A religião pode se tornar um instrumento da política?

por Roberson Augusto Marcomini

“Política, religião e futebol não se discutem” é uma regra muito utilizada para manter a paz nos almoços ou o último verniz de civilidade nas reuniões de condomínio. Quando o assunto é “religião na política” o cenário fica cada vez mais tenso e pode ficar mais explosivo, podendo atingir as proporções com um certo descontrole ou gerar uma intolerância.

Os homens inevitavelmente estão envolvidos pela religião e a política. Estas atividades são inerentes a própria condição humana da convivência em sociedade, de uma certa maneira a religião ensina a reconhecer e a respeitar as regras políticas a partir do mandamento religioso. Essa norma coletiva pode assumir tanto o aspecto coercivo exterior da disciplina militar ou da autoridade política quanto o caráter persuasivo interior da educação moral e cívica para a produção do consenso coletivo.

As religiões, já desde a Grécia Antiga, foram capazes de modificar a ação humana. Desde os tempos mais remotos, crenças deram lugar a normas de conduta. O medo do desconhecido era e ainda continua sendo um fator decisivo. O agir conforme as leis simplesmente para respeitar as normas dos homens nem sempre é argumento suficiente para determinar sua conduta. As leis, nem sempre adequadas, podem ser imperfeitas, podem estar sendo determinadas para favorecer o interesse de um, podem ser severas demais, fracas demais, dependentes demais de pessoas de caráter duvidoso, etc. Essa simples desconfiança em relação às leis já retira delas o seu vigor, sua “integridade moral”.

A coisa começou a mudar quando o movimento Iluminista propôs que o Estado deveria ser laico, ou seja, pautado pela lógica racional, o que não deu muito certo no início. Esta filosofia animou várias correntes que quando chegaram ao poder limitaram a influência política das religiões.

O sociólogo português, Boaventura de Sousa Santos, chama de teologia política os discursos que reivindicam a presença da religião na esfera pública, ou seja, na polis atual. Lembremos que não podemos colocar todos os religiosos na mesma situação, pois existe uma pluralidade de religiosos, e uma pluralidade de olhares políticos diferentes.

Outro pensador como Foucault compreendia que nossas opiniões eram simples reproduções daquilo que nos foi ensinado ao longo de nossa vida. É preciso lembrar que o debate não se dá no modelo de opiniões, mas nos processos dialéticos e reflexivos da vida. Hoje tanto a política como a religiosidade brasileira proporcionam uma multiplicidade de posições que podem afetar nosso cotidiano.

Finalizo a reflexão com Isaiah Berlin, que argumenta que a religião para o filósofo Maquiavel é mais do que um instrumento socialmente indispensável, apenas um cimento utilitário. Acreditando que ao referir-se às instituições religiosas, podemos observar elas servem para que o indivíduo assimile a estrutura e a cultura de sua sociedade, e se integre ao seu papel, para que ele o aprenda e o aceite.

A religião é um instrumento que faz com que o indivíduo assimile seu papel e as regras morais de sua cultura, e para além disso, se policia para que não fuja dos seus padrões culturais e morais. A religião ainda serve de instrumento que influencia a conduta de uma sociedade, e que contribui para a coesão da ordem social. Mas em alguns momentos da história ela foi marcante na renovação de certos valores, às vezes tendentes à manutenção da divisão social de classes.

Roberson Augusto Marcomini é graduado em Teologia, tem licenciatura plena em Filosofia, doutorando em Sociologia, mestre em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, membro do Grupo de Pesquisa do Núcleo de Estudos de Religião, Economia e Política (NEREP/UFSCar), membro do Grupo de Pesquisa Ética e Justiça (Unicamp/Limeira)

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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