Telemedicina: obrigação das operadoras de saúde

Por Edmar Silva 

A mudança em vários aspectos do comportamento social em razão da pandemia do coronavírus (Covid-19) é nítida e foi algo que ocorreu de forma brusca, pegando a todos de surpresa. Com certeza, essas alterações viriam a ocorrer em algum momento, mas foram abreviadas pela pandemia. Assim, o Home Office, que antes era só uma idealização, tornou-se a realidade de muitos lares; a máscara facial, que antes só era usada nos hospitais, passou a ser item obrigatório de todas as pessoas e em todos os locais.

Essa evolução abrupta também foi sentida na área da saúde, principalmente na questão envolvendo o atendimento remoto, chamado popularmente de telemedicina.

Com efeito, no âmbito da medicina tal procedimento está autorizado no Brasil desde o ano de 2002, por meio da Resolução nº 1.643 do Conselho Federal de Medicina (CFM), também encontrando previsão no Código de Ética Médica (art. 37, parágrafo único). Mais recentemente, já em razão da pandemia, foram editadas a Lei Federal nº 13.989/2020 e a Portaria nº 467/2020 do Ministério da Saúde, ambas dispondo sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus.

Também em decorrência da pandemia houve previsão e regulamentação do atendimento remoto por outros órgãos de classes ligados à saúde, como é o caso, por exemplo, da Resolução nº 516/2020 do Conselho de Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais (COFFITO), e da Resolução nº 634/2020 do Conselho de Enfermagem (COFEN).

Ou seja, embora já existisse anteriormente na área médica, foi no contexto da pandemia que a telemedicina veio à tona, ganhando espaço e notoriedade também nas demais áreas da saúde. Dessa forma, ela se tornou uma verdadeira obrigação das operadoras de saúde e um direito dos pacientes.

Isso porque, em razão de se tratar de mera modalidade de atendimento não presencial, e não de um procedimento novo, não há sequer necessidade de inserir a telemedicina no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde (ANS) para que ela seja considerada atividade de cobertura obrigatória por parte das operadoras.

Assim, independentemente de qualquer providência da ANS ou de algum outro órgão público ou regulador, as operadoras devem garantir aos seus beneficiários o atendimento não presencial nas mais diversas áreas da saúde. Inclusive, essa é a recomendação da ANS (Nota Técnica 07/2020; Comunicado nº 01/2020).

Além do mais, a relação ora analisada é de consumo, de acordo com os conceitos de consumidor, fornecedor e serviço expressos nos artigos 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC). O contratante de um plano de saúde é considerado consumidor (arts. 2º, caput, e 3º, parágrafo 1º, CDC), enquanto as respectivas operadoras de saúde são enquadradas na definição de fornecedores, conforme art. 3º, caput, do CDC.

E esse mesmo Código dispõe ser direito básico do consumidor a proteção da sua vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos, além de prever, caso haja dano ao consumidor, a efetiva reparação tanto na esfera patrimonial quanto moral (art. 6º, incisos I e VI, CDC).

Ora, evidente que, diante de uma pandemia, exigir que o consumidor (paciente) compareça presencialmente à consulta médica quando possível fazê-la por meios tecnológicos de comunicação à distância significa colocá-lo em risco.

Pode-se afirmar, então, que a telemedicina, em qualquer área da saúde, consiste numa obrigação das operadoras de saúde em benefício dos pacientes/consumidores, que não só podem, como devem procurar a efetivação dos seus direitos em caso de recusa no fornecimento de tal atividade.

Para tanto, estão à disposição dos pacientes/consumidores o Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça do Consumidor, a Defensoria Pública, além do PROCON, sem prejuízo dos demais advogados que atuam no âmbito privado.

Edmar Silva é analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo. Formado em Direito, aprovado no exame da OAB-SP e pós-graduando em Direito Público.

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