por Farid Zaine
@farid.cultura
Em Corumbataí (SP), pequena cidade onde nasci, desde cedo me impressionava a liturgia da Igreja Católica na Semana Santa. Havia uma procissão na sexta-feira em torno da Igreja de São José, e eu ficava fascinado com a encenação que ocorria ao redor da praça principal, principalmente com o canto em latim de Verônica, que de tempos em tempos subia em um banco e desenrolava a imagem de cristo pintada em um pano, simbolizando o conhecido milagre. Ao final de cada estação da Via-Sacra, uma matraca ecoava, reinando em seguida um pesado silêncio.
Em 1991, ao assumir pela primeira vez a Secretaria de Cultura de Limeira, eu quis trazer aquelas impressões da infância para uma montagem da Paixão de Cristo. Eu tinha sido motivado pelo fato de, ao pesquisar a história da Gruta , ser notório um símbolo: a Gruta possui 33 degraus, e Jesus tinha 33 anos quando foi crucificado. Logo solicitei ao diretor de teatro Carlos Jerônimo Vieira, professor da Emcea (Escola Municipal de Cultura e Ares), que montasse um espetáculo para ser encenado na Praça Toledo Barros, com a Gruta da Paz como cenário natural.
Assim foi feito. Auxiliado por Renata Aldrighi, Jerônimo escreveu o texto, e mais de 100 pessoas se apresentaram para participar da montagem. Minha orientação foi que o espetáculo levasse o nome de “Via-Sacra”, e não “Paixão de Cristo” como era comum ser chamado em todas as cidades, com o slogan “A maior história de todos os tempos contada pelo povo de Limeira”, e tivesse foco nas 14 estações da Via-Sacra.
E assim aconteceu a primeira edição, com uma multidão se emocionando e aplaudindo o primeiro elenco, encabeçado por Vicente Mosciaro Neto, que interpretou Jesus, participando depois em algumas edições subsequentes, juntamente com Vilma Daniel, que foi Maria, e a cantora Vera Schneider, a primeira Verônica. Eu fazia a direção geral e a direção de sonoplastia, juntamente com Joaquim Prado. Como na procissão de Corumbataí, ao final de cada estação o elenco “congelava” e uma matraca ecoava pela Praça. Era de arrepiar. Os momentos mais dramáticos mostravam Jesus subindo a Gruta com a cruz nos ombros, e sua crucificação era acompanhada por efeitos sonoros e luminosos. A ressurreição mostrava uma apoteose de luzes e fogos de artifício.
O tempo passou, os fogos foram eliminados, muitos profissionais dirigiram a montagem da Via-Sacra, pessoas cresceram e nunca deixaram de participar, filhos de pais que se envolveram nos primeiros anos passaram a integrar o elenco. Histórias se multiplicaram sobre as diferentes montagens que atravessaram três décadas.
Atualmente, atendendo a um programa do governo do prefeito Mario Botion, adotamos também a descentralização da Via-Sacra, que desde 2017 tem sua pré-estreia em um bairro da cidade. O espetáculo foi se modificando até se transformar em 2019 num musical, antigo sonho meu, inteiramente escrito, musicado e interpretado por talentos da cidade.
Em 2023, após a reclusão imposta por uma cruel pandemia, a “Via-Sacra” , em sua 31ª edição, chega ao Parque Cidade, pela primeira vez no palco novo construído naquele local. Novamente, a direção é de Carlos Jerônimo Vieira, tendo como assistente Ariane Martins. Jesus é interpretado pela segunda vez pelo ator, cantor e regente Diego Lago. Com a cenografia de Guto Oliveira, o espetáculo ganhou uma dimensão impressionante , que garantiu mais beleza e emoção à encenação.
Lembramos com carinho e respeito o querido Emiliano Bernardo da Silva que, nos anos 1960 , nas escadarias da Catedral de Nossa Senhora das Dores, fez a primeira encenação da Paixão de Cristo ao ar livre em Limeira. Temos certeza de que honramos sua memória, ao criar e manter a Via-Sacra, agora um dos mais longevos espetáculos sobre a Paixão de Cristo em todo o país.
Hoje, dia 8 de abril de 2023, a 31ª edição da “Via-Sacra” tem sua última apresentação no Parque Cidade, com novas cenas que incluem uma folia de Reis, a recriação da imagem de Nossa Senhora das Dores e uma ousada visão sobre a tentação de Cristo pelo demônio, acompanhado de seus súditos. Na trilha sonora, uma homenagem à cantora Vera Schneider, primeira Verônica, falecida em 2020. A atriz Allegra Lorenzo participa da homenagem, ela que é a Verônica deste ano.
Que a “Via-Sacra”, evento cultural que une a arte à fé cristã, permaneça vivo em nossa cidade, para que o povo de Limeira continue contando e cantando a maior história de todos os tempos.
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