Lugar de mulher é na política?

por Amilton Augusto

Diante da polêmica criada nas redes sociais com o uso de uma política de inclusão feminina de uma empresa de engenharia que cuida do Metrô de São Paulo, diante do desabamento na última semana, onde, algumas pessoas, incluindo aqueles contrários ao atual governador de São Paulo, compartilharam vídeo, como uma forma de crítica à atuação dessas mulheres, verdadeiro descalabro, chegando ao ponto de determinado se afirmar expressamente que o incidente se deu por culpa dessas. Em outro contexto, uma vereadora do interior de Goiás teve, pelo Presidente da Câmara, de modo totalmente autoritário, o microfone silenciado, pelo simples fato de gerar discordância no debate de determinado tema; situações que torna necessária uma análise do atual cenário brasileiro.

E, assim, torna-se de extrema importância a análise do Brasil atual, bem como da legislação no que tange à inclusão das minorias, o respeito à dignidade humana em contrariedade ao abuso e assédio moral e sexual, além do incentivo e efetividade da garantia de participação política das mulheres, afinal de contas, como muitas expressam, qual o lugar da mulher, como e quem irá garantir esses direitos?

Tais perspectivas nos fazem retornar aos tempos dos coronéis, como se a evolução tivesse regredido nossos cérebros e nossa inteligência, fazendo ressoar a ignorância humana a um nível inimaginável, onde a mulher precisava de proteção e era considerada incapaz de exercer seus próprios atos, verdadeiro objeto social/sexual sem vontade própria.

Fato é que vivemos ainda, lamentavelmente, em uma sociedade extremamente machista, racista e homofóbica, em que as pessoas ainda são rotuladas pelo que tem ou pelo que representam, sendo as mulheres ainda avaliadas pelos seus corpos e, não, valorizadas, como deveriam, pelo que são, fazendo com que a capacidade técnico-profissional seja avaliada, de modo genérico, por um terno e uma gravada em detrimento de uma saia ou um vestido, como se isso fosse algo que pudesse chancelar a competência e a capacidade individual de cada um, a ponto de se trazer a tona, em pleno século XXI, uma cultura ultrapassada de que o homem está no topo da cadeia, seja no cenário político ou empresarial, podendo tratar ou usar do sexo oposto como bem entender.

Triste momento da nossa tão frágil e jovem democracia, que nos remete ao esforço hercúleo do Congresso Nacional e, ainda mais forte, da Justiça, na busca de garantir a igualdade de gênero e o respeito ao direito das minorias (embora sejam as mulheres já maioria), que fez com recentemente crimes fossem incluídos no Código Penal com o fim de protegê-las, assim como, no âmbito eleitoral, que a jurisprudência fosse alterada a ponto de considerar ilícito gravíssimo a inclusão indevida de mulheres nas legendas partidárias como forma de burlar a exigência de número mínimo na disputa pelos cargos eletivos, denominada de fraude na cota de gênero, assim como o esforço para garantir a divisão dos recursos públicos nas campanhas eleitorais, justamente para equilibrar a disputa e os espaços no parlamento, que continua praticamente o mesmo percentual da década de 40.O problema talvez não esteja na presença, ou ausência, de uma legislação mais efetiva, mas, sim, na cultura enraizada em nosso país, que ainda é de um machismo enrustido e disfarçado, onde as próprias mulheres acabam se omitindo na defesa do direito de outras, assim como os próprios órgãos oficiais, em especial os governamentais e a própria Justiça, acaba por não contribuir para a garantia de tais direitos, ainda mais quando se trata do cenário político-eleitoral, onde muitas vezes provas são desconsideradas ou desacreditadas, em prol de uma dita soberania popular, mesmo diante da caracterização evidente do desvio no respeito, por exemplo, à “cota feminina”, cenário nefasto que ressoa na sociedade como um todo, afinal, quando as próprias instituições não demonstram um mínimo de respeito às leis e ao direito das minorias, em especial das mulheres, todo o mais se torna irrelevante.

A pergunta que fica é: que tempos são esses que as pessoas são qualificadas pelo sexo ou pelo poder que exercem? Que pessoas são essas que, utilizando-se do poder que exercem ou do cargo que ocupam, desqualificam os outros por mero capricho, sem nem conhecer a realidade de cada um? Qual a sociedade que esperamos deixar para nossos filhos? Por que os seres humanos não se respeitam pelo simples fato de serem seres humanos?…

Enfim, as leis nem precisariam existir numa sociedade evoluída e de iguais, mas, enquanto a mediocridade e a desfaçatez ocuparem os cargos mais elevados de nossa República, precisaremos diuturnamente reforçar os preceitos de igualdade contidos em nossa Constituição, como forma de garantir um mínimo de respeito aqueles que mais precisam, e, enquanto isso não se tornar uma política de Estado, as minorias, assim como, especialmente, as mulheres, continuarão sendo desrespeitadas livremente e sem qualquer tipo de punição.


Amilton Augusto é advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP (Gestão 2019-2021). Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP – Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes – org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. Contato: https://linktr.ee/dr.amilton

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