuldades de decorar texto. Voltou para a miséria e ao crime.
Foi morto pela Polícia.
O BEBÊ
Um relato de populares narra o seguinte: Uma pessoa, ao ir à farmácia de seu bairro, se deparou com uma cena aparentemente inusitada.
Um casal, com um bebê no carrinho, e outro no ventre da mulher, foram abordados pela Polícia Militar e duas conselheiras tutelares.
Ao checar do que se tratava cidadãos, relatam a seguinte situação:
“O casal em tudo indica mora na rua, e o conselho tutelar teria sido acionado por uma liminar da Justiça, ordenando que o bebê fosse retirado dos pais e encaminhado para um abrigo”.
Ao questionar uma das conselheiras, receberam a resposta: “Só estou cumprindo ordens judiciais”.
Sai no carro da PM, deixa a mulher grávida, que deveria também receber socorro e assistência e, o que é pior, nem o carrinho da criança as conselheiras levaram.
O ECA
Os três relatos acima são reais, guardando nomes e localizações.
Casos ocorridos em três épocas e décadas distintas, onde em duas delas não havia uma legislação protetiva e defesa da criança e adolescente.
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) surge em 1990, e será um marco nas políticas públicas voltadas para nossas crianças. O Estatuto Brasileiro é referência para o mundo, pois apresenta um conjunto de políticas de preservação e garantia de direitos, as crianças e suas famílias.
Em 1979, a ONU dedicou o Ano Internacional das Crianças, estimulando debates em todo o planeta e, em especial no Brasil, sobre o papel do Estado e da sociedade civil nesta faixa da vida.
Decerto que levamos uma década, para primeiro consagrar na Constituição de 1988, as crianças e adolescentes como prioridade do Estado, cabendo a população dar sua contribuição participando das políticas de proteção e defesa.
Conceitos como lugar de criança é na escola, criança não pode passar fome, criança não é caso de polícia e que criança precisa de suas famílias, foram contempladas no ECA a partir de 1990.
Por isto em pleno ano de 2023, em pleno século da era da informação é inadmissível que conselheiros tutelares, um dos órgãos de proteção garantidos no ECA, ajam como se fosse polícia a serviço da repressão, como no caso do bebê citado aqui.
O Estatuto da Criança e do Adolescente foi um avanço nas políticas do Estado, se cumprido à risca podemos evitar histórias como a de Chouriço e Pixote (Fernando), bem como ter uma atuação mais digna e humana, como no caso do bebê da farmácia.
ELEIÇÕES DO CONSELHO TUTELAR
Como já dissemos, um dos órgãos de proteção a nossas meninas e meninos é o Conselho Tutelar.
A função do conselho, formado por cinco pessoas eleitas diretamente pela população, é garantir direitos, consagrados no ECA, na Constituição Federal e em legislação pertinente.
Os conselheiros não são organismos auxiliares de juízes das varas da infância, nem tão pouco devem agir feito policiais. O papel é a defesa, na proteção da criança e do adolescente, garantindo sua inclusão na sociedade.
Em Limeira, temos eleição para três conselhos. No dia 1º de Outubro , das 8h às 17hs, infelizmente em apenas oito locais de votação, em uma cidade com mais 220 mil pessoas aptas a votar.
O voto não é obrigatório, e basta levar um documento com foto. A escolha é de somente um candidato, são 43 no total, para 15 vagas. Votar é muito importante. Estamos falando do futuro de nossas crianças e jovens.
Não deixe de votar.
EM TEMPO: Vou deixar meu protesto registrado aqui em relação aos locais de votação. São poucos, como já mencionamos, e pelo menos três vão concentrar mais de cem urnas ou secções: Escola Prada: 170, Escola Senai: 149, Escola Mario Covas: 112. Sem falar que um eleitor que mora no Jd. Olga Veroni tem que se deslocar até o Senai ou o Prada. E a pergunta é: terá transporte gratuito no dia?
Penso que a Prefeitura Municipal e o CMDCA (Conselho Municipal da Criança e do Adolescente), responsáveis pelo processo, devem dar estas respostas.
A todas as meninas e meninos, um bom fim de semana.
João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.
Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar
Deixe uma resposta