Direitos humanos e o trabalho escravo contemporâneo

por Joice F. Pio

No dia 02 de dezembro foi comemorado o dia internacional da abolição da escravatura, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) e escolhida em homenagem à Convenção das Nações Unidas para a Supressão do Tráfico de Pessoas e da Exploração da Prostituição de Outros, realizada em 1949.

Ao falar de escravidão, pode parecer a princípio um assunto antigo e ultrapassado, entretanto, dados e estatísticas globais demonstram exatamente o contrário. Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU – https://news.un.org/pt/) em todo o mundo, mais de 40 milhões de pessoas ainda são vítimas da escravidão, cerca de 24,9 milhões estão em situação de trabalho forçado e 15,4 milhões em casamentos forçados, Para cada mil pessoas no mundo, existem 5,4 vítimas da escravidão moderna, uma em cada quatro vítimas são crianças e uma em cada 10 crianças trabalha. No que tange as mulheres e meninas essas são afetadas de forma desproporcional pelo trabalho forçado, representando 99% das vítimas na indústria do sexo e 58% em outros setores. 

A escravidão acontece há séculos, independente do local, de sua estruturação social, comercial e econômica, em determinado momento histórico ocorreu algum indício de trabalho forçado, de forma que a escravidão é um instituto antigo e de alta complexidade. 

Ao olharmos especificamente para a história do Brasil, pode-se afirmar que nosso país sempre foi escravista, pois desde o início os escravos eram parte considerável da população e a atividade desenvolvida por eles eram de grande importância para a economia, não obstante os horrores e atrocidades a que estes escravos eram submetidos.

Do mesmo lado o processo de abolição da escravatura no Brasil, ocorreu de forma gradativa, de modo que foram surgindo regramentos como a Lei Eusébio de Queirós, Lei do Ventre Livre e a Lei dos Sexagenários, considerados ineficazes para a época. Importante ressaltar que com os movimentos culturais do século XVIII, capitaneados em revoluções como a Revolução Francesa e a Independência Americana (além do desenvolvimento do capitalismo), trouxeram para a sociedade outros pensamentos, logo surgindo toda uma gama de pressões sociais e financeiras estabelecidas contra a escravidão. É certo, também, que em todos os países da América já havia ocorrido a abolição e até mesmo algumas regiões do Brasil como o Ceará e o Rio Grande do Sul. 

Tais fatos históricos foram construindo uma discussão importante na sociedade, levando a clara percepção do total absurdo que era a escravidão em si e sua manutenção, de forma que em 1888 por uma questão imposta e não por qualquer fio de bondade veio a Lei Áurea com a libertação de todos os escravos.

Teoricamente a escravidão foi abolida, deixando heranças muito negativas, porém essa prática ainda ocorre com outros tipos de abordagem, compreendendo inúmeras violações aos consagrados direitos humanos.

Em nosso ordenamento jurídico o trabalho escravo contemporâneo está elencado no artigo 149 do Código Penal e  alguns elementos costumam caracterizar essa pratica ilegal, como as jornadas exaustivas, maus tratos, as dívidas ilegais, o isolamento geográfico, os alojamentos precários, a falta de saneamento básico e higiene, as ameaças, a retenção de direitos e, por fim, a inexistência ou existência ínfima de salário. 

No entanto, há elementos que, isoladamente, não configuram, por si só, a situação de trabalho escravo, como por exemplo, a falta de assinatura da CTPS, a baixa remuneração e assédio moral. 

Logo, a escravidão contemporânea não se caracterizada por infrações trabalhistas, mas sim como um crime contra os direitos humanos e fundamentais que norteiam o Estado Democrático de Direito, por este motivo cada caso é único e merece ser analisado em sua individualidade a fim de evitar generalizações equivocadas.

Em 1995 o governo federal brasileiro reconheceu publicamente a existência do trabalho escravo contemporâneo e desde então vem criando medidas combativas e protetivas, como o plano de erradicação da escravidão, lista suja do ministério público, grupos móveis de fiscalização e temos também trabalhos extraordinários feitas por ONGs como “Repórter Brasil” e “Comissão Pastoral da Terra”

Apesar de alguns avanços, temos um longo caminho para conseguir de fato a erradicação da escravidão moderna, visto que as estatísticas são assustadoras. A escravidão, infelizmente deixou marcas talvez irreversíveis na sociedade e como muito bem pontuou Rousseau: “São a força e a liberdade que fazem os homens virtuosos. A fraqueza e a escravidão nunca fizeram nada além de pessoas más”.

Joice F. Pio é advogada, Membro da Comissão de Direitos Humanos OAB Limeira.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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