Cinco histórias e a mesma consciência: a luta por justiça

No mês da Consciência Negra, a Comissão de Igualdade Racial da 35aª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em Limeira, homenageou cinco advogados da cidade que têm muita história para contar: Luiz Roberto Rocha, José Benedito dos Santos, Luis Antonio Machado, José Benedito de Barros e José Carlos Brandino.
Também para o DJ, conhecer a trajetória de cada um é uma forma de reconhecimento e de valorização.

Luiz Roberto Rocha


Ele foi, por décadas, advogado na Comarca de Limeira e sua trajetória foi marcada desde o início por grandes rompimentos de barreiras sociais e raciais. Possivelmente, diz a publicação, ele foi o primeiro negro neste município a se formar advogado e exercer o ofício. São desconhecidos registros históricos de que outro negro tenha exercido anteriormente a advocacia na cidade.
Filho de pai analfabeto e mãe do lar, sua realidade não era diferente da maioria dos negros daquela época, mas por persistência, foi o único de quatro filhos a conseguir um diploma universitário, um feito de indescritível orgulho para ele e toda família.
Superando inúmeras dificuldades e adversidades, com muito esforço, determinação, dedicação e amor à profissão, graduou-se no ano de 1973, portando a jovial inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil, sob o nº 39.518. Teve intensa e reconhecida atuação nas áreas trabalhista, criminal e cível, com mais ênfase nesta última, com dedicação ao ofício por mais de 25 anos.
Em 1977, ainda no início de sua jornada, o Dr. Rocha (como é conhecido) alçou voo na política e elegeu-se vereador, sendo o primeiro negro nesta comarca a obter tal título (1977 a 1982). Sempre interessado e envolvido nas questões e direitos dos negros, sua luta persiste até hoje e, para ele, o estudo é uma das melhores formas de gerar oportunidade para os negros. Porém, lamenta profundamente que as lutas, dificuldades, segregações e rejeições pouco mudaram desde sua juventude.
Aos negros ainda há poucas oportunidades de acesso à educação de qualidade, aos bons empregos, especialmente em função de destaque e em cargos políticos, herança dolorosa de um racismo estrutural que, sistematicamente, é negado pela sociedade. Com pontos de partida tão claramente desiguais, o Brasil é um dos países com maior injustiça e menor reconhecimento aos direitos do seu povo negro, diz a publicação.
Desta forma, o Dia da Consciência Negra, deve ser lembrado como o dia para refletirmos nosso papel na sociedade, nossos direitos e nossa incansável luta pela igualdade racial, em que o negro deixará de ser visto como uma mão de obra barata e descartável.

José Benedito dos Santos


Nascido em 12 de julho de 1951 em Limeira, na Rua Limeira, Vila Queiroz, o advogado é filho de Benedito Aparecido dos Santos e Benedicta Alves dos Santos. Ele tem quatro irmãos: Veraiz Aparecida, Maria Aparecida, Elisabete e Alberto Tadeu. Casado desde 1981 com Jussara Aparecida Silva dos Santos, tem uma filha, Kizzi Lecy dos Santos, que é fonoaudióloga, mestre em Educação, proprietária do Espaço Terapêutico Intervivências. Dr. José Benedito graduou-se em Direito em 1990 e obteve sua inscrição na OAB/SP no ano seguinte com o número de registro 112.451. Ele fez vários cursos de especialização na área de Direito Civil, Direito Penal e Direito Trabalhista.
Mas José Benedito começou a trabalhar bem antes disso. Aos 12 anos, iniciou como Office Boy na Alfaiataria Fracalloci. Dos 13 aos 14 anos trabalhou na Fundição de Justiniano dos Santos Pereira. De 1966 a 1996 trabalhou na Indústria de Máquinas Matisa, onde passou pelas funções de pintor, retificador e torneiro mecânico. No período de 1991 a 1996 acumulou a função de Torneiro Mecânico com a de Advogado e, gradativamente, realizando a transição de carreira. Neste período, conseguiu conciliar as duas funções graças aos auxílio dos Drs. Luís Roberto Rocha e Carlos Roberto Rocha, aos quais diz que será eternamente grato. Após aposentar-se da função de Torneiro Mecânico, dedicou-se exclusivamente à advocacia, sendo que em 1997 iniciou uma parceria com os Drs. Marco Antônio de Barros e Sérgio Darley Lino (in memorian). Atualmente, além de advogar, atua como Conciliador/Mediador junto ao Cejusc; faz parte da Comissão de Igualdade Racial da OAB e da Comissão de Direitos e Prerrogativas do Advogado da OAB; presta serviços voluntários e exerce algumas atividades em associações da cidade e também atua na Defensoria/OAB. Prestes a completar 30 anos exercendo a função de advogado, tem muito a agradecer e muitas histórias para contar. Dentre elas, citou o período em que teve sua primeira secretária, que hoje é sua companheira de profissão, a Dra. Zuleide B. Santos Pacheco, sendo que até a presente data, mantém a sociedade com o Dr. Marcos Antônio de Barros. Ele informou que foram 30 anos de muito aprendizado, muitas conquistas, algumas derrotas, muitas partilhas e muitos desafios. A frase que traduz seu amor pela profissão é: “Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina há falta de amor. Um é a sombra do outro” (Carl Tung).
Sobre a data que lembra a Consciência Negra, ele quis ressaltar que tudo é possível quando há educação embasada no meio familiar, onde os pais lutam incansavelmente para darem aos filhos aquilo que não tiveram, uma. “Hoje vemos muitos negros formados nas diversas vertentes do saber humano, destacando-se por suas inteligências de alto grau e competitividade absoluta, comprovada com outras etnias”.
Também disse: “Consciência é um atributo pelo qual o homem pode conhecer e julgar sua própria realidade, sendo que não podemos esquecer que somos dotados de capacidade e aptidão para vencermos e conquistarmos nossos objetivos, pessoais ou coletivos. Devemos lutar, sabendo que o estudo é a arma mais poderosa!”.

