MPF contesta prescrição e anistia ao pedir responsabilização de ex-agentes da ditadura

O Ministério Público Federal (MPF) rebateu os argumentos que a Justiça Federal adotou para negar, entre outros pedidos, a declaração de responsabilidade de sete ex-agentes da ditadura por atos de violação a direitos humanos. A medida constituiria reconhecimento jurídico de que os réus atuaram para torturar e matar o metalúrgico Manoel Fiel Filho, em 1976, e ocultar as verdadeiras circunstâncias do crime. Em consequência, recairia sobre eles o dever de reparar os danos que a conduta causou à sociedade e as indenizações que o Estado brasileiro já pagou à família da vítima.

Ao apresentar recurso de apelação contra a decisão judicial, o MPF destacou que as ações estatais adotadas até o momento para dar publicidade aos fatos ocorridos na ditadura foram insuficientes para responsabilizar os réus pelas violações cometidas. Iniciativas como a instituição da Comissão Nacional da Verdade não viabilizaram reparações, por exemplo. O MPF frisou ainda que outros pedidos formulados na ação civil pública, também negados na decisão, não são passíveis de prescrição nem de anistia.

Além da declaração de responsabilidade e do ressarcimento aos cofres públicos dos R$ 438,7 mil que os familiares do operário receberam, as medidas requeridas contra os réus incluem o pagamento de indenização por danos morais coletivos, a cassação de aposentadorias e a perda de eventuais funções ou cargos públicos que ocupem. O MPF pede também que a União e o Estado de São Paulo sejam igualmente responsabilizados pela ocultação das causas da morte, declarados omissos por descumprir a obrigação de investigar o caso e condenados a divulgar os fatos relativos ao assassinato do operário.

O MPF pontua que a responsabilização de violadores de direitos humanos e o esclarecimento da verdade sobre os fatos são alguns dos deveres do Estado brasileiro decorrentes da Constituição e de compromissos internacionais assumidos pelo país. Providências como essas são indispensáveis para a prevenção de novos regimes autoritários e o combate à continuidade de atos de violência estatal.

Prescrição e anistia – O assassinato de Manoel Fiel Filho é imprescritível e impassível de anistia, inclusive na esfera cível, uma vez que foi cometido em um contexto de ataque sistemático e generalizado do Estado brasileiro contra a população, o que o caracteriza como crime contra a humanidade. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu que não existe prescrição em demandas indenizatórias relacionadas a violações da ditadura. Ao mesmo tempo, a Constituição afasta prazos prescricionais para ações de ressarcimento ao patrimônio público, como é o caso dos pedidos do MPF.

A imprescritibilidade dos atos de violação a direitos humanos foi fixada também em duas condenações ao Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O país aderiu voluntariamente à jurisdição do órgão e, portanto, é obrigado a cumprir suas sentenças. Segundo as decisões, o Estado brasileiro deve empreender as medidas necessárias para investigar e responsabilizar ex-agentes da ditadura envolvidos em casos como a morte de Manoel Fiel Filho. As determinações também proíbem o Judiciário de barrar processos com base na Lei da Anistia (Lei 6.683/79), que, segundo a corte, não possui efeitos jurídicos por constituir um instrumento de autoperdão a membros do aparato repressivo.

“As autoanistias são artifícios de impunidade, mediante os quais os perpetradores de violações aos direitos humanos se concedem imunidade penal pelos atos que cometeram. Ora, é evidente que ao próprio regime que pratica – ou praticava – a violação não cabe a iniciativa de se autoperdoar. Essa conduta atenta flagrantemente contra as premissas básicas do Estado de Direito republicano”, ressaltou a procuradora da República Ana Letícia Absy, autora do recurso do MPF.

Assassinato – Manoel Fiel Filho, que não tinha antecedentes criminais nem registros nos órgãos de repressão, foi detido em 16 de janeiro de 1976 por suspeita de ligação com o Partido Comunista Brasileiro (PCB). Levado para o Destacamento de Operações de Informações (DOI) do II Exército, na capital paulista, ele foi submetido a intensas sessões de tortura até o dia seguinte, quando sofreu estrangulamento e morreu. Laudos do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo buscaram ocultar as causas da morte atestando ausência de sinais de agressão, apesar dos hematomas, principalmente no rosto e nos pulsos da vítima.

A ação civil pública do MPF foi ajuizada contra dois ex-delegados da Polícia Civil de São Paulo (Edevarde José e Orlando Domingues Jerônymo), um ex-tenente da Polícia Militar paulista (Tamotu Nakao), dois ex-soldados da corporação (Alfredo Umeda e Antônio José Nocete) e dois ex-integrantes do IML (Ernesto Eleutério e José Antônio de Mello). Parte dos réus já faleceu.

Foto: ASCOM/PGR

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