A farsa do “rouba, mas faz”

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

“Depois de uma longa investigação, localizamos uma parte da famosa ‘caixinha’ do ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, enriquecido por anos e anos de corrupção. Conseguimos US$ 2,5 milhões. Esse dinheiro, roubado do povo, a ele será devolvido”. Estas declarações foram dadas à imprensa em 1969 pelo então capitão do Exército Brasileiro, Carlos Lamarca, já na clandestinidade e caçado pelo regime militar.

Lamarca foi uma das lideranças da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares – Var Palmares -, que entre várias ações de guerrilha urbana contra a ditadura, executou um dos assaltos mais bem sucedidos da História.

Corria a boca pequena, que o então governador de São Paulo Adhemar de Barros mantinha uma amante no Rio de Janeiro, Ana Guimol Benchimol Capriglione. A senhora em questão, muito conhecida nas rodas das altas sociedades cariocas, tinha um codinome dado pelo próprio Adhemar – Dr. Rui – para justificar as idas e vindas do governador aos cariocas.

Mas mais do que um álibi (falso) para justificar um caso extraconjugal, corria na Central de Boatos que Adhemar guardava na casa desta senhora em um cofre, dinheiro fruto de ações ilegais e corruptas com dinheiro e patrimônio público. Tempos depois descobriu-se que o famigerado político mantinha oito cofres escondidos, com grana decorrida de atos nada republicanos.

Naquele ano de 69, a ditadura resolveu endurecer o regime. Com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), fechou-se o Congresso, instituiu-se a censura na imprensa e nas artes, aboliu-se o habeas corpus e instituiu-se a ideia de subversão quando não se concorda com o governo dos generais. Lideranças foram presas, assassinadas, exiladas e torturadas.

Este estado de coisas forçou uma parte das esquerdas e setores de oposição a defender e preparar a guerrilha armada. Vários grupos e organizações foram surgindo e, na clandestinidade, tentavam lutar contra o autoritarismo militar e civil.

A Var Palmares, já citada aqui, é uma delas, que tinha em Lamarca seu principal nome, que dois anos antes do caso do Governador de São Paulo organizou a Guerrilha do Vale do Ribeira, uma das maiores operações da esquerda brasileira contra o regime. Carlos Lamarca foi caçado e não encontrado pelo Exército.

Mas, voltando ao caso Dr. Rui, ou melhor, Dona Ana. Em matéria na Folha de São Paulo em 2010, revelou-se que uma funcionária da casa da socialite do Rio tinha ligação com a organização guerrilheira e teria passado o serviço. Um cofre secreto, na sala de estar da mansão de Ana, guardava o dinheiro fruto da roubalheira aos cofres públicos paulistas.

O assalto foi considerado um sucesso, que bancou outras ações da Guerrilha. Mas o que chama a atenção é que nem a revelação de que o ex-governador juntou dinheiro de esquemas sujos e corruptos abalou o que se convencionou chamar de Ademarismo, ou “Rouba, mas faz”.

A expressão revelada com o assalto da Var Palmares foi cunhada por um dos adversários mais ferrenhos de Adhemar de Barros, Paulo Junqueira Duarte. Ele o fazia como ironia e tentativa de desconstrução. Mas o Ademarismo assumiu a frase como política benéfica ao povo, que foi e é repetida até hoje.

Quando nossa geração pós-ditadura começou a fazer política, nos deparamos com personagens com uma prática idêntica ao Ademarismo, que se tornou um movimento que fez escola. Paulo Salim Maluf foi um dos alunos mais aplicados do velho Adhemar, pelo que consta um de seus ídolos.

Maluf e o Malufismo protagonizaram, por quase três décadas, esta cultura nunca admitida pelos próprios políticos, mas amplamente divulgada por seus partidários, feito rastro de pólvora. Não era e ainda não é incomum pessoas defenderem voto ou apoio a políticos com a frase do título: Rouba, mas Faz. E aí mora a ilusão, mora o perigo.

Foi em governos Ademaristas e seguidores que a corrupção se instala como uma instituição do Estado, sem ela o mesmo não funciona, defende alguns “entendidos”. Mas a corrupção atinge em cheio políticas públicas, a qualidade de vida da população, pois retira ou deixa de investir em saúde, educação e outros para beneficiar interesses pessoais e de grupos.

Há uma discussão importante: é possível fazer pontes, viadutos e ao mesmo tempo praticar a corrupção? Sim é possível, obras faraônicas que apareçam e dão votos e que ao mesmo tempo facilitem ações criminosas. Mas a aparência de uma cidade fica colorida com o canteiro de obras enormes e caras, as filas de consultas e exames na saúde só crescem, a fome aumenta e o desemprego idem.

O “Rouba, mas faz” gosta de coisa grande, impactantes, que maquie o que realmente interessa para os mais pobres.

O Bolsonarismo esta semana inovou em sua narrativa. Mas antes de entrar no assunto é bom lembrar, de qual era o discurso de Bolsonaro e sua trupe, sobre práticas políticas e os políticos da tal velha política. Dizia o Jair que ele representava a nova política, que condenava o “Dando que se recebe” e que combateria a corrupção. Aliás, neste último item, trouxe como um de seus principais ministros Sergio Moro, da Lava Jato, e seus discursos moralistas e hipócrita.

Mas o que vemos em quatro anos de mandato foi a corrida rápida do governo aos braços gulosos por cargos e verba pública do Centrão e vários escândalos de corrupção. Só para citar alguns: desvio de recursos da vacinação da Covid, gastos milionários com cartão corporativo, crimes eleitorais, benefícios a amigos empresários e por aí vai. Moro, o ex-justiceiro, desmascarado provou que nem ele e nem o governo que serviu queriam mesmo combater a corrupção.

Bom, o último escândalo é o das joias vindas da Arábia Saudita. Para quem não conhece o caso, vamos relatar brevemente. Denúncia feita na imprensa da conta de que presentes em joias em valores astronômicos teriam sido dados ao casal Bolsonaro por empresários árabes. O curioso é que, na época dos tais mimos, o governo teria vendido quase a preço de banana uma refinaria de petróleo.

As joias, como se fossem da coroa, já que os Bolsonaros se consideram reis, parte não conseguiu entrar no Brasil, pois foi barrada por verdadeiros patriotas, que são os servidores da Receita Federal. A outra parte ilegal, Jair está sendo intimidado a devolver. Bom, as redes de fofoca e fake news bolsonaristas esqueceram a concepção de nova política e pregam o famoso, e velho, “Rouba, mas Faz”.

Narram estes cidadãos que o povo não está preocupado com isto e sim com o preço da gasolina. Ora, o preço dos combustíveis na era do Jair chegou a quase nove reais o litro. Retornou agora a seis, com possibilidade ainda este ano de abaixar mais ainda.

Segundo argumento, de que o povão tá preocupado com a “gasosa”. O povão anda de ônibus, e o diesel utilizado no transporte este não aumentou, abaixou. O “Rouba, mas faz”, como já dissemos joga na lata do lixo e por debaixo do tapete sua hipocrisia e mentiras.

A todas e a todos, um bom final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.