Crônica de uma eleição

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Meu primeiro voto a presidente da República foi aos 27 anos. Em 1989, vivíamos uma expectativa de que tudo poderia acontecer naquela eleição, pós-golpe militar que durou 21 anos. Minha geração, nascida nos anos 60, não sabia o que era votar para o cargo maior da nação. Para nós, não se tratava de uma mera obrigação legal e constitucional.

Nossa sensação de poder ir às urnas e escolher livremente o governo do país era o ápice de nossas vidas naquele momento. Finalmente, respirávamos ar puro, mesmo com ameaças de golpes por setores que tinham saudades das botas dos generais, como o ex-presidente da Fiesp, Mario Amato, que declarou que, se Lula vencesse, iria embora do Brasil.

Chantagens à parte, vivíamos também uma crise econômica, causada por engodos como os Planos Cruzados do Governo Sarney nos jogando em uma das maiores recessões da História. Foi o primeiro pleito a instituir e prever dois turnos, quando o candidato em primeiro lugar não atingisse 50% + 1 voto no turno inicial.

Foi, das nove eleições presidenciais, a maior em quantidade de candidatos. Vinte e dois, considerando que todas as correntes políticas da época se fizeram presentes. Lula e Collor foram para o segundo turno, em uma campanha acidentada e que caiu para a baixaria promovida pelo segundo, bem como suspeitas de manipulação do último debate promovido pela Rede Globo, favorecendo o “caçador de marajás”.

As heranças ditatoriais ainda cercavam as pessoas e ameaçavam o tempo todo um País com viés autoritário e de concentração de rendas. A ida de Lula e Collor para o turno final promoveu a polarização de dois Brasis:

O primeiro, de Lula, propunha defender a Constituição Cidadã de 1988, pregar Ditadura Nunca Mais e construir a distribuição de renda. O segundo do Governador de Alagoas, se dizia caçador de corruptos, defensor da família tradicional brasileira e atacava o famigerado comunismo, que para ele dobrava a esquina.

Collor de Mello venceu por uma margem pequena de votos. O País, em dois anos, presenciou um desastre na Presidência, de um homem que sequestrou a poupança dos pobres, acelerou uma inflação gigante e recorde e se envolveu em corrupção. Não é à toa que teve seu mandato cassado.

Para nós de esquerda e progressistas, se votar em 1989, foi um avanço a democracia, a vitória de Collor significava o legado da Ditadura. Porém, mesmo com as expectativas de muitos terem sido frustradas, nada abalou o processo de redemocratização, mesmo a diversidade política sendo a tônica durante todo o este tempo.

De 1989 até o próximo domingo, foram nove eleições livres, onde o povo brasileiro votou sem medo de, no dia seguinte, ser surpreendido com tanques de guerra anunciando um golpe, a derrubada da democracia.

O Brasil é pioneiro na votação eletrônica, que acabou com dúvidas e possibilidades de alterações de resultados nada republicanos, como já aconteceu na história deste País. Em todas as eleições, a presença nas urnas foi maciça e pacífica, sem conflitos violentos que levem a morte.

Eleições no Brasil sempre foram a festa da democracia, e com toda a razão. Nenhum candidato derrotado nas urnas, mesmo Aécio Neves em 2014, deslegitimou seus resultados, cumprimentando e reconhecendo o vencedor. Eleição no Brasil na redemocratização sempre foi pautada pela circulação e defesa de ideias, concepções de mundo e propostas para a população.

Foi. Até agora.

O pleito eleitoral de domingo próximo difere dos oito anteriores e se assemelha as duvidas e interrogações de 1989. Naquele ano, havia um legado ditatorial no ar, mas não havia possibilidades de violência ou de rasgar a Constituição, mesmo tendo candidatos fiéis a regimes de exceção. Não havia naquele ano grupos que, incentivados por autoridades, despejam ódio gratuito ao diferente, de raça, gênero, classe social, religião e posição ideológica. Um ódio que não se limita a mensagens violentas nas redes sociais.

Em 2022, já tivemos mortes por motivações políticas, agressões físicas e destruição de reputações pessoais e profissionais. Em 2022, ao invés dos dedos em V, do Paz e Amor temos um Presidente da República fazendo gestos que lembram uma arma. E mais que uma arma, vale recordar que, em quatro anos de mandato, as ameaças de ruptura constitucional foram imensas, com ataques aos guardiões da Legislação frequentes, como o Supremo Tribunal Federal.

A democracia está ameaçada pelo bolsonarismo. Ontem, no debate entre os presidenciáveis pela Rede Globo, mais uma vez o atual mandatário e ocupante do Palácio do Planalto despejou toda sua fúria a quem pensa diferente e mais uma vez fez ameaças ao processo legitimo das eleições.

Não é exagero deste escrevinhador e da maioria dos que fazem opinião que, ao incentivar a violência do nós contra eles, o bem contra o suposto mal, Bolsonaro só dá razão a todos quando dizem que ele ameaça à Democracia. Erra a chamada terceira via quando não enxerga o perigo que representa o atual governo. Minimizar as criticas a Bolsonaro, achando que o mesmo respeita a CF de 1988, é no mínimo ingenuidade.

Erra a mesma terceira via quando critica a polarização, não entendendo que não se trata de discordâncias pontuais ou exclusiva dos candidatos. Estamos falando de garantir o Estado Democrático de Direito, enquanto o bolsonarismo supostamente ameaça que, se perder no domingo, não aceitará o resultado, propõe um estado de trevas.

O que está em jogo é a sobrevivência da liberdade. Sabemos de nossas dificuldades. Sabemos que temos muitas desigualdades sociais. Mas não é com ditadores e medidas que levam a morte que resolveremos nossos problemas. Portanto, as Eleições 2022 têm uma importância das maiores em relação as demais. É literalmente Democracia versus obscurantismo e repressão.

Assim, ir votar se faz necessário. Escolher o candidato que defenda a democracia e comida na mesa, livros e não armas é primordial.

E para terminar este texto, uma letra que Cazuza escreveu lá nos anos 80 e que foi hino em 1985 quando a Ditadura acabou. Espero que, ao ir às urnas, todas e todos possam orar feito o poeta pra que o dia seja feliz.

Até semana que vem, com certeza com Democracia.

Pro dia nascer feliz
(Barão Vermelho)

Todo dia a insônia
Me convence que o céu
Faz tudo ficar infinito
E que a solidão
É pretensão de quem fica
Escondido fazendo fita

Todo dia tem a hora
Da sessão coruja
Só entende quem namora
Agora vão ‘bora

Estamos bem por um triz
Pro dia nascer feliz
Pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir, dormir
Pra o dia nascer feliz
Ah, essa é a vida que eu quis
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir

Todo dia é dia
E tudo em nome do amor
Ah, essa é a vida que eu quis
Procurando vaga
Uma hora aqui, a outra ali
No vai e vem dos teus quadris

Nadando contra a corrente
Só pra exercitar
Todo o músculo que sente
Me dê de presente o teu bis

Pro dia nascer feliz
É, pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz
É, pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir

Todo dia é dia
E tudo em nome do amor
Essa é a vida que eu quis
Procurando vaga
Uma hora aqui, a outra ali
No vai e vem dos teus quadris

Nadando contra a corrente
Só pra exercitar
Todo o músculo que sente
Me dê de presente o teu bis

Pro dia nascer feliz
Pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir, dormir
Pro dia nascer feliz
Pro dia nascer feliz
O mundo inteiro acordar
E a gente dormir.

João Geraldo Lopes Gonçalves é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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