Luis Antonio Machado


Dr. Luis Machado nasceu em 15 de maio de 1955. Ele e mais quatro irmãos foram criados e educados exclusivamente pela mãe, que era cozinheira e conseguiu com que quatro deles concluíssem o ensino superior. Dr. Luis tem três filhos e se formou em Direito na Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) em 1980. Possui mais de 24 anos de experiência na área pública, tendo ocupado os seguintes cargos:

Prefeitura Municipal de Limeira
1983 a 1986: Fiscalização Tributária
1986 a 1993: Procurador Jurídico
1997 a 2002: Diretor de Direito Tributário
2002 a 2004: Diretor de Direito Administrativo II

SAAE – Serv. Autônomo de Água e Esgoto de Limeira
2005 a 2008: Diretor Jurídico

Câmara Municipal de Limeira
2009 – Diretor Administrativo
2010 – Diretor de Consultoria Jurídica Técnico Legislativo

Além de extenso histórico profissional na prestação de serviços na área pública de Limeira, o Dr. Luis se engajou em diversos cargos voluntários, inclusive em organizações cujo foco é a defesa dos interesses da população negra. Em suas atividades voluntárias, o Dr. Luis foi Vice-Presidente e Conselheiro do COMICIN (Conselho Municipal dos Interesses dos Cidadãos Negros; Presidente do Conselho Deliberativo e Vice-Presidente da Diretoria Executiva do Grêmio Limeirense; Vice-Presidente da AAL (Associação dos Advogados de Limeira); Presidente da Diretoria do ECE (Esporte Clube Estudantes).
Sobre a data da Consciência Negra, ele diz ser necessária para que as pessoas não se esqueçam do passado, para que reflitam sobre as batalhas enfrentadas, dificuldades e conquistas obtidas pelo povo negro brasileiro. Rememorou a luta para que referida data passasse a ser feriado municipal, possívelcom muita persistência do padre Maurício na política local.
Dr Luis lembra do padre Maurício que sempre teve o objetivo de dar maior visibilidade à população negra, tentando fazer com que o negro conquistasse um lugar de destaque junto ao poder público em condições de igualdade, muito além da promulgada lei de cotas que, quiçá, nem tem sido respeitada.

