PGR reitera no STF que tese da “legítima defesa da honra” para absolver acusado de feminicídio é inconstitucional

“Na escala de valores, a vida humana sagrada, mormente a da mulher, não há de ceder diante da invocada ofensa à honra de quem quer que seja”. Com essa afirmação, o procurador-geral da República, Augusto Aras, iniciou a sustentação oral na qual defendeu a inconstitucionalidade da tese da “legítima defesa da honra”, durante a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quinta-feira (29). O tema está em debate no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT), e deve ser retomado na sessão desta sexta-feira (30).

Augusto Aras destacou que a tese da legítima defesa da honra viola os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Para o procurador-geral, atentar contra a vida de uma pessoa, que supostamente tenha lesionado a honra de alguém, não tem nenhuma utilidade para repelir a suposta lesão, já consolidada, além de revelar-se desproporcional à gravidade da conduta lesiva. “A conduta de matar alguém ‘em defesa da honra’ não traz em si o uso moderado de meios necessários para repelir injusta agressão a direito seu ou de outrem, como exigido pela norma penal. Primeiro, porque não há direito objeto de injusta agressão, e, segundo, porque não há uso de meio moderado”, salientou.

Em outro ponto da sustentação oral, o procurador-geral destacou que, apesar de o argumento da legítima defesa da honra ter sido usado ao longo do tempo pela defesa de acusados de crimes contra a vida de mulheres, em referência à prática de adultério, o ordenamento jurídico não abarca a possibilidade da sua invocação válida. Augusto Aras explica que o Código Penal de 1940 previa como hipótese não excludente da imputabilidade penal – ou seja, a culpabilidade –, a prática do crime sob influência de emoção ou paixão. E destacou que essa regra continua vigente.

Portanto, frisou que, “no âmbito das excludentes de ilicitude, não se depara com a previsão legal da denominada ‘legítima defesa da honra’, e os que advogam pela sua utilização sustentam que ela estaria abarcada na figura da legítima defesa”. Segundo ele, a própria definição legal de legítima defesa exclui a possibilidade de que a categoria citada alcance a honra do indivíduo.

O PGR também citou a legislação nacional e internacional que trata da proteção à vida, em especial, com a efetiva garantia da integridade e da dignidade da mulher, mediante a prevenção e repressão de qualquer tipo de violência, inclusive da que se pretenda justificar em nome da ‘legítima defesa da honra’. “Nenhuma tentativa de justificar o assassinato de mulheres, com benefício a seus algozes, haverá de ser tolerada, sob pena de afronta imediata a preceitos constitucionais da máxima relevância, contribuindo-se para a perpetuação da impunidade em crimes dessa natureza e o aumento de número já alarmante de mortes”, alertou.

Tribunal do Júri – O procurador-geral também se manifestou acerca dos casos nos quais a tese da legítima defesa da honra é usada nos julgamentos realizados pelo Tribunal do Júri. Segundo ele, é preciso compatibilizar o reconhecimento da inconstitucionalidade da tese da legítima defesa da honra com os princípios da plenitude de defesa como princípio constitucional essencial do Júri e da soberania dos veredictos.

Para Augusto Aras, é compatível com o princípio da plenitude de defesa no Júri proibir que a tese seja suscitada como argumento de defesa do acusado, mesmo sem exposição explícita, mas com força para induzir os jurados à sua consideração. Nesse sentido, o PGR manifestou-se pela procedência dos pedidos apresentados na ADPF 779 e defendeu que a Corte confira interpretação conforme à Constituição aos artigos 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal, e artigos 65 e 483, parágrafo 2º, do CPP, para fixar os seguintes entendimentos:

1) É inconstitucional, e não está abarcada pelo instituto da legítima defesa, a tese da “legítima defesa da honra”, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero;

2) é vedado à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao Juízo a utilização, direta ou indiretamente, da tese de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o Tribunal do Júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento, com base no art. 593, III, “a”, do CPP;

3) é válida a interposição de apelação da decisão do júri que absolve o acusado do crime de feminicídio com base no quesito genérico do art. 483, § 2º, do CPP, quando provada a materialidade e a autoria do crime, fundamentado o recurso no art. 593, III, “d”, do CPP, por manifesta contrariedade à prova dos autos.

Denúncia recebida – Também na sessão desta quarta-feira (29), o STF recebeu, por unanimidade a denúncia contra o deputado federal Otoni de Paula. Em 2020, a Procuradoria-Geral da República ajuizou ação penal contra o deputado pelos crimes de difamação, injúria e coação no curso do processo. Otoni realizou duas transmissões ao vivo pela Internet, nas quais imputou fatos afrontosos à reputação do ministro Alexandre de Moraes e ofendeu a dignidade e o decoro do magistrado, além de empregar violência moral e grave ameaça para coagir o ministro do STF.

Em sustentação oral no início do julgamento da Petição 9.007, em junho deste ano, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defendeu o recebimento da denúncia contra o parlamentar. Ela destacou que a denúncia descreve, de forma detalhada, clara e objetiva, os fatos imputados ao deputado Otoni de Paula, inclusive com a indicação de cada uma das ofensas proferidas e circunstâncias de tempo e lugar, permitindo a compreensão das condutas efetuadas e o exercício da ampla defesa. “As imputações são corroboradas e comprovadas pelo conteúdo dos vídeos e das postagens feitas pelo ofendido na Internet”, disse Lindôra, que afirmou estarem preenchidos os requisitos que autorizam o recebimento da ação penal.

Fonte: MPF
Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

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