A ilusão da invisibilidade nas redes sociais

por Fernando Bryan Frizzarin

Involuntariamente, outro dia, escutei a música “Quatro vezes você” do Capital Inicial, que tem o refrão assim:

“O que você faz quando
Ninguém te vê fazendo
Ou o que você queria fazer
Se ninguém pudesse te ver”

Em 2001, quando a música foi lançada, talvez eu não fizesse a ligação, mas 23 anos depois, com muito mais repertório para alimentar a memória e o raciocínio, na hora lembrei do mito do “anel de Giges”.

O mito do anel de Giges, contado por Platão no seu livro “A República”, mesmo livro do “Mito da Caverna”, por exemplo, diz que ele era um pastor ao serviço do rei da Lídia. Um dia, após um terremoto, Giges encontrou uma caverna revelada por uma fissura na terra. Dentro da caverna, ele descobriu um cadáver que usava um anel de ouro. Giges pegou o anel e logo descobriu que ele tinha um poder especial: ao girar o anel em seu dedo, ele se tornava invisível.

Giges rapidamente percebeu as possibilidades que a invisibilidade oferecia. Já que, com o anel, ele não podia ser visto, cometeu uma série de crimes e imoralidades, incluindo a sedução da rainha e o assassinato do rei, tomando para si o trono da Lídia.

Essa possibilidade de fazer algo sem ser visto, hoje em dia, diminuiu bastante por causa dos celulares com câmeras nas mãos de quase todo mundo, que anda pronto para fazer um flagra e ganhar seguidores e curtidas em qualquer rede social, e por causa das câmeras de segurança espalhadas pelas ruas, casas e estabelecimentos comerciais.

Em 2014, 2.393 anos depois d’A República de Platão e 13 depois da música do Capital Inicial, surgiu um aplicativo chamado Secret. Era como um anel de Giges na vida virtual.

Secret era uma plataforma de mídia social que permitia aos usuários compartilhar mensagens anonimamente com seus amigos virtuais. A mecânica era exatamente como outras são hoje: convites de amizade, curtidas, visualizações e comentários. Claro, ganhou popularidade rapidamente, já que era possível contar “segredos”, mentiras e expor pessoas sem ser “visto”.

Enfrentou várias controvérsias relacionadas ao cyberbullying e à privacidade. Foi desativado em definitivo no mundo todo em abril de 2015. Esse aplicativo foi apenas uma pequena amostra do que o anonimato e a invisibilidade podem causar para a moral e a ética das pessoas.

Pelo menos, desde 380 a.C., quando Platão debruçou sobre essa questão do anonimato, paira a ideia de que “moral é o que se faz quando ninguém está olhando”, célebre frase escrita por H. Jackson Brown Jr. em seu livro “Life’s Little Instruction Book” (O Livro de Instruções para a Vida), uma coleção de conselhos e observações sobre a vida cotidiana.

Com a tecnologia atual, a internet, os telefones inteligentes e as redes sociais, o anonimato, ou a invisibilidade, é impossível (posso lhe enumerar uma centenas de técnicas e dados coletáveis para encontrar qualquer um de nós em qualquer lugar e responsabilizá-lo por uma fakenews, por exemplo), mesmo que algumas pessoas acreditem que podem dizer, escrever ou agir da forma imoral que desejarem.

Tantos e tantos anos se passaram e essa “página” custa a ser virada. Duas centenas de anos e ainda discutimos a mesma coisa! A evolução moral é muito demorada.

Fernando Bryan Frizzarin é professor, escritor, inventor, é Gerente do Suporte Técnico da BluePex Cybersecurity S/A, Diretor Técnico e Operacional na Fábrica de Inovação de Limeira e professor do ensino superior nas FATECs Araras e Americana, SP. Formado em Ciência da Computação, Especialista em Redes, Psicopedagogo e MBA em Gestão Estratégica da Tecnologia da Informação. Autor, coautor ou participante de vários livros na área de computação e literatura. Depositário de patente, marca e de diversos registros de programas de computador como autor ou coautor em cooperação com colegas de trabalho ou alunos. Membro imortal da Academia Mundial de Letras da Humanidade sucursal Limeira, SP. Foi laureado com o Diploma Pérola Byington da Câmara Municipal de Santa Bárbara d’Oeste e Professor Universitário Inovador da Câmara Municipal de Limeira.

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