As lições de “It´s a Sin”

por Farid Zaine
@farid.cultura

No início dos anos 1980, muitos jovens gays deixavam o interior da Inglaterra para ir morar em Londres. Apesar do preconceito sempre existente, que impedia, por exemplo, um ator de declarar sua homossexualidade, pois poderia perder o emprego, a cidade era um paraíso para aqueles que queriam apenas ser felizes. A ordem era estudar e trabalhar, mas desde que fosse possível curtir a noite londrina em casas noturnas agitadas, beber, dançar e entregar-se ao sexo sem culpa.

A minissérie “It´s a Sin”, que estreou na HBO Max, conta a história de amigos que se encontraram em Londres, e passaram a morar juntos num apartamento que eles chamavam de “Pink Palace”. Cada um trouxe uma história diferente dos rompimentos com a vida familiar no interior.

Todos estavam felizes, cada qual com suas conquistas. Mas surgiu logo um fantasma a colocar medo, culpa e terror na vida deles. Era o aparecimento de uma doença nova, estranha, mortal, logo chamada de “câncer gay”, porque atacava aparentemente somente homossexuais masculinos. A princípio vista com incredulidade, logo a AIDS passou a ser um nome assustador, e ser diagnosticado com ela era uma sentença de morte.

Antes de se saber que a doença era causada por um vírus, e que podia contaminar a todos, homens e mulheres de todas as idades, homo ou heterossexuais, os homens gays sofreram terrível discriminação, e foram vítimas de preconceito e violência. Na minissérie, uma das personagens, Colin (Callum Scott Howells) ao se descobrir soropositivo, é literalmente preso, com o argumento de que, solto, significaria uma ameaça à saúde pública. Homens eram internados e isolados, muitos morriam sem receber uma única visita.

O lançamento em 2021 de “It´s a Sin” é oportuno. No momento em que o mundo vive o terror de uma pandemia devastadora, também causada por um vírus, a humanidade é colocada à prova de novo e cruel sofrimento, com o surgimento do SARS– Cov-2, causador da Covid-19: no caso da AIDS, após muitos anos de pesquisas e descobertas, foram sendo produzidos medicamentos que podem controlar a doença e permitir que a pessoa viva normalmente.

Mesmo no auge da pandemia provocada pelo HIV sabia-se que as pessoas podiam ser tocadas, abraçadas e beijadas, desde que não houvesse contato com sangue e fluidos corpóreos. Com a Covid-19, a tragédia ampliou-se para a absoluta impossibilidade de contato físico, pois a transmissão é por via aérea, de pessoa para pessoa, ou por contatos das mãos com superfícies contaminadas. Na morte dos doentes, mais dor: nem a despedida de um ente querido é permitida, e na maioria das vezes, as pessoas morrem sozinhas num leito de UTI.

Assistir à minissérie “It´s a Sin” é um mergulho doloroso num passado recente, ainda vivo na memória de grande parte da humanidade, os que presenciaram o surgimento da AIDS e sua evolução. A produção, contudo, não se prende apenas ao drama. Ela é conduzida com leveza e até uma boa dose de humor. “It´s a Sin” é o nome de um sucesso dos Pet Shop Boys e está na trilha. Um dos protagonistas, Olly Alexander, intérprete de Ritchie Tozer, é membro do grupo Years and Years, e recentemente gravou a música juntamente com Elton John, com o objetivo de arrecadar fundos para o projeto do astro do Rock relativo à ajuda aos doentes de AIDS. Vale a pena conferir a arrebatadora interpretação dos dois.

Além dos ótimos Olly Alexander e Callum Scott Howells, o elenco conta os outros intérpretes muito competentes do grupo de amigos : Omari Douglas como Roscoe Babatunde, Lydia West como Jill Baxter, Nathaniel Curtis como Ash Mukherjee e David Carlyle como Gregory “Gloria” Finch.

“It´s a Sin” tem apenas 5 episódios, sendo uma minissérie ótima para maratonar.

Em tempos sombrios de uma mortal e duradoura pandemia produzida por um vírus, olhar para o passado não serve de consolo, mas reforça o quanto a humanidade está sujeita a reviravoltas comportamentais causadas por esses misteriosos “parasitas” que só se reproduzem no interior de células vivas, em permanente mutação e sempre prontos a deflagrar guerras cada vez mais difíceis de controlar.

Muitos, no início da pandemia da AIDS, começaram a achar que estavam sendo castigados por seu comportamento ao adquirir a doença, e não sabemos quantos morreram carregando essa culpa. Quantas pandemias mais serão necessárias para que se compreenda, definitivamente, que cada ser humano tem direito à liberdade de expressão e de ser feliz a seu modo, sem sofrer discriminação, preconceito e violência? O vírus, sempre ele, é que precisa ser atacado, e com as abençoadas armas da ciência.

IT´S A SIN – Minissérie britânica em 5 episódios. HBO Max.
Cotação: *****ÓTIMA

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