E o Sete de Setembro de 2022?

por João Geraldo Lopes Gonçalves

Uma imagem amplamente divulgada pelas mídias eletrônicas e escritas traduz o Brasil do Bicentenário da proclamação da Independência. Na última quarta feira, feriado nacional, bolsonaristas “convocados” pelo presidente, empresários golpistas e parlamentares do Centrão para mais uma micareta, com direito a motociata e discursos contra o STF, ameaças de golpes e outras violências, se deparam com um outro Brasil.

Em um momento na praia de Copacabana, um dos locais do comício de Bolsonaro e sua turma, motos conduzidas por homens brancos e de face visivelmente de gente “endinheirada e bem nascida” ficam lado a lado com um ônibus lotado.

O “busão”, vindo da periferia do Rio, trazia jovens em sua maioria negros, que ou estavam indo trabalhar (pois pobres trabalham no feriado) ou iam curtir as areias da badalada praia (pobre também tem direitos). Eles gritam em alto e bom som “Fora Bolsonaro” e outras palavras de ordem.

O confronto de palavras de ordem coloca lado a lado os dois Brasis que Aldir Blanc descreve na canção “Querelas do Brasil”.

O das motos estava nas manifestações/comícios de Bolsonaro, ostentando roupas de grife e, com seus motores de rodas que custam milhões, se juntam a seus pares, o chamado grupo que, desde a Independência, se beneficia do PIB ou, melhor, de seus lucros.

O outro, o do busão, é aquele que no dia 7 de Setembro de 1822 vivia, em sua grande maioria, nas senzalas e casas grandes deste País acorrentados ou sobre chibatadas a serviço dos brancos ricos.

De lá para cá, a nação “independente” está às voltas com estes dois países, onde os das motos têm tudo e os do busão guardam o almoço para comer na janta – isto quando tem uma refeição. Foi para o primeiro público que Jair falou nos comícios no Rio e em Brasília. Foi este público que respondeu a misoginia e ao machismo, do “imbrochável” solicitado pelo presidente. Mesmo povo que, já cedinho em frente a Suprema Corte, pedia o fechamento da mesma.

Mesmo público que, ao mesmo tempo, se diz contra o aborto, defende o uso de armas para fazer justiça, na maioria das vezes conta o suposto perigo que anda de busão e que precisa trabalhar para comprar um quilo de feijão.

O Jair que precisa provar sua virilidade, constrangendo sua própria esposa no palanque, tenta vender um Brasil que ficaria melhor controlado pelas elites que o acompanham na ilha da fantasia, que ele diariamente tenta promover, inclusive com fake news.

Uma ilha da fantasia, a narrativa do episódio das margens do Ipiranga tem sido vendida ao povo brasileiro nestes duzentos anos. Uma narrativa que esconde as lutas populares ocorridas antes de Dom Pedro decretar a “independência” de Portugal. Esconde os acordos com as oligarquias cafeeiras e dos traficantes de seres humanos, para não abolir a escravatura negra, já naquele 1822.

Esconde que os interesses da Independência contratavam com potências imperialistas. Como Inglaterra, a “dona” do mundo, naquele momento, que via com olhos grandes e sedentos as riquezas deste País. O grito do Ipiranga esconde até os problemas de credibilidade e caráter de Pedro I, a ponto de as más línguas levantarem questões como o caso provocado por uma dor de barriga, que motivou o ato. Ou um menino de recado dos fazendeiros e das elites pressionou o ato.

No Volume 3 da trilogia “Escravidão, o jornalista autor Laurentino Gomes levanta questões que podem tirar, do dia da Independência, o nacionalismo e patriotismo que os brasileiros nascem aprendendo. Laurentino levanta que não foi apenas a pressão dos ingleses ou das oligarquias para ocorrer a Independência.

Os primeiros interessados na exploração econômica do Brasil sabiam que, sem a autonomia e soberania, o Brasil teria dificuldades em se desenvolver e, atrelado a Portugal, o domínio inglês seria pífio. O segundo reclamava das altas taxas de impostos pagos a coroa e nada ou quase nada investido no País e nos interesses das elites.

Duas questões centrais agitaram e fizeram com que Dom Pedro, o príncipe regente, praticasse o ato: as lutas populares pela independência e a escravidão negra.

A primeira, desde o século anterior, começando pela Inconfidência Mineira, passando pela Baiana, às portas do dia 7 a Pernambucana, deixava as elites preocupadas, a ponto de uma frase tomar conta do palácio de Dom Pedro: “Ou façamos nós a Independência, ou o povo o fará”.

Esta frase forte e significativa mostrava na prática que pautas de interesse do povo, ou de intelectuais, negros libertos, indígenas e pequenos comerciantes batiam de frente com os objetivos do latifúndio e, em especial, dos traficantes de escravos.

Segundo registros, Dom Pedro I defendia o fim da escravidão, algo que as elites não aceitavam. O que se sabe é que o regente só se tornou imperador ao voltar atrás em relação a esta questão. Tanto que o fim da escravidão só aconteceu no ano de 1888, quase no final do século.

Assim, a Independência é mais um fato da nossa História onde os interesses do Brasil das motos se sobrepuseram ao Brasil do Busão. Mais uma vez um acordo é feito às luzes (fake) de um nacionalismo revolucionário, que traz a narrativa das elites.

Bolsonaro e sua trupe se apropriam de um símbolo mesmo com seus erros de narrativa, não para apresentar uma contraditória, mas para manter o grito do Ipiranga proferido pelas elites.

No dia 7 deste 2022, não vimos uma reafirmação de Independência, mas um espetáculo de horrores, onde um conteúdo de exclusão social e político se torna centro, com um manto falso e hipócrita do bem contra o mal. O tom golpista até que foi menor nas ditas manifestações, embora eles tenham acontecido.

Mas o conteúdo de continuar excluindo mulheres, negros, comunidade LGBTQ+ e outros estava explícito nas falas, inclusive, do Jair, o presidente. O imbrochável, mais que um delírio estúpido, suscita um debate cultural e moral. Reafirma que macho que é macho não broxa. A sexualização do discurso tem um viés político, pois, para ser confiável como Presidente da República, nada tem a ver com programa de governo, e sim com macheza.

Para quem já teve um Collor de Mello dizendo que tinha aquilo roxo, agora ganha de presente uma outra aberração de linguagem. O Sete de Setembro de Bolsonaro funcionou para esculachar um dia que poderia ser utilizado para corrigir narrativas, para falar de símbolos importantes de uma nação soberana, para não só pedir votos ilegalmente, mas para dar recados, de que a vida é para ter regozijo apenas as elites brancas e com vil metal.

Merecíamos no mínimo um silêncio do suposto chefe da nação, e não uma declaração de vale tudo para se manter no poder. Mas a hora da verdade e da vontade popular está chegando e nossa independência será novamente testada.

Bom fim de semana e até sexta feira que vem!

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

Deixe uma resposta

Your email address will not be published.

error: Conteúdo protegido por direitos autorais.