Pílulas do presente

Por João Geraldo Lopes Gonçalves

Eu lhes digo a verdade: é muito difícil um rico entrar no reino dos céus. Digo também: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino de Deus”. (Jesus Cristo, em Matheus 19-23 a 25)

Taxar ricos

Foi na Igreja, já na Juventude e com a Teologia da Libertação, que tivemos a dimensão da pirâmide social. Esta linguagem de pirâmide é por conta de ela ter um formato próximo a um triângulo, onde os traços de baixo são mais largos e conforme sobem vão afinando, constituindo uma ponta em seu final no alto.

A pirâmide sempre foi sinônima de poder, locais onde o Faraó, todo poderoso do império egípcio, construía para ser enterrado dentro, como um templo de representação de um Deus.

Referências e adorações a estes monumentos, onde se levavam anos para ser construídos, com o suor e sangue de trabalhadores escravos, suscitavam uma sociedade em que uns têm muito e muitos têm pouco, até na morte.

Sim, pois os pobres eram enterrados em cavernas mal cuidadas e em criptas horrorosas e de dar medo.

Os economistas vão adotar a forma das pirâmides para explicar como está a divisão de riquezas no Brasil e no mundo. Se for citar a atual, os dados são de 2021 teríamos uma seguinte situação:

No topo: 1% mais ricos com uma renda superior a R$ 28.659.

Abaixo destes, os 5% ricos com uma renda de R$ 10.313.

No meio, 90% da população com uma renda inferior a R$ 3.422.

E abaixo, no final da pirâmide, de baixo para cima, 70% dos 90%, ganham dois salários mínimos.

Em 2022, fechávamos aquele ano com 67,8 milhões de pessoas com uma renda mensal ou sem renda alguma de R$ 637 mensais. Não há dúvidas, por estes dados, que no Brasil exista desigualdades sociais, que a miséria e a fome levam à morte, a violência e a exclusão.

Falar em distribuição de renda é também pensar em políticas que diminuem a pirâmide, mexendo no topo dela. Em nosso País, há duas formas de combate sistemático as desigualdades. A primeira, redistribuir através de programas e políticas públicas, acesso a Educação, Saúde, Transporte, Vestuário, Alimentação e outros. A segunda, os Impostos.

Este item nunca foi cobrado de forma proporcional ao que se ganha e se acumula. Além das regras e leis favorecerem os mais ricos, questões como herança e acúmulo de fortunas não entram nos cálculos da receita.

Em países desenvolvidos, uma das formas de encurtar as injustiças é taxar os ricos, nestes dois pontos cruciais. No Brasil desde a colônia, a riqueza é concentrada. Agora o Governo Lula volta a tocar no assunto, temido pela Faria Lima e os 1% mais ricos.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou que a segunda fase da Reforma Tributária será a referente à taxação. Se os mais ricos forem taxados nos pontos aqui elencados, os cofres públicos receberam R$ 292 bilhões por ano. Não faltará merenda escolar, vacinas e remédios e por aí adiante.

O presidente Lula esteve em Genebra, no dia de ontem defendendo o imposto sobre as grandes fortunas. Antes, na quarta-feira na mesma cidade, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, no fórum da Organização Internacional do Trabalho (OIT), apresentou a mesma proposta.

Na contramão, está o presidente da Confederação Nacional da Agricultura, defensor do agronegócio, que se recusa a se sentar com o governo, defendendo descaradamente um golpe. Este escrevinhador defende, desde sempre, que a distribuição de renda deva ser igualitária e justa, em uma sociedade sem pirâmide.

Deputados homens, brancos e ricos criminalizam mulheres

Uma foto da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados mostra o presidente da Casa, Artur Lira, rodeado de parlamentares homens, brancos e ricos, rindo e aplaudindo as falas do chefe da casa. Uma comemoração de uma importante matéria, que foi votada.

No primeiro momento e para o leigo nos assuntos políticos deste País, pode parecer se tratar de aumento do salário mínimo, redução da cesta básica, reajuste das aposentadorias e outros benefícios reivindicados e necessários para o nosso povo. Uma festa digna de um título mundial, com sorrisos de olheira a olheira, e cumprimentos entre pares favoráveis ao assunto. Estamos tão carentes de alegrias que imagens como esta nos faz ter esperança e ilusões.

Mas quem está atento ao cenário político sabe que risos como estes, vindos de figuras carimbadas por defender pautas atrasadas, conservadoras e de benefício de grupos específicos, cravam dez milhões em uma aposta e ganha. Boa coisa não é, diria esta pessoa. E acertou em cheio.

Na quarta-feira, Dia dos Namorados, do amor no ar, as mulheres protagonistas do afeto ganharam um presente de grego dos deputados. De grego não, de morte, literalmente. A Casa de Leis aprovou urgência em um projeto de lei que criminaliza mulheres que fizerem aborto após 22 semanas de gestação.

