Vereadores aprovam lei para balizar o trabalho dos psicólogos

Por Ronei Costa Martins Silva

Os vereadores de Limeira protagonizaram mais uma cena deprimente. Por conta do desgaste imposto na eleição da Mesa Diretora, ocorrida há uma semana, na qual tiveram que engolir uma mulher transexual na vice-presidência, acontecimento que enfureceu seus seguidores radicalizados na extrema direita, os edis precisaram agir rapidamente, visando encontrar uma espécie de freio de arrumação que mantivesse suas bases eleitorais encabrestadas. Para tanto, seguiram o manual do fascista: criar polêmicas fictícias e inimigos fictícios para reaquecer suas bases. O inimigo da vez: psicólogos.

Já no dia seguinte após a eleição da Mesa, propuseram uma pauta de votações na qual estavam dois projetos, sonoros feito som de berrante: a proibição de banheiros unissex (sem que houvesse qualquer tentativa pretérita de criá-los) e o balizamento da atuação dos psicólogos. Dois sonoros floreios emitidos para reorganizar e reencabrestar seus seguidores alucinados.

Os parlamentares, que por certo nunca frequentaram uma sessão de psicoterapia, apavorados com o risco de os psicólogos agirem em favor da disseminação do comunismo e do gayzismo, tentaram enquadrar sua atuação profissional. Pretendendo frear a ascensão da ‘República Comunista Gayzista Limeirense’, os edis submeteram à apreciação, em regime de urgência especial, o projeto de lei 199 de 2022, que veda ao psicólogo: ”induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais”.

O texto é uma piada, sem valor legal. Uma lei que entrará para o anedotário legiferante e será recontada nos botecos da cidade, a fim de arrancar algumas gargalhadas, tipo daquele vereador que um dia quis revogar a Lei da Gravidade, de autoria do parlamentar Isaac Newton.

É fato que a maioria dos nossos erros advém do desconhecimento. Os vereadores, antes de se aventurarem por áreas alheias, e visando evitar a vergonha, precisariam ter tomado duas precauções: primeiramente convidando o conselho de psicologia para, via audiência pública, escutar quem tem competência para tratar do assunto. Pressuponho que não tenham se precavido a tal ponto, pois se o fizessem, teriam poupado o constrangimento de aprovar um texto sem efeito, redundante e que ignora a existência do código de ética da psicologia. Em seguida e concomitantemente, deveriam ter submetido a redação do projeto de Lei à avaliação do corpo jurídico da câmara.

Sabemos todos que há, no quadro de funcionários da casa de Leis, doutores em direito constitucional e administrativo que poderiam emitir um parecer técnico sobre a matéria, orientando assim o trabalho parlamentar. A gana para aprovar rapidamente, em regime de urgência, os impediu de tomar tal precaução.

Se tivessem se precavido, talvez, o jurídico da Casa poderia tê-los lembrado que a atribuição para regular as profissões é exclusividade do Congresso Nacional e, por conseguinte, dos conselhos de classe. São os parlamentares federais que aprovam o código de conduta e de ética profissional, sendo de responsabilidade dos conselhos a sua aplicação. É assim com os advogados, com os arquitetos, com os médicos e com os psicólogos. A Lei Federal que cria o Conselho de Psicologia e disciplina a atuação destes profissionais é de 1962 e não pode ser emendada por uma lei municipal.

Mas esta movimentação legislativa pode não ter sido um erro involuntário. É provável que eles saibam que não possuem competência para legislar sobre o balizamento de uma categoria profissional. É provável que tenham errado de propósito, sabendo que a lei será derrubada em breve. Nesta hipótese, eles apenas teriam usado indevidamente a estrutura legiferante como um berrante, para emitir um floreio sonoro visando reorganizar seus seguidores que até então estavam abalados ao ver uma mulher transexual na mesa diretora da câmara municipal.

Felizmente há remédios. Se esta lei for sancionada, tão logo o conselho de psicologia tome conhecimento deverá entrar com uma ADIN – Ação Direta de Inconstitucionalidade, visando derrubar e tornar sem efeito sua redação.

Para a Câmara Municipal de Limeira, uma casa de Leis, ficará a vergonha pueril de não saber fazer leis.

Ronei Costa Martins Silva é arquiteto e urbanista e pós graduado em arquitetura e arte sacra. Possui diversas obras de arquitetura sacra espalhadas por São Paulo e outros três estados. Em 2018 foi convidado para presentear o Papa Francisco com uma obra sua, a Cruz da Esperança. Possui onze obras de arquitetura selecionadas para Mostras Nacionais, sendo duas em 2017 e nove em 2019. Também é pesquisador da máscara do palhaço há 22 anos, tendo atuado em hospitais, presídios e outros espaços de vulnerabilidade social. É pai do Benício.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.