O orçamento secreto e suas consequências

por Leandro Consentino
Na esteira da crise política que levou ao impeachment de Dilma Rousseff, o Congresso Nacional começa a buscar mais poder sobre a definição do orçamento e, em 2019, já sob o governo Bolsonaro, aprova a introdução das chamadas emendas do relator, encaminhadas pelo relator-geral do Orçamento, já valendo para o próximo exercício, em 2020.
 
As emendas ao orçamento são, via de regra, recursos discriminados no Orçamento Geral da União que visam atender a interesses paroquiais, alcançando os redutos priorizados por cada um dos parlamentares e, apesar de criticadas por seu caráter assistencialista, podem ser úteis a atender ao interesse social, alocando as verbas justamente em locais de maior necessidade identificados pelos parlamentares.
 
No entanto, ao contrário das tradicionais emendas parlamentares – cujo montante é fixo e igual para todos os congressistas – as emendas apensadas pelo relator não são nominais e servem, portanto, aos propósitos do governo de beneficiar aqueles que votam com seus projetos, sem o ônus de identificá-los. Dessa forma, o governo mantém a narrativa de que não coopta os parlamentares com recursos para a aprovação de suas medidas e os parlamentares não se comprometem publicamente com o Executivo.
 
Por essa ausência de transparência na destinação de tais recursos, a imprensa apelidou este expediente de “orçamento secreto” e vem demonstrando justamente a conexão entre sua liberação e as votações prioritárias para o governo no parlamento como a derrotada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Voto Impresso e, mais recentemente, a PEC dos Precatórios. 
 
Com os recursos de tais emendas sendo destinadas a compras superfaturadas – por exemplo de tratores e máquinas agrícolas – e as propostas extremamente polêmicas incensadas por tal mecanismo, o orçamento secreto ganhou as críticas da imprensa e dos órgãos de controle, além de representações judiciais de partidos de oposição que não foram contemplados por tais recursos justamente por não aderirem a tais teses.
 
Nesse sentido, três legendas oposicionistas – Cidadania, PSB e PSOL – ingressaram com uma ação junto ao Supremo Tribunal Federal para suspender o mecanismo durante a votação da PEC dos Precatórios, sendo uma decisão favorável expedida, em caráter liminar, pela ministra Rosa Weber. Ao ser analisada pelo plenário da Suprema Corte, a decisão da magistrada foi referendada pela maioria de seus pares, com a exceção dos ministros Gilmar Mendes e Kássio Nunes. 
 
A suspensão do orçamento secreto pode dificultar a tramitação de medidas do governo Bolsonaro, no Parlamento. Dessa forma, a batalha atual é para que essa decisão seja revertida, sem que haja enfrentamento com o Poder Judiciário, apesar das ameaças de descumprimento da ordem judicial para revelar sua destinação.
 
Para tanto, o Executivo e o Legislativo vêm se esforçando para arrefecer as críticas quanto á natureza de tais emendas, sobretudo no que diz respeito à transparência de sua destinação. Tal esforço, contudo, pode expor tanto o direcionamento do Executivo como as ações dos parlamentares – inclusive o presidente da Câmara, Arthur Lira – acusados de beneficiar-se do esquema por favorecimentos e/ou superfaturamentos.
 
Enquanto isso, outros órgãos de controle travam uma disputa interna sobre o assunto: enquanto o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União protocola ações junto ao plenário da Corte para investigar o orçamento secreto, o próprio plenário não parece disposto a julgá-las tão rapidamente. Já o Procurador Geral da República, apesar da leniência no caso por sua usual cumplicidade com o governo, pode ser instado a investigar o esquema por decisão da Suprema Corte.
 
Para o governo e seus aliados, o cenário ideal é o compromisso com a transparência dessas emendas a partir de 2022, a fim de garantir as medidas aprovadas nesse ano e afastar investigações sobre exercícios anteriores. Já para as forças de oposição, o ideal é aprofundar o escrutínio sobre os exercícios de 2020 e 2021, a fim de encontrar favorecimentos e/ou superfaturamentos que demonstrem a ilegalidade do esquema e possam levar a um desgaste ainda maior do governo.
 
Diante da centralidade das forças que operam e se beneficiam do esquema tanto no Executivo como no Legislativo, é bastante improvável que qualquer medida na esfera política – como a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, por exemplo – seja tomada, sobretudo sem a interferência destes órgãos externos. Caso o Poder Judiciário, a imprensa e os órgãos de controle engrossem o coro da oposição, a situação pode, contudo, evoluir, principalmente tendo em vista o ano eleitoral que se avizinha. 
 
De toda maneira, é cada vez mais difícil imaginar que o governo consiga manter o orçamento secreto como mecanismo de formação e manutenção de coalizões parlamentares após toda a publicidade e investigação do escândalo. Na melhor das hipóteses, pode obter um salvo conduto para o que já ocorreu e manter um esquema parecido, ainda que com dados públicos, de patrocínio de seus aliados.
 
Já no pior cenário, pode ser forçado a interromper o pagamento de tais emendas e ver ruir a narrativa de que não trocaria recursos por apoio político no Congresso Nacional, assemelhando-se aos escândalos que tanto criticava como o Mensalão do Partido dos Trabalhadores e as negociatas por blindagem do governo Michel Temer.
 
A perda de articulação do governo em meio a um cenário econômico extremamente adverso e ao período eleitoral cada vez mais próximo constitui, sem dúvida nenhuma, uma grande derrota para o governo de Jair Bolsonaro que, com isso, pode amealhar ainda mais dificuldades para sua tão sonhada reeleição. 

Leandro Consentino é bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Ciência Política pela mesma instituição. Atualmente, é professor de graduação no Insper e de pós-graduação na FESP-SP.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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