A pena para quem interromper a gravidez pode chegar a vinte anos de cadeia. Tempo maior que o estuprador, que hoje chega a dez anos de reclusão. Se o PL 1904/24 for aprovado, caem da lei três condições que permitem o aborto considerado legal:

  • Para salvar a vida da mulher;
  • Em gestação resultante de estupro;
  • Quando o feto for anencefálico –com defeito na formação do tubo neural que resulta em bebê natimorto ou capaz de sobreviver apenas algumas horas.

Não há limite para realizar o procedimento nestes três casos legais.

Se o projeto misógino e mortal for aprovado, teremos uma situação em que a vítima de um estupro passa a ser ré se fizer aborto.

Se esta aberração passar, os machos alfas vencem a batalha e o extermínio de mulheres e crianças será legitimado no Brasil. Hora de reagir.

Obs: A chamada bancada da Bíblia foi a responsável por apresentar o PL da Morte.

Gol de placa

Sempre achei que futebol não se desassocia da vida. Não se pode separar o campo de jogo a ambientes extracampos. Até porque, para ir a um estádio, é preciso ter um emprego que te proporcione este entretenimento.

É necessário que se tenha segurança ao ir a uma partida de futebol. Os envolvidos em uma peleja são seres humanos, com vidas pessoais e relacionamentos além do esporte. Futebol, população e organização no esporte caminham de mãos dadas, ou teriam.

Sim, teriam, pois na prática uma arena futebolística historicamente é repleta de disseminação de preconceitos, discriminações e violência.

Outro dia o Corinthians foi condenado a pagar multa a direção do São Paulo, em virtude de manifestações homofóbicas de sua torcida contra o rival em um clássico. A disseminação pelos estádios e arenas, seja no Brasil, seja na América Latina e na Europa, de práticas racistas, por exemplo, têm crescido assustadoramente.

No Brasil, mesmo com a Lei 7.716, de 1989, tornando a prática de discriminar pessoas de outras raças como hedionda, nas arenas de futebol, repletas de brancos e bem-nascidos, insultos como macaco, preto sujo e outros ainda são mel na boca desta gente. Agora imagine na Espanha, onde não há lei específica de condenação de racismo e prática dele? Onde, no esporte, muitos entendem como gozação de uma torcida a outra.

Outro dia Carvajal, lateral direito do Real Madrid, companheiro de Vinicius Junior no time, afirmou que não vê na Espanha racismo, que muito não passa de rivalidade esportiva. Futebol não é uma ilha, não deve ter regras antagônicas da sociedade. Aqui ou na Espanha, racismo é manifestação e conduta de ódio ao diferente, uma violência contra a cor da pele.

As arquibancadas são, sim, um espaço democrático e as manifestações devem ser feitas, mas respeitando as leis e o ser humano. Por isto foi um gol de placa, dado pela Justiça Espanhola a condenação de três torcedores racistas do Valência ao agredirem Vinicius Júnior com xingamentos racistas.

Cadeia a quem comete este crime, que se torna um marco dentro do futebol mundial. É a primeira vez que alguém é condenado por comportamento discriminatório em um campo de futebol naquele País. O fato abre um precedente importante, pois se trata da denúncia de um dos e possível melhor jogador do mundo.

Vinicius Jr nos faz pensar em um futuro onde pobres, ricos, negros, brancos, gays e heteros, possam ir ao campo ou em qualquer lugar e se confraternizar. Enquanto isto, é preciso ter o sentimento de Vini Jr, quando perguntado da sentença como estava se sentindo: “Não sou vítima, sou algoz de racistas”. Gol de placa, Vini!.

Um conto de namorados

À minha eterna Namorada Nadir de Souza Gonçalves.

Um quarto de hospital não é e nunca seria espaço de comemoração. O contrário é verdadeiro. Onde se dissipa a dor, não pode e não conseguiria falar de alegria ou mesmo de amor, embora este último supere o sofrimento.

No dia 12, de um junho frio como há muito não se fazia naquela terra, encravado há dias na cama daquela instituição. Parecia que o AVC não se concretizou, mas sequelas de uma infecção o deixaram cego, sem rim e duas paradas cardíacas.

A música e as visitas o tiravam de um transe quase parecido com o roteiro do filme de Glauber Rocha. Ou a música do Raul, “O Dia que a Terra Parou”. Os sentimentos eram embaralhados, confusos, mas lúcidos quando ela apareceu.

Estava lá todos os dias, mas naquele dia raios de luz em volta dela, deixavam aquela pele preta, mais preta ainda reluzente feito uma estrela. Sua boca, ao falar, saía poesia, um formato de cuidado, afeto, carinho. Quis ouvir, em meu cérebro, “Baby”, do Caetano.

Lembrei de um texto que escrevi, onde um casal se conhece na clandestinidade da ditadura, se apaixona e dividem a canção como sua favorita. Em meu escrito, eles morrem. Mas esta parte eu tive certeza que não aconteceria comigo e com ela, não agora.

O amor é mais forte que as confusões e medos. Foi um 12 de junho sensacional.

A todas e a todos um belo final de semana.

João Geraldo Lopes Gonçalves, o Janjão, é escritor e consultor político e cultural.

Os artigos assinados representam a opinião do(a) autor(a) e não o pensamento do DJ, que pode deles discordar

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