José Benedito de Barros


Ele tem 60 anos, é casado e nasceu em Itambaracá-PR. Até aos 21 anos, viveu na zona rural de Bandeirantes-PR. Estudou até o quinto ano do Ensino Fundamental no Grupo Escolar Usina Bandeirantes – uma escola rural – entre os anos 1967 e 1972. Completou o Ensino Fundamental por meio de exame supletivo, no ano de 1980, após anos de estudos como autodidata. Cursou o Ensino Médio no Colégio Santa Maria, em Irati-PR, entre os anos 1982 a 1984. Nessa época, era seminarista da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos.
Entre os anos 1985 e 1987, cursou Filosofia no Instituto Filosófico do IPAS – Instituto Popular de Assistência Social, uma organização dos Frades Menores Capuchinhos. Entre os anos 1992 e 1997, cursou Licenciatura em Filosofia na Unimep de Piracicaba, sendo que seu Trabalho de Conclusão de Curso – TCC teve o título de “O pensamento dos afro-brasileiros”. Finalizado o curso de Licenciatura em Filosofia, cursou Bacharelado em Ciências Jurídicas, também na Unimep, entre os anos 1997 e 2002, tendo como Trabalho de Conclusão de Curso – TCC o estudo intitulado “Os Direitos Humanos no pensamento de Hannah Arendt.” Em 2004, ingressou no Mestrado em Educação (Unesp), concluído em 2006, com a dissertação “A identidade dos gestores escolares negros.”. Entre 2009 e 2011 cursou Especialização em Direito Processual Civil pela Faculdade Internacional de Curitiba-PR, elaborando TCC sobre “A celeridade processual nos Juizados Especiais Federais”.
No que diz respeito às atividades profissionais, teve a seguinte trajetória:
Dos 8 aos 17 anos trabalhou nas lavouras de cana de açúcar, algodão, café, arroz e feijão. Aos 17 anos, em 1977, começou a trabalhar no Escritório da Usina Bandeirantes, em Bandeirantes-PR, após passar por um disputadíssimo processo seletivo. Durante o período de colegial (1982-1985) trabalhou como artesão. Durante o período que cursava filosofia, entre os anos 1985 e 1987, trabalhou como hortifrutigranjeiro, bibliotecário e Professor de Ensino Religioso. Em 1988 foi professor de História no Colégio Procotil de Limeira. Em 1989 trabalhou na Nossa Caixa Nosso Banco (atual Banco do Brasil). De 1990 a 1995 foi Assessor Educacional junto à Comissão Pastoral da Terra – CPT, que fazia um trabalho de assessoria educacional aos trabalhadores rurais. Em 1996, lecionou filosofia no Colégio José Marciliano da Costa Junior, de Limeira. Em 2010 foi aprovado no exame da OAB/SP. No ano de 2014, atuou como professor de Direito no ISCA Faculdades de Limeira. Atualmente é Analista Judiciário da Justiça Federal, instituição na qual trabalha há 24 anos.
Ativismo social:
Iniciou sua participação no Movimento Negro em 1987 no Quilombo Palmital dos Pretos, no sul do Paraná. Ele e um amigo foram visitar a Zona Rural de Ponta Grossa-PR, numa região denominada Itaiacoca e ficaram sabendo do Quilombo. Passou um período lá trabalhando conscientização sobre a história do negro no Brasil, sendo que no mesmo ano começou a participar da organização Agentes de Pastoral Negros, em Ponta Grossa e Curitiba. Em 1988 começou a participar do Movimento Negro de Limeira-SP, no qual milita até hoje. Faz parte do Movimento Ginga, que nos anos 80 e 90 se notabilizou por organizar seminários, debates, palestras e atividades culturais envolvendo temas referentes às políticas públicas de igualdade étnico-racial. Entre os anos 2013 e 2014, foi presidente do COMICIN – Conselho Municipal dos Interesses do Cidadão Negro de Limeira.
O professor mestre José entendeu ser importante destacar duas conquistas da Comunidade Negra limeirense: o feriado de 20 de Novembro e a ampliação da presença do povo negro na sociedade, principalmente no mercado de trabalho, na política e na educação.
“Consciência é um saber crítico. Para mim, consciência negra significa um saber crítico sobre a experiência histórica do povo afro-negro no mundo, incluindo as tristezas e as alegrias; os sonhos, as lutas, os fracassos e as conquistas. Esse saber deve iluminar nossas práticas discursivas, sociais, políticas, econômicas, culturais, educacionais e ecológicas, visando combater toda forma de opressão e, ao mesmo tempo, contribuir para a construção de formas de existir baseadas na solidariedade, na partilha equitativa dos bens, na liberdade, na justiça e na valorização e respeito às diferenças; uma sociedade onde cada um e todos possam realizar todas as suas potencialidades.”

José Carlos Brandino


Dr. Brandino é natural de Limeira, formado em Ciências Jurídicas pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep), turma de 1989. Ele também é Técnico em Contabilidade, formado pelo Colégio Santo Antônio; Técnico em Máquinas e Motores e em Edificações pelo Colégio Técnico Industrial de Limeira (Cotil).
Ele atua na área jurídica desde 1987, estagiando no convênio mantido pela Unimep e a Prefeitura de Limeira. Além da militância no Movimento Negro em Limeira, no ano de 2002 ele conseguiu, com muito custo, implantar na 35° Subseção de Limeira a Comissão do Negro e de Assuntos Antidiscriminatorios – CONAD. Limeira foi a primeira Subseção do Interior a ter essa Comissão. Posteriormente, com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, a CONAD passou automaticamente a ser denominada como Comissão da Igualdade Racial. O Dr. Brandino afirma que para os afrobrasileiros, essa Comissão é muito importante na defesa dos direitos dos pares, que são constantemente violados.
“A diferença entre o que pensa a população Caucasiana ou Ariana e alguns sem Etnia definida, o dia 20 de novembro não foi escolhido por um acaso, mas sim para solidificar a Dívida Histórica [em termos monetários] que o governo brasileiro tem para com os descendentes de escravos. Os nossos antepassados foram libertos sem nada e, aqueles que possuíam alguns bens imobiliários, tiveram as suas terras confiscadas em prol dos Imigrantes Italianos, salvo algumas famílias que foram mantidas nas Casas Grandes das Fazendas. Se nós conseguimos alcançar uma educação de qualidade foi graças à perseverança de nossos antepassados e também por nós termos aproveitado as oportunidades que tivemos ao longo de nossas vidas. Portanto, não o dia 20 em especial, e sim toda a semana quando realizamos Palestras, Simpósios, Seminários e outros eventos para que a Reparação de Danos ao Povo Afro-Brasileiro não seja esquecida. Viva Zumbi dos Palmares”.

As histórias estão publicadas na página da Comissão de Igualdade Racial da OAB/Limeira, no Facebook.

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