Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo

por Farid Zaine
@farid.cultura

Se há um filme cujo título entrega o que promete esse é “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. Os ultracriativos Daniel Kwan e Daniel Scheinert, conhecidos como “os Daniels”, passaram anos planejando esse longa , produção paralisada por um tempo por causa da pandemia. Depois eles se lançaram a essa tarefa nada fácil de concluir um dos mais ousados projetos cinematográficos dos últimos tempos.

Comecemos por determinar o gênero do filme: drama, comédia, ficção científica, aventura de super-herói, suspense, história temperada com artes marciais? Pois é tudo isso, tudo junto, e muito mais. Parece exagero, mas não é. “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo” é uma experiência totalmente diferente, instigante e originalíssima.

De que trata, então, “Tudo em Todo o lugar ao Mesmo Tempo”, esse filme que pode ter todos esses rótulos? Por mais paradoxal que possa parecer, a história principal é muito simples: uma família de origem chinesa estabelecida nos EUA enfrenta a seguinte situação: Evelyn é uma mulher de meia idade que, com o marido Waymond, dirige uma lavanderia decadente, prestes a ter problemas insolúveis com a Receita; o marido, sempre delicado e simpático, está pedindo o divórcio; Evelyn cuida do pai ancião que a abandonou na juventude, e mesmo muito idoso continua rabugento; a filha Joy namora uma garota, Becky, e Evelyn tem dificuldade de aceitar esse relacionamento… Enfim, a vida dela é um poço de problemas. Até aí, nada demais. Eis então que surge para Evelyn uma versão de seu marido vinda de um universo paralelo, trazendo a ela uma missão totalmente inesperada: ela foi escolhida para salvar o mundo da destruição total provocada por uma entidade maligna que planeja acabar com todos os universos paralelos existentes… pior: essa entidade é uma versão de outro universo de sua filha.

Por que Evelyn seria a escolhida? Justamente por ser tão fracassada, como uma folha em branco, ela teria condições de juntar todas as habilidades de infinitas Evelyns que ela encontraria pelos multiversos existentes. Ao conhecer versões de si mesma, Evelyn aprende que cada escolha na vida abre possibilidades infinitas. O que fará ela com as habilidades de suas outras vidas que ela teve -ou tem- paralelamente a essa? Ela precisará lutar muito para impedir que o buraco negro criado por Joy simplesmente engula tudo.

História complicada? Sim, muito, e muitas vezes parecendo absurda demais. Não importa . A edição vertiginosa do filme nos envolve tão completamente que o sentido de tudo que é mostrado nem sempre se alcança imediatamente. Talvez aí os Daniels pudessem conter um pouco a ansiedade traduzida na frenética montagem, e enxugar o longa cortando alguns dos seus 140 minutos de duração.

Tudo no filme é perseguido pela pergunta “ e se? “… É isso que leva ao complexo novelo dos multiversos – ou seriam muitos universos paralelos compondo um único multiverso? – por onde passa Evelyn. E se ela e Waymond não tivessem deixado a China? Somente essa escolha abriu portas para as muitas histórias de Evelyn, dona de talentos e dons inexistentes no seu mundo de lavanderia, divórcio, filha homossexual, etc, mas reais nos outros universos.

Ninguém espere explicações claras sobre o que acontece em cada segundo de “Tudo em todo o Lugar ao Mesmo Tempo”. O charme também está na decifração que cada um pode fazer dos múltiplos símbolos e enigmas do longa. Michele Yeoh está soberba como Evelyn Wang, acompanhada pelo ótimo Ke Huy Quan (Waymond) , que foi o garoto de “Indiana Jones e o Templo da Perdição” e “Os Goonies”, e agora adulto se revela um talentoso ator. Excelente também é Stephanie Hsu, que vive Joy e a destrutiva vilã Jobu Tupaki . E a grande surpresa é a participação hilária de Jamie Lee Curtis, como a funcionária da Receita que quer penalizar a lavanderia de Evelyn, que luta ferozmente com ela, mas que tem com a mesma um romance lésbico em outro universo, onde uma estranha evolução levou as pessoas a terem dedos em forma de salsichas.

Se o leitor acha que aí já é demais, não resisto em dar um quase spoiler: numa sequência particularmente inusitada, duas pedras ( que seriam a mãe e a filha em um dos multiversos em uma era remota) conversam, e o diálogo é uma das melhores coisas do filme!

Com lições nada didáticas sobre empatia, generosidade, amor, união familiar e compreensão , “Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo” surge como a grande novidade do cinema em 2022. Não será surpresa nenhuma que esteja presente nas listas de prováveis indicados em muitas categorias na próxima temporada de premiações. A essa altura as mentes inquietas dos Daniels já terão concebido alguma outra aventura ainda mais mirabolante.

TUDO EM TODO O LUGAR AO MESMO TEMPO (Everything Everywhere All at Once) – EUA, 2022 – Direção de Daniel Kwan e Daniel Scheinert – em cartaz nos cinemas
Cotação: ****ÓTIMO

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