Quem é o responsável pela violência política?

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Esta semana mais casos de suspeitas de motivação política ocasionaram atos de violência. Vereadora de Alto do Jacuí (RS), Clevis Revelante (PT) teve seu carro, segundo ela, atacado por um homem que a viu com um adesivo de campanha de Lula. O referido motorista fugiu após bater, segundo a vereadora, e mais à frente teria se envolvido em acidente e vindo a falecer.

Após o debate entre candidatos ao Governo do Estado de São Paulo, promovido pelo pool de emissoras como TV Cultura, Portal UOL e Folha de São Paulo, o deputado Douglas Garcia, bolsonarista, fez agressões a jornalista Vera Magalhães semelhantes a que o seu candidato Jair Bolsonaro realizou no debate presidencial há duas semanas.

O fato não gerou só agressões verbais como o jornalista Leão Serva, em solidariedade a Vera, retirou das mãos do deputado o celular que estava a serviço do mesmo para fotos que, provavelmente, iria às redes sociais, contando a versão do bolsonarista. Leão atirou o aparelho no chão dos bastidores do debate.

Nesta mesma semana, após todos estes fatos e o crescimento da fervura violenta nas eleições, o presidente Bolsonaro, em discurso a produtores do agronegócio da região de Presidente Prudente proferiu o seguinte texto: “Um presidente que cada vez mais fala de legitima defesa, que não quer desarmar o seu povo, muito pelo contrário. Esperem as eleições. Todos jogarão dentro das 4 linhas da constituição”. Uma fala que merece comentários e interpretação, como ponto de partida para os objetivos deste ensaio.

Bolsonaro se refere a sua política de distribuição de armas a população, algo que vem sendo triplicado desde que assumiu a Presidência. A missiva oral é uma resposta aos contrários a liberação indiscriminada do porte de armas, violando a Constituição e o Estatuto do Desarmamento. Uma fala direta aos seus, considerados por ele, adversários, inimigos, entre eles a oposição, o Supremo Tribunal Federal, a imprensa e, penso eu, os 71% da população entrevistada pelo Datafolha que discorda de sua política.

O outro recado para adversários e também para seu nicho eleitoral é que ele não quer desarmar o povo, ele pretende que todos possam ter armas em sua casa. Recentemente, disse que armas são mais importantes que construir escolas e distribuir livros. Em outro discurso, perguntou a audiência que o ouvia, formada por mulheres, se elas, no caso de violência, preferiam a Lei Maria da Penha ou uma arma? O último recado, subliminar no texto de Presidente Prudente, é que, após as eleições (e acredita ele que vencerá), todos, inclusive os que são contra as armas, agirão dentro da Constituição.

E aí perguntamos: Se a Carta Magna é contrária a uma política de armamentos e defende a cultura da paz, o que fará então Bolsonaro? Mudará a Constituição, respeitando a democracia, ou teremos um golpe?

É bom lembrar que, nesta semana, Jair voltou a dizer que aceitará o resultado das urnas, caso as eleições sejam limpas. De novo, um clima de instabilidade no ar. Além de sua insistência no armar a população com a justificativa torpe e irresponsável de legitima defesa, retirando do Estado sua função de garantir a segurança e a paz dos cidadãos, Bolsonaro utiliza de verborragia todos os dias para vociferar discursos de ódio aos diferentes.

Entram nesta lista de inimigos do rei os já citados STF, oposição, mulheres de todas as raças e cores, demonstrando que, desta, o sexo feminino, comunidade LGBTQ+ (núcleo em que preferia um filho morto por acidente do que homossexual), negros, onde já inspirou racismo, e outros.

Com as esquerdas, as falas sempre foram diretas, com o uso de expressões como exterminar, acaba, metralhar, fazendo gestos de arminhas ou até com uma espingarda nas mãos, apontando para um inimigo imaginário no local onde estava.

Decerto que diferenças políticas, em especial, sempre existiram e continuaram a existir. É plenamente saudável ao Estado Democrático de Direito que haja as divergências, que esta diversidade contribua com a solução dos problemas e para uma cultura da paz. Não se pode pensar que, por discordar, ganhamos um inimigo e que por isto temos que exterminá-lo, se possível literalmente.

Muitos devem se perguntar ao ler este texto até este momento se estou a sugerir que o aumento da violência política é responsabilidade e causada por Bolsonaro. Se formos analisar com a cabeça fria e sem paixões, teremos infelizmente este resultado catastrófico para a democracia.

A começar pelo bordão repetido a exaustão pelo presidente do “Nós contra Eles” e que o Nós somos o Bem e que Deus está conosco. Já eles são o Mal, e que o diabo (como afirmou a primeira dama), são os petralhas, os ministros do STF, os jornalistas, e por aí vai.

Se pode imaginar um país com proporções continentais e com uma população com culturas e origens do mundo todo, posso ter um presidente que estimule o ódio, a quem pense diferente dele. Desde a redemocratização, iniciada com o final da ditadura em 1985, tivemos inúmeras dificuldades e ainda temos. Mas o senso de unidade e de busca de soluções, mesmo que discordássemos, nunca exclui opositores do chefe da nação e as eleições sempre ocorreram na maior harmonia e paz.

O máximo que chegamos de um pretexto para falar de violência política foi o caso da bolinha de papel arremessada e que acertou a cabeça do então candidato José Serra. Já de 2019 para cá, o clima já dito de instabilidade política tem como personagem principal aquele que ateia fogo no barril de pólvora: o presidente Jair Bolsonaro.

Para ilustrar esta afirmação, fomos às pesquisas. Encontramos uma realizada recentemente pela UNIRIO (Universidade do Rio de Janeiro), por meio do seu Observatório de Violência Politica e Eleitoral. A pesquisa compreende o período de 2019 até o presente momento de 2022. Só para se ter uma ideia da complexidade deste momento, somente no primeiro semestre de 2022, ocorreram 214 registros de violência, motivadas por disputas políticas.

No mesmo período de 2019, já na gestão Bolsonaro, o numero era de apenas 47 casos. Assim, tivemos nestes três anos e meio um aumento de 335% de casos e violência por discordâncias poéticas. E estamos chegando no fundo do poço, quando pessoas são assassinadas por disputas políticas, como o caso de Foz do Iguaçu e do Mato Grosso, e o Presidente sequer se solidariza com as famílias das vítimas, pelo contrário, tenta minimizar as atitudes dos réus.

E aí, para fechar este texto, termino com a letra de uma canção de Gilberto Gil e João Donato, “A Paz”, como reflexão e saída desta situação, inclusive para termos eleições em que se respeitem o resultado.

Até a próxima semana!

A Paz

(Gilberto Gil e João Donato)

A paz invadiu o meu coração
De repente me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais

A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino, a paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz

Eu pensei em mim, eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição, só a guerra faz
Nosso amor em paz

Eu vim, vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos ais

A paz invadiu o meu coração
De repente me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais

A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino, a paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz

Eu pensei em mim, eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição, só a guerra faz
Nosso amor em paz

Eu vim, vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos ais

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.