Veja como funcionará a nova lei que autoriza teste de DNA em parentes para confirmar paternidade

O presidente Jair Bolsonaro sancionou lei que permite fazer exame de DNA em parentes consanguíneos para comprovar suspeita de paternidade quando o suposto pai biológico estiver morto ou sem paradeiro conhecido. A Lei 14.138/21 foi publicada na edição desta segunda-feira (19) do Diário Oficial da União. Ela altera a Lei de Investigação de Paternidade.

O DJ conversou com o professor de Direito de Família do Isca Faculdades, Lamartine Batistela Filho. Ele é pós-graduado em Processo Civil, em Direito Civil, Direito do Trabalho, Direito Criminal e em Magistério Superior.

DJ – A Lei 14.138/21, publicada nesta segunda-feira, vai permitir o exame de DNA em parentes consanguíneos para comprovar suspeita de paternidade quando o suposto pai biológico estiver morto ou sem paradeiro conhecido. É um avanço em temas de reconhecimento?
Lamartine – Primeiramente que a Lei de Registros Públicos, Lei n.: 6.015 de 31 de dezembro de 1973, trouxe a obrigação do pai (na época) de realizar o registro dos filhos. A evolução do Direito de família e a própria evolução social trouxe a obrigação familiar de tal registro, não cabendo apenas ao pai, mas também à mãe, e à família tal registro. A Constituição Federal de 1988, posterior à Lei de Registros Públicos, confirmou tal proteção, e ainda ampliou esse entendimento para prever no art. 227, §6º:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.
§ 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Havia antes da Constituição Federal de 1988 distinções entre os filhos, fazendo com que um filho legítimo percebesse o dobro do que um filho ilegítimo percebesse como herança, o que hoje não mais é permitido. Leia a distinção doutrinária sobre os diferentes filhos, que não mais é permitida essa distinção:

Filhos adulterinos: São filhos que foram gerados de uma relação contra a lei, quando, por exemplo, os pais são casados;
Filhos Incestuosos: São filhos que foram gerados de uma relação dentro da própria família, como filhos gerados entre irmãos;
Filhos Naturais, que se dividem em Filhos Legítimos e Filhos Ilegítimos: Filhos Naturais legítimos são os filhos que foram gerados dentro do casamento, quando os pais são casados. Filhos Naturais Ilegítimos: São os filhos que foram gerados fora do casamento, quando os pais não são casados.

Assim, tanto a Lei de Registros Públicos, como a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, e agora com a nova Lei n.: 14.138 de 16 de abril de 2021, sancionada há 3 dias, são claramente evoluções no Direito de Família que buscam garantir o direito constitucional de todo ser humano: saber suas origens e de descobrir seu verdadeiro pai, sua verdadeira família.
Ademais, a investigação da paternidade é um direito imprescritível, ou seja, não há termo inicial para contagem de prazo, podendo ser buscado pelo filho(a) a qualquer tempo sua origem biológica (ou mesmo civil – como no caso de adoção).

Como é hoje, resumidamente, o procedimento de investigação de paternidade? O suposto pai é obrigado a participar?
Originalmente, a Lei n.: 8.560 de 29 de dezembro de 1992 foi quem inseriu na legislação brasileira o caminho pelo qual o Judiciário deve buscar o conhecimento da paternidade. Primeiramente que estando casados, é presumida a paternidade daquele filho havido durante o casamento, bastando a prova do casamento (certidão de casamento). O problema surge quando os pais não são casados, e o pai não busca registrar em seu nome o filho(a). A legislação não permite que a mãe fale em nome do pai e peça que o registro também seja feito em nome dele. Assim, a certidão apenas conterá o nome da mãe como reconhecimento do filho(a).
E como se dá o procedimento? Se ambos os pais comparecem, problema resolvido. Em caso de negativa, o Cartório de Registro de Pessoas Naturais comunica ao Juízo da Vara de Registro e chama o pai para buscar ver o reconhecimento amigável. Caso o pai se negue, então o juiz os remeterá às vias ordinárias, ou seja, deverão buscar seus advogados ou a própria defensoria pública, para propor uma ação judicial.
Neste caso o pai poderá entrar com uma ação negatória de paternidade, nos termos do art. 1.601 do Código Civil, que também é uma ação imprescritível (porém os filhos não tem legitimidade pra ingressar com essa ação, apenas suceder, em caso de morte, ou seja, é um direito do pai negar a paternidade, e não dos filhos, em caso do pai morto), leia:

Art. 1.601. Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível.

Da mesma ordem poderá a mulher buscar uma ação de reconhecimento de paternidade (ação investigatória de paternidade) para descobrir quem é o verdadeiro pai.
E o procedimento a partir desse ponto segue o rito processual, ou seja, haverá defesa, contestação, audiência, provas, e o exame de DNA. E caso o pai não se disponha a realizar o exame de DNA, ele será presumidamente o pai. Caso ele entre com a ação negatória, e não compareça, a ação será extinta sem julgamento do mérito, mantendo-o como pai até que tal prova seja produzida.

Como funcionará estes exames em parentes?
Os exames são feitos de forma voluntária, ou seja, são chamados os parentes mais próximos para compor a prova processual e colaborar com a Justiça. Caso os familiares não concordem com a produção dessa prova, segue o mesmo caminho da legislação ainda em vigor, ou seja, aplica-se o art. 2-A da Lei n.: 8.560/1992 já alterada pela recente mudança, a Lei 14.138/21, presumindo a paternidade, que segue:

Art. 2o
-A. Na ação de investigação de paternidade, todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, serão hábeis para provar a verdade dos fatos. (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009).
§ 1º. A recusa do réu em se submeter ao exame de código genético – DNA gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório. (Incluído pela Lei nº 12.004, de 2009). (Renumerado do parágrafo único, pela Lei nº 14.138, de 2021)
§ 2º Se o suposto pai houver falecido ou não existir notícia de seu paradeiro, o juiz determinará, a expensas do autor da ação, a realização do exame de pareamento do código genético (DNA) em parentes consanguíneos, preferindo-se os de grau mais próximo aos mais distantes, importando a recusa em presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o
contexto probatório. (Incluído pela Lei nº 14.138, de 2021).

Em questões de paternidade, como funciona o instituto da presunção? O que vai mudar, a partir dessa nova lei?
A presunção se mantem a mesma, porém agora com a colaboração permitida por lei dos parentes, ou seja, em caso dos parentes próximos se negarem à entrega de material genético o pai continua sendo presumidamente o pai. Caso ele não seja o pai, basta fornecer material genético para sua produção probatória judicial. Assim, caso os parentes forneçam o material comparativo genético, será produzida a prova pericial, com o resultado material conclusivo (é ou não o pai).

Com a nova lei em vigor, o Sr. vê algum conflito entre o direito à privacidade dos familiares e o direito ao reconhecimento do estado de filiação?
Não vejo qualquer conflito quanto aos direitos da privacidade, uma vez que é obrigação da família o cuidado e o trato dos filhos, bem como os princípios constitucionais da proteção do ser humano, e do direito imprescritível de se saber quem é o pai, ou mesmo de afastar a filiação pelo pai. entendo que é algo que deve ser protegido em detrimento de qualquer liberdade individual, que no meu modo de ver em nada (ou quase nada) afeta a vida privada dos parentes próximos. A lei apenas está confirmando o fato havido, a relação que resultou uma vida, e que deve ser protegida, mantida, e garantir todos os direitos para se saber a origem.

Foto em destaque da reportagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

Lamartine Batistela Filho é professor de Direito de Família no
ISCA-Faculdades

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